Uma carta aberta a Dr. Dre e Jay-Z
Jay-Z,
Já tem uns quatro anos que você vem tocando o Tidal. E eu acho de coração uma iniciativa foda, que contempla melhor o artista financeiramente do que outras plataformas. Eu sei que elas não são o modelo ideal para o artista. É um saco. Tidal paga melhor e acho justo. Acho que as plataformas de streaming têm mais problemas do que soluções. Acho que todo mundo está refém delas, infelizmente.
Eu assinei o Tidal por uns cinco, seis meses. Eu saí porque minha mulher não sentiu a necessidade de migrar do Spotify - então voltei pra lá, que é onde temos a conta família. Não faz sentido pagar uma conta extra só para eu ouvir os seus discos no Tidal - eu tenho os seus discos. Então eu abandonei o Tidal. Foi simplesmente matemática e dinheiro. Você entende isso. Você sabe de dinheiro melhor que eu.
Assim como eu, um monte de gente não ficou no Tidal, por mais completa e elegante que seja a ferramenta. Seja por comodidade, preço ou seguindo os amigos que já estão lá, todo mundo vai pro Spotify.
Dr. Dre,
eu não vou assinar o Apple Music. Eu fui descobrir hoje que dá para colocar num Android - então nem me parece intenção da empresa que ele saia da bolha dos iProdutos. E de novo, eu conheço e tenho sua discografia. Eu sei todas as letras do "Chronic" ao contrário escritas com a mão esquerda do Leonardo da Vinci.
Vocês dois são quase bilionários. Os dois passaram dois 900 milhões, né? Daqui para frente é só uma questão de ver quem vai bater 1 bi primeiro: Compton ou Bed Stuy. Embora eu acredite que ninguém precisa ser um bilionário ---acho que com US$ 400 milhões dá para viver bem--, eu não quero entrar na frente do projeto capitalista hardcore de vocês.
Mas eu me preocupo com a cultura. Lembro quando resenhei "4:44" e "Compton" e lia comentários meses depois das resenhas de pessoas que não tinham ouvido ainda os discos. O motivo? Não estão no Spotify. Isso significa que dois dos maiores projetos de rap de nossa década passaram sobre as cabeças de centenas de milhares de pessoas sem fazer barulho. Eu não estou falando o fã hardcore. Esse vai atrás, dá seu jeito.
Mas a maior parte das pessoas não é fã hardcore de música. A maior parte das pessoas ouve música como quem joga "Mario Kart" e um "GTA". Um futebol ("PES" ou "Fifa"). Não "Final Fantasy", "Skyrim" e "Age of Empires". Excelentes jogos? É o que eu leio por aí, porque para videogames, eu sou o contrário do que sou para música: eu não ligo de não jogar os títulos muito complicados. E hoje o que está fora do Spotify é um título muito complicado.
Como eu, um old head, posso cobrar que a molecada conheça o "Chronic, Vol 2. Hard Knock Life", "Blueprint", "Black Album", "American Gangster" se eles estão fora da plataforma mais fácil e popular para se ouvir música? Aliás, só agora me liguei como a metáfora pode ser literal: esses dias mesmo um camarada falou que tinha ouvido "Nuthing But a G Thang" pela primeira vez jogando "GTA San Andreas". Tem noção, Dre? O PlayStation está fazendo um trabalho melhor em promover seu legado do que você. Em troca do quê, em troca de quanto?
Novamente, não estou querendo me meter na frente dos milhões dos senhores. E estou completamente familiarizado com a ideia de que existem ainda CDs físicos, mas eu sinceramente, Dre e Jay, não confio no jovem o bastante. Ele precisa da coisa mastigada ali pra ele. É isso. Por favor, corram atrás dos seus bilhões, mas não mantenham mais privado o legado de vocês. Música vale dinheiro, mas não é só isso que ela vale.
Ainda falando em streaming...
O Djonga lançou o disco dele antes apenas no YouTube. Ele tem mil razões para fazer isso. Pessoalmente não me incomoda porque quando se trata de música, eu sou chegado num ritual. Então estar todo mundo às 18h ligadinho no canal dele me trouxe um pouco desse sentimento que não existe mais --o que tudo bem, vou sobreviver. Mas foi como se todo mundo tivesse abrindo a capa de um vinil ao mesmo tempo e isso foi meio que legal.
Muita gente ficou brava porque queria ouvir na plataforma da sua preferência. Respeito, mas creio que a vontade do artista há de ser suprema. Fora que os números do YouTube são transparentes pro povo e acho um movimento bem "na sua cara" o Djonga mostrar que dá para fazer um disco foda sem comprometer a parte de rap (lembra? Aquela parte que é tão legal quanto todos os arranjos que os MCs estão enchendo hoje nos discos) e conseguir números incríveis.
Fora que é um gol pra música independente. É excelente que ele possa fazer o lançamento de um dos discos mais importantes do ano --sim, a gente está em março, mas você já ouviu o CD? --do jeito que ele quiser. Fora que já está nas plataformas. Então se você se desesperou porque ficou no YouTube exclusivamente por menos de 48 horas, você já pode ouvir o disco em sua plena graça.
Agora, uma coisa que notei essa semana. As principais playlists de rap/música brasileira do Spotify ainda não continham faixas do disco. As oficiais eram feitas pelos curadores da plataforma. Isso é muito grave e irresponsável. Ok, a maior parte dessas playlists são atualizadas uma vez por semana, mas elas são assim por escolha editorial, não por lei. Então quando um disco grandioso como "Ladrão" aparece, é responsabilidade da galerinha muito show que monta as playlists de colocar algumas faixas desse disco nessas playlists.
Até as 15h de quinta-feira, nenhuma faixa do disco "Ladrão" está na RAPública, principal playlist de rap nacional do Spotify. Ela é virtualmente como uma rádio de rap para o grande público. Não haver nenhuma música do disco lá é como se uma rádio de rap nacional não tivesse tocando o disco mais quente do momento --algo impossível, inviável e de credibilidade editorial questionável aos olhos do hip-hop. O Spotify Brasil marcou touca seguindo sua linha de uma atualização por semana e não abrindo exceção para um disco desse tamanho. Não tem ninguém lá para pegar duas músicas e "adicionar à playlist..."? Acho difícil. Marcaram touca.
"Rap or Go To The League"
Que belo disco do 2 Chainz. Tem me acompanhado esse mês. "Threat 2 Society", produzida pelo lendário do boombap de Fruity Loops 9Th Wonder, é uma joia. Na sequência você tem a club banger "Money In The Way" que mostra que o Chainz consegue transitar em qualquer tipo de beat sem parecer estranho no ninho --nem sem isso parecer estranho no álbum, é natural pra arte dele. Parece que tem beats de todas as épocas e é tudo daora.
2 Chainz sempre me parece um anfitrião a uma trap party mais aprazível. A lista de convidados na festa não está ruim também: tem feat de Kendrick Lamar, Lil Wayne, E-40, Chance The Rapper e, para quem é entusiasta, Ariana Grande. Chama "Rule The World" a faixa com a cantora. Achei surpreendente. Não é das minhas músicas favoritas mas não compromete o álbum. A essa altura, eu acho isso um feito e tanto.
E você pode agradecer tudo ao LeBron James, produtor executivo do disco. Tudo bem que a temporada do Lakers foi uma piada, mas pelo menos o LeBron está sempre envolvido em algum projeto legal de rap, apoiando criativa e financeiramente. E como ele não tá perdendo partidas pelo Botafogo, para mim tá tudo bem. Saldo positivo a meu ver.
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