Como "Billions" se tornou, sem prometer, uma das melhores séries no ar
"Billions" tinha tudo para dar errado. Com um tema que muitos consideram entediante (o mundo das finanças), a série criada pelo trio Brian Koppelman, David Levien e Andrew Ross Sorkin desafiou um cenário televisivo em que histórias sobre "anti-heróis complicados" não eram mais a regra e chegou a sua quarta temporada como um dos títulos mais bem-sucedidos da emissora Showtime.
O quarto ano está marcado para estreia no próximo dia 17 de março nos EUA. Para os viciados em séries, é tempo amplo para descobrir as três primeiras temporadas, disponíveis no Brasil pela Netflix -- e a série guarda muitas boas surpresas para quem decidir encarar esta maratona.
A trama de "Billions" acompanha a disputa entre dois homens de lados opostos da lei. Chuck Rhoades (Paul Giamatti) é o promotor-chefe de um dos distritos mais importantes de Nova York, e aspira a posições mais altas no governo. Seu caminho para o sucesso é Bobby Axelrod (Damian Lewis), dono de uma firma de investimentos que pode estar envolvida em ilegalidades.
Complicando ainda mais a situação, Chuck é casado com Wendy Rhoades (Maggie Siff), que por sua vez trabalha para a firma de Bobby, como psicóloga de plantão para ele e seus empregados. O complexo campo minado moral desta premissa é navegado de forma engenhosa pela série.
Dois é bom, três é melhor
É verdade que Chuck e Bobby são personagens estimulantes, sempre transitando em áreas cinzentas de moralidade e ética, com vidas interiores que são destrinchadas aos poucos pelos ótimos roteiristas de "Billions". A série não seria a mesma, no entanto, sem Wendy.
O grande blefe de "Billions" é apresentar a sua principal personagem feminina como uma mera ponte ou suporte para os protagonistas masculinos, e então virar o jogo ao transformá-la em uma força da natureza que, em muitos momentos, manipula os dois com facilidade.
Wendy é uma criação rica e complexa, e a atriz Maggie Siff faz jus a ela com uma performance calculada, contida e inteligente. Ela empresta um senso de autoridade, mas também dinamismo e flexibilidade, à personagem.
É impressionante que ela se torne o destaque em tantos episódios de "Billions" quando seus companheiros de cena são atores do calibre de Paul Giamatti e Damian Lewis. Especialmente em suas (raras) cenas juntos, os dois exploram as profundezas da ambição e da agressão masculina de forma bombástica.
A chave do sucesso
Além dos personagens e atores afiados, "Billions" aposta em retratar o mundo das finanças de forma acessível, mas sem insultar a nossa inteligência. Isso significa que a complexidade das transações comerciais e das leis que as governam não é escondida, mas que a linguagem usada pela série faz com que elas pareçam mais próximas de quem não vive no universo das finanças.
Esta abordagem se transfere para a forma como a série lida com outras questões. Por exemplo: o personagem Taylor, interpretado por Asia Kate Dillon, é uma pessoa não-binária, que não se identifica com nenhum dos dois gêneros e prefere usar pronomes neutros (o que é mais fácil em inglês do que em português, onde não temos uma alternativa para a dualidade "ele"/"ela").
Pioneira na representação de pessoas não-binárias, "Billions" criou uma personagem instigante, que se tornou aos poucos um dos grandes destaques da série. A identidade de gênero de Taylor não é parte central da história, e a maioria dos personagens (esteja Taylor presente na cena ou não) respeita a sua escolha de pronomes integralmente.
Inteligente, mas sem ares esnobes, "Billions" encontrou a forma certa de apelar ao público adulto na TV contemporânea. Aos poucos, sem prometer, se tornou um dos mais sofisticados e interessantes dramas no ar.
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