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"A Mulher na Janela" vai virar filme, mas a vida do seu autor é mais sinistra

O novelista Dan Mallory, que escreve sob o pseudônimo A.J. Finn  - Reprodução/Twitter
O novelista Dan Mallory, que escreve sob o pseudônimo A.J. Finn Imagem: Reprodução/Twitter

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

10/02/2019 04h00

Antes de chegar às prateleiras e se tornar um dos maiores best-sellers do ano passado, o suspense "A Mulher na Janela" foi vendido para várias editoras norte-americanas como o livro de estreia de um estimado membro da comunidade editorial, que assinou a obra com o pseudônimo A.J. Finn.

O nome verdadeiro do autor, no entanto, não foi revelado até o momento em que os lances no leilão pelos direitos de publicação do livro, ocorrido em 2016, atingiram US$ 750 mil. Assim que a revelação foi feita, várias editoras tiraram o seu nome da corrida.

Este é só um dos "causos" relatados em uma matéria do "The New Yorker" sobre Dan Mallory, o homem por trás de A.J. Finn. Conversando com vários empregadores, professores, amigos, familiares, concorrentes e colegas de trabalho de Mallory, o repórter Ian Parker revela um rastro de mentiras que marcou a ascensão do agora celebrado autor no mundo editorial.

O livro de Mallory é protagonizado e narrado por Anna Fox, uma mulher que sofre de agorafobia, condição psicológica que há meses a impede de deixar o seu apartamento. Observando os vizinhos pela janela certa noite, ela testemunha o que acha ser um crime violento.

Enquanto a adaptação cinematográfica de "A Mulher na Janela" é filmada em Nova York, com previsão de lançamento para o final do ano, Amy Adams no papel principal e Joe Wright ("O Destino de Uma Nação") na cadeira de diretor, a história de seu autor parece cada vez mais saída direto de um livro de mistério.

Matt Damon em cena de "O Talentoso Ripley" - Divulgação - Divulgação
Matt Damon em cena de "O Talentoso Ripley"
Imagem: Divulgação

O talentoso Mallory

As semelhanças entre a vida de Mallory e um thriller literário podem ser mais do que mera coincidência. Na Universidade de Oxford, onde começou, mas nunca terminou, um doutorado em inglês, o futuro autor best-seller escreveu extensamente sobre os livros de Patricia Highsmith estrelados pelo personagem Tom Ripley.

Quem se lembra de "O Talentoso Ripley", adaptação de 1999 estrelada por Matt Damon, sabe que o personagem título não é exatamente um modelo de comportamento. Mentiroso nato, ele aos poucos toma de assalto a vida de um amigo ricaço, Dickie (Jude Law), para fugir da mediocridade do seu próprio dia-a-dia.

Vários dos entrevistados na matéria do "The New Yorker" compararam o comportamento de Mallory com o do personagem. Em uma parte do filme, por exemplo, Ripley escreve cartas fingindo ser Dickie, a fim de dispersar suspeitas sobre o seu paradeiro.

Por um período de meses durante o ano de 2013, Mallory deixou de aparecer no escritório onde trabalhava, na popular editora Morrow, em Nova York. Ao invés de uma explicação do próprio Mallory, vários de seus contatos pessoais e profissionais passaram a receber e-mails que supostamente vinham de seu irmão.

Nas mensagens, "Jake" contava que Mallory estava internado para retirar um tumor cancerígeno, cirurgia perigosa que poderia até mesmo deixa-lo paralisado da cintura para baixo. Quando Mallory voltou ao trabalho, contou a pelo menos uma colega, que o perguntou sobre "Jake", que o irmão tinha se matado.

Capa da edição nacional de "A Mulher na Janela" - Divulgação - Divulgação
Capa da edição nacional de "A Mulher na Janela"
Imagem: Divulgação

"Dan foi tratado de forma horrível por muitas pessoas em sua infância e adolescência, o que fez com que ele se tornasse alguém profundamente solitário. Ele não confia em muita gente. Mantenham Dan em suas orações", dizia um dos e-mails dessa época, obtido pelo "The New Yorker". 

A alusão a uma infância e adolescência cheia de tragédias remete a um ensaio que Mallory escreveu, anos antes, para tentar ser aceito em Oxford. O texto impressionou o professor Craig Raine, que orientaria o seu doutorado nunca finalizado.

No ensaio, Mallory narrava como teve que cuidar de sua mãe durante uma longa batalha contra o câncer. Ele também contava sobre o seu irmão, que nessa versão dos fatos sofria de distúrbios mentais e fibrose cística, e dizia que por isso tinha que sustentar a família sozinho.

Mallory dizia que tanto a mãe quanto o irmão haviam morrido no mesmo ano. A "cereja no bolo" do relato vinha quando o autor revelava que ele mesmo já havia sido diagnosticado e vencido um câncer, dessa vez no cérebro, que poderia voltar a qualquer momento para destruir sua vida mais uma vez.

Amy Adams filma adaptação de "A Mulher na Janela" em Nova York - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Amy Adams filma adaptação de "A Mulher na Janela" em Nova York
Imagem: Reprodução/Twitter

O repórter do "The New Yorker", no entanto, entrou em contato com a família de Mallory, que vive em Amangasett, no estado de Nova York. Tanto sua mãe quanto seu pai e seu irmão estão vivos, e até mesmo acompanham o escritor em viagens de publicidade.

O pai de Mallory falou brevemente com a reportagem, como que para esclarecer uma má concepção sobre seu filho. "A mãe de Dan teve câncer quando ele era pequeno, esteve perto da morte [mas se recuperou]. Mas Dan nunca teve", comentou John Mallory.

Em uma declaração oficial sobre a matéria, Mallory admitiu vagamente algumas de suas mentiras, alegando que foram produtos de "severa depressão e transtorno bipolar", que foi diagnosticado apenas em 2015.

Especialistas entrevistados pelo "The New Yorker", no entanto, apontam que o distúrbio bipolar "não explica enganações organizadas, especialmente aquelas que servem motivos egoístas de ganho pessoal".

A professora Carrie Bearden, do departamento de psicologia da Universidade da Califórnia, diz que é "muito irresponsável" justificar o comportamento de Mallory com o diagnóstico de transtorno bipolar. "Isso só vai aumentar o já enorme estigma que existe sobre essa doença", critica.