"O Menino Que Queria Ser Rei" tenta atualizar a lenda do Rei Arthur (de novo)
"O Menino Que Queria Ser Rei" é a história de Rei Arthur para a geração que ama "Stranger Things". A fantasia do diretor e roteirista Joe Cornish ("Ataque ao Prédio"), que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (31), é a tentativa mais recente de modernizar a lenda britânica do bravo guerreiro que, com sua poderosa espada Excalibur e seu fiel conselheiro Merlin, salvou a Grã-Bretanha da ruína.
Desta vez, no entanto, "Arthur" se transforma em Alex (Louis Ashbourne Serkis, filho do ator Andy Serkis), um garoto normal na Inglaterra do século 21. Quando ele encontra a lendária Excalibur e consegue retirá-la da pedra onde estava cravada, ganha grandes poderes e recebe, através de Merlin (Patrick Stewart), a missão de reunir seus amigos da escola para salvar o mundo da maligna feiticeira Morgana (Rebecca Ferguson).
A abordagem é bem criativa. O trailer de "O Menino Que Queria Ser Rei" mostra que o filme de Cornish está mais do que disposto a tirar sarro de elementos da lenda do Rei Arthur que foram repetidos à exaustão nas últimas décadas de cinema, TV, teatro e literatura -- no final da prévia, por exemplo, a sinistra Dama do Lago vira alívio cômico ao aparecer em uma banheira com a Excalibur nas mãos.
Com seu grupo de pré-adolescentes envolvidos em uma aventura que pode salvar ou destruir o mundo, "O Menino Que Queria Ser Rei" pega carona no sucesso de "Stranger Things", "It: A Coisa" e outros fenômenos pop similares de anos recentes para tentar emplacar nas bilheterias. Vale lembrar, no entanto, que Hollywood tem uma longa história de êxitos e fracassos inspirados na lenda do Rei Arthur.
Os acertos
"Excalibur", lançado em 1981 e dirigido por John Boorman, é considerado por muitos o filme definitivo sobre Rei Arthur. Com atores como Helen Mirren (que encarna Morgana), Liam Neeson e o próprio Patrick Stewart, o filme traz a versão clássica da lenda do monarca, em grande parte retirada da obra "A Morte de Arthur", de Sir Thomas Malory, que data do século 15.
Sucesso de crítica e bilheteria, indicado ao Oscar de melhor fotografia, "Excalibur" trouxe a visão suntuosa, épica, à qual a história sempre se prestou. Sua construção não buscava seguir tendências da época, apostando ao invés disso na fascinação única exercida pelas lendas de Rei Arthur.
Ousado e ambicioso, o filme também veio após uma série de sucessos inspirados pela lenda de Arthur, incluindo versões em desenho animado e musical. "A Espada Era a Lei", lançado em 1963, contava a história sob as lentes únicas da Disney, transformando o protagonista em um garoto pobre que tinha como mentor um atrapalhado Merlin.
Ao contrário de outras versões da lenda, "A Espada Era a Lei" terminava com a descoberta da Excalibur e a coroação de Arthur. Enquanto isso, o musical "Camelot", inspirado no sucesso da Broadway de mesmo nome, saiu em 1967 trazendo um Arthur mais velho (Richard Harris, que mais tarde seria Dumbledore em "Harry Potter"), já casado com Guinevere (Vanessa Redgrave). O filme traçava também a decadência dos Cavaleiros da Távola Redonda.
Os erros
Em 1995, a lenda de Arthur já dava sinais de cansaço com o lançamento do meloso "Lancelot, o Primeiro Cavaleiro", que trazia Richard Gere e Sean Connery brigando pelo amor de Guinevere (Julia Ormond). Pouco apreciado pela crítica, o filme fez menos dinheiro do que se esperava e marcou o fim da história de amor de Hollywood com o lendário monarca britânico em sua versão clássica.
Na virada do século, no entanto, dois fenômenos reascenderiam o interesse por Rei Arthur: "Gladiador" trouxe o épico de capa e espada de volta à voga, enquanto "O Senhor dos Anéis" transformou o realismo fantástico na tendência do momento. De olho nisso, Hollywood chamou Antoine Fuqua ("Dia de Treinamento") para dirigir uma versão mais "suja e realista" da lenda britânica.
O resultado, "Rei Arthur" (2004), imaginava o monarca como um oficial da cavalaria romana, vivido por Clive Owen. O filme, que trazia histórias de origem diferentes para quase todos os elementos da lenda, incluindo a espada Excalibur, clamava ser "mais historicamente correto, baseado em novas descobertas arqueológicas". A aposta não compensou: pouca gente viu "Rei Arthur" na época do seu lançamento, e pouca gente se lembra dele hoje em dia.
Nos anos após "Rei Arthur", a Warner considerou diversas formas de reutilizar a lenda britânica em um novo filme. Bryan Singer ("Bohemian Rhapsody") quase dirigiu um remake de "Excalibur", enquanto Kit Harington ("Game of Thrones") e Joel Kinnaman ("Robocop") quase viveram Arthur e Lancelot em um filme focado na relação dos dois.
Este ciclo de projetos cancelados culminou em "Rei Arthur: A Lenda da Espada", dirigido por Guy Ritchie ("Sherlock Holmes") e estrelado por Charlie Hunnam ("Sons of Anarchy"). Em tempos de "Game of Thrones", Ritchie e cia tentaram uma versão épica e brutal da lenda original -- dessa vez, Arthur tinha que derrotar o próprio tio (Jude Law), um tirano com poderes demoníacos, para clamar o trono que era seu por direito.
O fracasso foi ainda pior que o do filme de 2004. "A Lenda da Espada" arrecadou menos de US$ 150 milhões ao redor do mundo, causando prejuízo similar aos cofres da Warner, que planejava o longa de Ritchie como o pontapé inicial de uma franquia de seis capítulos -- que, é claro, foi engavetada.
Vale notar que "O Menino Que Queria Ser Rei" é bancado por outro estúdio, a Fox, e tem orçamento três vezes menor que "A Lenda da Espada". A aposta, aqui, é menos arriscada -- e, a julgar pelas críticas positivas que o filme tem recebido, pode funcionar.
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