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Morte em "The Walking Dead" reacende debate sobre tratamento de LGBTs na TV

Cena do oitavo episódio da nona temporada de "The Walking Dead" - Divulgação
Cena do oitavo episódio da nona temporada de "The Walking Dead"
Imagem: Divulgação

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

27/11/2018 04h00

ATENÇÃO: SPOILER DE "THE WALKING DEAD" A SEGUIR

"The Walking Dead" exibiu seu último episódio do ano no domingo (25), deixando, como de costume, os fãs atordoados e enfurecidos com a morte de mais um personagem importante. Desta vez, a vítima foi Jesus (Tom Payne), um favorito dos quadrinhos que, segundo o próprio ator, nunca conseguiu brilhar igualmente na TV.

Tom Payne como Jesus em "The Walking Dead" - Divulgação - Divulgação
Tom Payne como Jesus em "The Walking Dead"
Imagem: Divulgação

Em entrevista ao "The Hollywood Reporter", Payne confessou que estava insatisfeito com a atuação de Jesus nas últimas temporadas. "Ele foi introduzido de uma forma muito legal, mas depois não teve muito o que fazer", comentou.

As reclamações não pararam por aí. Payne disse que considerou a morte "injusta" com os fãs, porque o personagem estava começando a construir um relacionamento com Aaron (Ross Marquand). Jesus revelou ser homossexual na sétima temporada.

A morte neste momento crucial do desenvolvimento do personagem reacendeu um debate acalorado na TV norte-americana. Isso porque alguns fãs sentem que personagens LGBTQ+ morrem, em vários títulos populares da televisão, sem terem suas histórias propriamente contadas.

Alycia Debnam-Carey como Lexa em "The 100" - Divulgação - Divulgação
Alycia Debnam-Carey como Lexa em "The 100"
Imagem: Divulgação

Dando nome aos bois

A prática de matar personagens LGBTQ+ para efeito dramático tem nome: "bury your gays", ou "enterre seus gays", em tradução literal. O padrão foi identificado por fãs e estudiosos da ficção há mais tempo, mas o estopim para a atual discussão sobre o assunto foi a morte de Lexa (Alycia Debnam-Carey) em "The 100".

Em "Thirteen", episódio da terceira temporada exibido em 2016, "The 100" matou a poderosa guerreira Lexa acidentalmente, com uma bala que era destinada a Clarke (Eliza Taylor). As duas haviam recentemente consumado o seu relacionamento.

Na temporada 2015-2016, além de Lexa, outras 33 personagens lésbicas foram mortas em séries de TV, seja em "The Walking Dead" (Denise) ou "Empire" (o casal Mimi Rose/Camilla). A organização ativista GLAAD, enquanto isso, contou um total de 75 personagens lésbicas nas produções desta mesma temporada, resultando em uma taxa de mortalidade de mais de 40%.

Embora os dados sejam mais escassos, tudo leva a crer que o padrão se repita com personagens LGBTQ+ masculinos. Só "The Walking Dead" matou dois homens gays nas últimas duas temporadas: Jesus e Eric (Jordan Woods-Robinson).

Dominique Provost-Chalkley como Waverly em "Wynonna Earp" - Divulgação - Divulgação
Dominique Provost-Chalkley como Waverly em "Wynonna Earp"
Imagem: Divulgação

O xis da questão

A efetividade das estatísticas para argumentar esta questão é limitada, no entanto. Como muitas vozes do movimento LGBTQ+ tem apontado desde que a discussão esquentou, o problema não é o número de personagens mortos, e sim a forma como suas histórias (e suas mortes) foram contadas.

O uso de personagens LGBTQ+ como dispositivos de trama, e de suas mortes como forma de motivar ou desmotivar outros personagens, indica para muitos que roteiristas querem a propaganda positiva que vêm da diversidade sem se importar em contar as histórias, ou assumir as responsabilidades, que estão atreladas a ela.

A revolta em torno de Lexa trouxe nova consciência para a questão. "The 100" nunca se recuperou do baque, e desde então perdeu quase um terço de sua audiência -- o episódio da morte de Lexa foi visto por 1.4 milhões de espectadores, enquanto o mais recente da série ("Damocles - Part Two", 5×13) atraiu apenas 900 mil.

Séries da própria emissora CW, como "Supergirl" e "Arrow", tem buscado contar as histórias de personagens LGBTQ+ sem cair no clichê do "bury your gays". Já a showrunner Emily Andras, de "Wynonna Earp", foi a primeira a prometer, com todas as palavras, não matar os seus personagens LGBTQ+.

Merritt Wever como Denise (à direita) ao lado de Tara (Alanna Masterson) em "The Walking Dead" - Divulgação - Divulgação
Merritt Wever como Denise (à direita) ao lado de Tara (Alanna Masterson) em "The Walking Dead"
Imagem: Divulgação

O problema dos zumbis

Para ser justo com "The Walking Dead", talvez a morte de Jesus seja sintoma de um problema mais específico da série. Desde o início, a estratégia dos roteiristas de "The Walking Dead" para prender o público parece ser demonstrar, periodicamente, que ninguém está seguro neste mundo pós-apocalíptico.

Mortes de personagens importantes são, portanto, usadas para manter a série na ponta da língua dos fãs e no centro dos holofotes da mídia. Como resultado, uma grande quantidade destas mortes parece inconsequente, ou acontece sem justificação narrativa.

Não são só Jesus e Denise que morreram sem concluir seus arcos dramáticos. O mesmo pode facilmente ser dito de Glenn, Abraham e Sasha, por exemplo. E embora estas decisões possam ser justificadas à guisa de realismo (o mundo de "The Walking Dead" é especialmente perigoso, afinal), a frustração que elas provocam é compreensível.

LGBTQ+ ou não, fãs acompanham séries para ver as histórias dos personagens se desenrolarem, ganharem significado e complexidade. Interrompê-las com uma morte que pouco se justifica na jornada emocional destes personagens é um tiro no pé.