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O punk rock está caminhando para a direita? Público de festival responde

Garotos Podres no Oxigênio Festival - Felipe Gabriel/UOL
Garotos Podres no Oxigênio Festival
Imagem: Felipe Gabriel/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL

09/09/2018 13h04

A radicalização política do Brasil está bagunçando até mesmo a identidade de grupos quase sempre associados a um determinado viés ideológico? Pensar que uma ideia é obviamente de direita, ou de esquerda, já não é assim tão óbvio.

Reportagem publicada recentemente pela Folha de S.Paulo revelou que um dos motivos das brigas internas do Garotos Podres, tradicional grupo de punk rock paulista, foi a adesão de alguns de seus antigos integrantes a ideais direitistas. O vocalista José Rodrigues Mao Júnior perdeu a paciência com o baixista Sukata, apoiador de Jair Bolsonaro e defensor dos "valores da família". Mao chegou a afirmar que prefere morrer a permitir que a banda "se associe a um pensamento fascista."

Pois o Garotos Podres subiu aos palcos neste sábado (08) no Oxigênio Festival, em São Paulo. Com Mao e a nova formação sem os desafetos. Estaria o sempre contestador mundo do punk, e do hardcore, realmente sofrendo a infiltração de visões conservadoras, ou se tratou apenas de um episódio isolado? O UOL esteve no festival para deixar seus frequentadores responderem. 

"Isto está acontecendo sim, não foi só no Garotos Podres", acredita André Felipe, 28 anos, de São Paulo. "O rock n'roll está mais "coxinha". Sempre nos identificamos com a esquerda porque punk é contestação, mas acho que tem gente que simplesmente entende errado a mensagem."

A percepção é parcialmente compartilhada por alguém que conhece bastante o meio (apesar de deixar claro que não se considera punk): Ronaldo Lopes, vocalista e guitarrista da banda Os Excluídos. Ele não tem muita dúvida de que a maioria esmagadora dos que se identificam com o movimento ainda é de esquerda. Mas, discorrendo longamente sobre a história do punk rock, concorda que muitas de suas ideias dão margem a interpretações dúbias que, no "funil que é o Brasil", acabam cooptadas por gente de outro viés político. 

"O Garotos Podres, por exemplo, nunca foi uma banda skinhead de direita. Mas, quem frequenta seus shows, sabe que desde cedo a banda atraía também esse tipo de público", diz Lopes. Para ele, é o tal "funil" brasileiro o maior responsável por isso: em um país onde pouca gente tem acesso à instrução, uma canção que deveria ser contestadora acaba usada por grupos que nada têm a ver com o que a música realmente deseja transmitir. 

"É o caso do Carecas, por exemplo. Jovens pobres da periferia que, ao invés de contestarem o sistema pela esquerda, adotaram discursos que na verdade eram fascistas", explica Lopes. 

Os Carecas foram uma gangue da Grande São Paulo temida principalmente nos anos 80. Como disse o vocalista, era formada principalmente por jovens de famílias proletárias. Tinha nordestinos e negros em suas fileiras e interação com outros grupos ligados ao rock era geralmente mediado por violência, discordâncias estéticas ou políticas. 

Na prática, eram excluídos de um país de terceiro mundo praticando a xenofobia. Um fenômeno que, como pontuou Lopes, talvez só mesmo o Brasil seja capaz de produzir. "Gente de direita que vem a um evento como este não entende onde está", diz Natalia Tozzi, 28 anos, de São Paulo. Acompanhada da amiga Gisele Rosa, ela também acredita que o mundo punk é majoritariamente de esquerda, mas admite que tem colegas que vieram com "ideias estranhas."

"Acho que o pessoal de direita acaba vindo simplesmente porque gosta do rolê, o tipo de som os atrai. Principalmente homens, que veem no punk essa coisa viril e, por uma questão cultural, de machismo mesmo, querem frequentar esses rolês mesmo que as mensagens das músicas nada tenham a ver com ele", argumenta Natalia. 

Ana Funaro, 25 anos, veio com um grupo de amigos de Cornélio Procópio, no norte do Paraná, só para o festival. Ela se espanta só com menção de uma suposta presença de direitistas no evento. "Espero que não tenha. Se tiver, está escondido. Fui a um festival em Curitiba onde um cara se mostrou explicitamente fascista e acabou expulso", ela conta. 

Avesso a falar sobre o assunto em um primeiro momento, Iago Hamara, também de São Paulo, dá a entender que hoje não se identifica com nenhum candidato. Ele elogia bastante o festival, saúda seus preços acessíveis, faz digressões sobre o histórico dos shows de punk em São Paulo. E logo está falando de política. 

"O Bolsa Família, por exemplo. É legal, mas acaba tirando a motivação das pessoas. Elas se acomodam e não vão atrás dos seus sonhos. Esse é o problema do brasileiro", diz Hamara. "As pessoas dão opinião com base no que veem por aí. No que a televisão diz. Por exemplo, eu sou contra violência policial, mas nem todo policial é bandido. Eu, por exemplo, já sofri enquadro. E aceitei, disse para eles (policiais) que estavam certos."

Além de Garotos Podres e Os Excluídos, o Oxigênio Festival teve atrações como Fresno, Dead Fish e Far From Alaska. Neste domingo (09) se apresentam CPM22, Garage Fuzz, Pense, All The Hats, Chuva Negra, Supla, Inocentes, Skamoondongos, Flicts, Deb And The Mentals, Bayside Kings, Corona Kings, Brvnks e Rebotte.

"Eu vou é botar 666 na urna, para eleger aquele que vai instaurar logo o caos", diz ao UOL, resumindo sua posição política, outro frequentador do festival.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado na primeira versão do texto, as bandas Dossiê, Envydust, Granada e Atrial não tocaram no festival.