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"Não tinha coragem de chamar mulher de agressora", diz poeta best-seller

A poeta Ryane Leão, autora do livro "Tudo Nela Brilha e Queima" participa de debate na 25ª Bienal do Livro de São Paulo - Iwi Onodera/UOL
A poeta Ryane Leão, autora do livro "Tudo Nela Brilha e Queima" participa de debate na 25ª Bienal do Livro de São Paulo Imagem: Iwi Onodera/UOL

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

10/08/2018 04h00

Preta, professora, poeta, lésbica e, acima de tudo, mulher. Cuiabana radicada em São Paulo, Ryane Leão, 29, ganhou recentemente mais um adjetivo que ela ainda estranha ao ouvir: best-seller.

Com o livro "Tudo Nela Brilha e Queima", que saiu em outubro do ano passado pela editora Planeta, ela conquistou uma legião de leitores com seus poemas fortes que já faziam barulho na internet há pelo menos dez anos.

Só no Instagram (@ondejazzmeucoracao), onde posta versos e trechos do seu primeiro livro, a poeta acumula mais de 220 mil seguidores. Ela também conta que ainda acessa seus antigos blogs, de onde recupera velhos poemas e inspiração para os novos.

O UOL acompanhou um bate-papo com a autora durante a 25ª Bienal do Livro de São Paulo seguido de uma entrevista para entender melhor o que brilha e queima em Ryane Leão.

Rupi Kaur brasileira

Ryane Leão capa - iwi Onodera/UOL - iwi Onodera/UOL
Ryane Leão, autora de "Tudo Nela Brilha e Queima"
Imagem: iwi Onodera/UOL

O trabalho que tem base em poemas curtos e marcantes levou a brasileira a ser comparada com outra poeta sensação entre o público feminino: a indiana radicada no Canadá Rupi Kaur, autora de "Outros Jeitos de Usar a Boca", que conquistou o 1º lugar na lista de mais vendidos do New York Times. 

Rupi Kaur também aparece entre as mais vendidas do Brasil, segundo ranking da Publishnews. Além da comparação e dos números expressivos, Ryane Leão também compartilha a mesma editora da indiana no Brasil e viu os livros expostos lado a lado no estande da Planeta na Bienal.

"São as temáticas que eu trago que acabam deixando o meu trabalho parecido com a da Rupi. Falo de relação abusiva, machismo, racismo, falo sobre como é ser mulher, como é acordar todos os dias, como resgatar nossa força. Como cair e levantar. Como expor a dor e mudar essa dor", explica a poeta.

Relacionamentos abusivos

"sobre relações abusivas

sobreviver é mais importante
que permanecer"

Vítima de dois relacionamentos abusivos, Ryane Leão tem vários poemas sobre o tema. "Eu passei por muita coisa ruim, mas também já passei por coisas boas. O livro é uma soma. Desde os relacionamentos abusivos até depressão e tentativa de suicídio. Eu não ligo de falar sobre essas coisas, porque é necessário. Isso faz a poesia emanar mais. A gente não lê coisas sobre isso porque evitamos falar disso. São justamente os que não deveriam ser evitados", ressalta.

O que chama atenção é que, por ser lésbica, a poeta sofreu na mão de mulheres. "Achamos que o encontro de duas mulheres é a perfeição, o feminismo puro. Não é assim que funciona. Qualquer pessoa que está em um mundo machista está sujeita a reproduzir isso. Dentro dos relacionamentos em que estive, as mulheres reproduziram machismo e racismo. Acabei ficando muito tempo nessas relações justamente porque eu não acreditava que existiam relacionamentos abusivos entre duas mulheres", admite.

"Eu sabia que me fazia mal, mas não identificava o por quê. Eu fugia disso. Não tinha a coragem de chamar uma mulher de agressora, não tinha a coragem de denunciar uma mulher. Mas se é uma pessoa que está fazendo mal a outra, ela precisa ser denunciada. É essencial que a gente fale sobre isso. Os relacionamentos abusivos que eu tive foram com mulheres."

Público 90% feminino

"cada vez que encontro outras mulheres
para partilhar histórias
nos tornamos terra fértil."

Tudo Nela Brilha e Queima - Divulgação - Divulgação
Capa de "Tudo Nela Brilha e Queima"
Imagem: Divulgação

A identificação das mulheres com os versos escritos por Ryane Leão fez com que ela conquistasse um público 90% feminino e 10% masculino. "O Instagram que me disse", brinca a autora, que acha importante também ser lida por homens.

"Recebo mensagens de mulheres todos os dias falando que terminaram relações abusivas, ou que levantaram da cama depois de um mês de depressão, todo tipo de história. Algumas se parecem com a minha. Embora com os seus recortes, estamos em um ciclo muito parecido de histórias. Sou uma mulher negra e lésbica, mas a mulher que fala comigo pode ser branca e hétero. A gente se identifica também. A poesia cria esse ciclo de empatia e identificação. Tenho leitoras diversas."

Reconhecimento

"o que busquei
e não encontrei

me tornei"

"Eu não chego e falo ‘sou uma escritora best- seller’ porque acho isso estranho. Mas eu sou uma escritora best- seller. Isso é bizarro. Quando eu mudei para São Paulo, com 19 anos, minha mãe vendeu o carro para eu vir. Minha vida é uma sucessão de perrengues, mas eu nunca estive tão bem quanto agora", diz Ryane Leão sobre o sucesso.

"É uma sensação de estabilidade. As pessoas estão mesmo interessadas no meu trabalho, fecho parcerias com grandes marcas. E não só isso. Fechar parcerias com o que faz sentido, com a minha poesia, sem precisar tirar a minha verdade dali. Quem me procura agora quer saber a minha verdade, e não que eu me ajeite à verdade delas."

Além de escrever, Ryane Leão tem uma escola de inglês, a Odara, onde ensina o idioma para mulheres negras. Ela, que estuda Letras na Unifesp, também comanda oficinas de escrita para mulheres e participa de slams, competições de poesia oral onde conheceu muitas de suas inspirações. Mel Duarte, Luz Ribeiro e Elizandra Souza são suas parceiras e referências.

"A poesia é a nossa chance de finalmente dar voz ou encontrar a sua voz. E também contar história de pessoas que talvez ainda não encontraram as suas vozes."

Ryane Leão livro - Iwi Onodera/UOL - Iwi Onodera/UOL
Ryane Leão exibe seu livro "Tudo Nela Brilha e Queima"
Imagem: Iwi Onodera/UOL