Topo

"Só pode ser amor", diz diretor de filme sobre boxeadores após briga na TV

Felipe Andreoli ficou no meio da treta entre Holyfield e Todo Duro, durante entrevista - Reprodução/Globo
Felipe Andreoli ficou no meio da treta entre Holyfield e Todo Duro, durante entrevista Imagem: Reprodução/Globo

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

13/03/2018 04h00

O baiano Reginaldo ‘Holyfield’ Andrade e o pernambucano Luciano ‘Todo Duro’ Torres têm uma rivalidade no boxe que dura mais de duas décadas, com sete lutas oficiais e um sem número de vezes em que saíram na mão fora do ringue. A última briga televisionada foi no “Esporte Espetacular”, assustando o apresentador Felipe Andreoli. Nesta quinta-feira, estreia nos cinemas “A Luta do Século”, documentário que repassa tudo o que a dupla viveu. O diretor, Sérgio Machado, brinca que, por trás de tanta raiva, “só pode existir uma história de amor”.

Holyfield e Todo Duro estavam em paz há algum tempo, inclusive durante a filmagem do documentário, que registrou a última luta entre eles, em dezembro de 2015 -- Todo Duro venceu por pontos, fazendo 4 a 3 no duelo. Mas bastou iniciarem os eventos promocionais de “A Luta do Século” para a coisa desandar. Eles brigaram no "Esporte Espetacular" e em uma gravação que fizeram com o também pugilista Acelino Freitas, o Popó.

O clima foi um pouco mais ameno na exibição oficial para a imprensa em São Paulo, no dia 6 de março, que teve um segurança treinado em boxe para entrar em ação caso eles se trombassem de novo. “Eu fiz eles prometerem que não iam brigar durante as gravações do filme. E deu certo... Até ontem. Um descuido, e eles passaram vexame”, disse Machado.

Todo Duro é o provocador. O pernambucano, um ex-jardineiro folclórico que chegou a conviver com 4 mulheres ao mesmo tempo, antes de a sua parceira oficial morrer, fala baixinho que “essa briga aí é por causa de uma ‘gaia’. Eu peguei a mulher dele. Faz tempo... E vou pegar outra mulher dele”, provoca.

Holyfield admite que tem pavio curto. “Lutador é um cara perigoso. Eu não ando brigando, mas ele é um cara moleque. Ele vem falar que pegou minha mulher e acaba mexendo com o brio do homem. Chamar homem de corno não dá, rapaz. Ele é demais, é abusado, e quando eu fico como bobo, eu dou murro.”

A primeira luta entre eles data de 1991. Questionado se depois de tanto tempo não existe um afeto entre eles, Todo Duro até diz que sim. “Eu gosto dele, mas não confio. Esse negócio de me pegar e querer dar porrada é amor de homem recolhido”. Mas as brigas são teatro? “Nada, não é teatro. Uma vez perdi oito dentes de uma vez só uma vez por um soco dele. O pessoal (da TV) agita, isso é verdade. O pessoal sabe que ele é doido.”

Traficante marcou combate

Um dos destaques do documentário é a cena em que Holyfield decide convidar Todo Duro para a derradeira luta entre eles. Originalmente, o filme seria baseado apenas na história deles: como um pernambucano e um baiano negros, analfabetos e pobres foram quase ao topo do boxe e depois retornaram para a vidas muito modestas. Foi então que Holyfield pediu para ir encontrar Raimundão Ravengar, após ele sair da prisão por tráfico de drogas. Foi de Ravengar a ideia de combinar o combate, alterando o roteiro inicialmente pensado para “A Luta do Século”.

O diretor, Sergio Machado, cita Ravengar para falar o que acha da relação entre os pugilistas. “O Raimundão ficou na cadeia e estudou filosofia. E ele me falou assim: ‘segundo Nietzche, uma história com tanto ódio e por tanto tempo só pode ser uma história de amor’”, relatou Machado, que é baiano e esteve na luta mais acalorada entre Holyfield e Todo Duro, quando uma chuva de cadeiras caiu sobre o ringue e forçou Todo Duro a sair fugido do ginásio em Salvador.

“O Todo Duro pirraça até o outro descontrolar. E o Holyfield não tem nenhum senso de humor, leva muito a sério. Junta os dois, dá nisso”, resume o diretor.

O documentário tem como trunfo um grande arquivo envolvendo todas as lutas entre eles, com vídeos, fotos e recortes de jornal. Boa parte do filme se desenvolve contando essa história -- o que também é um defeito, já que se estende demais no passado, antes de mostrar os lutadores no presente. Fica claro como a disputa entre eles virou o único atrativo de suas carreiras.

“Eles passaram, em determinado momento, a depender um do outro”, diz Sergio. As lutas entre eles viraram a oportunidade para ganharem algum dinheiro e voltarem aos holofotes. O filme, que ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio de Janeiro de 2016, mas chega ao circuito comercial só agora, representa a mesma coisa.

“O filme é um retrato do Brasil: por mais talento que você tenha, é difícil romper a barreira social. É como se fosse um imã. A estrutura é tão perversa, que parece que te puxa para de volta para de onde você saiu”, opina Sergio Machado. “Quando eu os encontrei, eles estavam muito diferentes do que estavam hoje. Voltar ao holofote deu uma transformação, até física, pra eles.”

Que atores eles escolheriam?

Todo Duro e Holyfield discordam de muita coisa, mas tem um assunto que eles concordam: se fosse um filme de ficção, eles gostariam de ver os mesmos atores na telona. A dupla cita Wagner Moura para viver Todo Duro e Lázaro Ramos para o papel de Holyfield.

Reginaldo Holyfield e Luciano Todo Duro em ação na sétima luta entre eles - Divulgação - Divulgação
Reginaldo Holyfield e Luciano Todo Duro em ação na sétima luta entre eles
Imagem: Divulgação

“O Wagner Moura é muito entendido, e o Lázaro é pipoco, o negão é arretado”, elogia o pernambucano. Holyfield complementa: “Eles são tão respeitados e conhecidos, ficaria legal, ia bombar.”

A dupla ainda divide da mesma alegria de se ver nas telas. “Se ver no cinema, rapaz, é um privilégio. A melhor maneira de você se realizar é ter esse privilégio de se ver numa tela de cinema”, diz Holyfield, empolgado, apesar de guardar sequelas de seus tempos nos ringues -- hoje ele tem dificuldades para articular a fala. Todo Duro gostou, mas quer mais. Ele já havia sido retratado em um documentário anteriormente, e quer uma trilogia. “Eu gostei. Falta muita coisa ainda. Falta o terceiro. Ué, o Rocky não teve 1, 2, 3...?”.

A próxima rivalidade, dizem eles, é pra ver quem põe mais gente nas salas de cinema: Pernambuco ou Bahia?

Em tempo, a cabine do documentário e as entrevistas em São Paulo acabaram sem incidentes. Nenhum lutador ou repórter foram machucados em serviço.