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"Em momentos informais Dilma é engraçada", diz diretora de documentário

Dilma Rousseff em cena de "O Processo" - Divulgaçlão
Dilma Rousseff em cena de "O Processo" Imagem: Divulgaçlão

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Berlim

22/02/2018 18h33

Menos de 24 horas após a estreia no Festival de Berlim de “O Processo”, documentário que questiona a legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff, a cineasta Maria Augusta Ramos já começou a maratona de entrevistas em que terá de detalhar suas intenções com o polêmico filme.

Na sessão inaugural, na noite de quarta-feira (21), o público (majoritariamente brasileiro e provavelmente de esquerda) aplaudiu fortemente o longa, aos gritos de “Fora Temer!” e “Volta, Dilma!”. Mas a diretora sabe que outros públicos, a partir de agora, talvez não o recebam de maneira tão positiva.

“Apesar de ser um filme político – afinal, todo filme é – o que eu faço é cinema. E a minha declaração [política] é o meu filme: é ele que traz a minha visão. Passei dois anos tentando retratar, de uma maneira complexa, um processo de impeachment que foi extremamente complicado, e sempre doloroso de rever”, diz a diretora ao UOL sobre o filme, que tem previsão de estrear no Brasil em junho.

Embora ela evite se dizer diretamente contrária ao impeachment de Dilma, seu filme, que não foi financiado por dinheiro público, nunca esconde o interesse em desconstruir a narrativa de que a ex-presidenta foi afastada por razões legais; em “O Processo”, entende-se que o julgamento foi sobretudo motivado por interesses políticos.

O filme agradou em Berlim, mas e Dilma Rousseff: já teria assistido ao filme? Maria Augusta revela que sim, mas não entrega qual foi a reação da petista. “Ah: tem que perguntar para ela!”, diz, com um riso tranquilo no rosto, que poderia ser interpretado como uma confirmação positiva.

“Ao fazer o filme, eu tive bem menos acesso à Dilma do que tive aos senadores [que aparecem no filme] e à defesa dela. Tive momentos em que filmei Dilma no Alvorada, ela recebendo pessoas, mas nunca ficamos muito próximas. Meu filme realmente é focado no processo”, diz a cineasta.

“Durante a filmagem, eu tive uma relação [com Dilma] muito mais formal do que nós duas temos hoje em dia. Não é que eu tenha ficado ‘amiga’ dela, mas nós já nos encontramos depois em situações mais informais”, revela Maria Augusta. “A visão que eu tinha dela antes de filmar era muito baseada do que eu via da mídia: a de uma pessoa dura, fria, mas não foi isso que encontrei [ao vivo]. Eu me surpreendi muito com a inteligência dela. E é uma mulher extremamente culta. E em instantes mais informais, ela tem momentos em que é engraçada, em que ela vira um ser humano.”

Mas mais do que Dilma, “O Processo” tem como “personagens principais” o advogado de defesa José Eduardo Cardozo e a senadora (e amiga da ex-presidenta) Gleisi Hoffmann. Como uma espécie de “antagonista”, surge a advogada da acusação, Janaína Paschoal.

Os momentos em que ela aparece dão um aspecto humorístico ao documentário: vemos Janaína se exaltar em seus discursos, fazer caretas e levantar a Constituição com os olhos marejados de lágrimas. Mais adiante, como uma criança, aparece tomando gulosamente um Toddynho (foi um dos momentos em que a sala mais riu na sessão de estreia). Mas Maria Augusta diz que em nenhum momento pretendeu diminuí-la.

“Eu acho que tratei a Janaína com muito respeito, como trato todos os outros personagens. A Janaína aparece em outras situações que eu consideraria sensacionalista de mostrar e não usaria [no filme] de jeito nenhum”, diz a diretora, referindo-se principalmente a vídeos que viraram memes  na internet – como um em que a advogada gira afoitamente a bandeira do Brasil, em um discurso inflamado na USP, em 2016.

“[No filme] Janaína aparece sempre dentro do contexto do impeachment, da Comissão [Especial do impeachment, no Senado], a gente se mantém ali. Quando ela fala, aquilo é o argumento dela – eu também não vou ficar escondendo essas falas, que são importantes. E também não usei falas irrelevantes para incluir no filme: [o que está ali] é a base da argumentação dela”, diz a diretora.

Janaína ainda não assistiu ao filme. O respeito que a diretora mostra pela figura da advogada existe, entre outras razões, porque ela foi uma das poucas do lado pró-impeachment a cooperar com o documentário e se deixar filmar nos bastidores.

“É fato que tive muito mais acesso aos bastidores da esquerda”, diz Maria Augusta. “Vários dos senadores da direita ou a favor do impeachment, como Cristovam Buarque [que acabou ficando de fora do filme], conversaram comigo e entenderam que era um documentário perfeitamente independente. Mas outros não... Uma coisa é você concordar em ser filmado, mas outra é concordar em ser filmado nos bastidores. Se eu tivesse tido acesso [a ambos os lados], teria feito algo que também me interessava, que é ver os bastidores da direita e dos advogados da acusação. Eu espero que algum dia surja um filme de alguém que tenha acesso a esse outro lado”, diz a diretora.

Apesar de trazer uma visão específica sobre o impeachment e a política nacional, Maria Augusta acha que a polarização não é benéfica. “A ideia é documentar essa história para podermos repensar, reconsiderar dos dois lados, repensando os preconceitos de cada um. Para que a gente possa desfazer esse muro e avançar”, diz.