Filme sobre impeachment é recebido em Berlim com gritos de "Volta, Dilma"
“Fora Temer!” “Volta Dilma!” “Golpistas, fascistas: não passarão”. Foi ao som desses gritos que foi recebido ao fim da sua primeira sessão oficial o longa “O Processo”, documentário sobre a cadeia de fatos e acontecimentos políticos que culminam com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2016. O filme foi exibido no início da noite desta quarta (21), no Festival de Berlim, integrando a mostra paralela Panorama. Recebeu fortes aplausos do público presente.
A cineasta Maria Augusta Ramos (de “Justiça”) acompanhou por meses a movimentação em Brasília. O filme começa com trechos da histórica (e algo patética) votação na Câmara dos Deputados iniciada e presidida por Eduardo Cunha, quando o processo de impeachment ganhou prosseguimento. A partir daí, mostra diversas cenas da acusação e da defesa no processo, sobretudo na Comissão Especial no Senado, entre abril e agosto de 2016. Após o impeachment e o discurso derradeiro de Dilma, o filme termina com uma imagem de carga simbólica: uma fumaça densa e preta sobe ao céu de Brasília, gerada pelos confrontos entre forças policiais e manifestantes contra Michel Temer, já depois de o atual presidente assumir o comando.
Após a exibição, houve bate-papo com a cineasta. A mediadora logo questionou: “Vamos, então, falar sobre a questão da feitura do filme?”. “Por favor!”, respondeu Maria Augusta Ramos, meio que aliviada por poder evitar entrar no lado político.
Mas nem precisa: fica claro desde o início que o documentário tem, sim, um lado. A ideia é desconstruir a narrativa da legitimidade da deposição de Dilma Rousseff. Mas Maria Augusta Ramos não recorre a nada que não tenha sido dito em plenário ou nas Comissões; na verdade, ela apresenta sua desconstrução levando ao público basicamente informações que já haviam sido disponibilizadas a ele, mas que, muitas vezes não ganhavam destaque.
A verdade é que, em vários momentos, a diretora consegue, sem muita dificuldade, chamar a atenção do público para os interesses políticos implicados no processo: o próprio comportamento de certos políticos já se encarrega disso. Não e muito difícil entender o ponto da diretora quando ela, por exemplo, contrapõe as justificativas pró e contra o impeachment, mostrando de um lado deputados que votaram “pela família e por Deus”, e outros que se justificavam em plenários com questões de natureza social.
“Filmamos 450 horas de material, nunca tinha trabalhado com tanto material. Não sabíamos na época como tudo ia terminar, então tínhamos que filmar tudo. A montagem foi difícil, mas escolhi um certo número de personagens e os privilegiei”, diz, referindo-se sobretudo a José Eduardo Cardozo, advogado de defesa da ex-presidenta, a senadora Gleisi Hoffmann, e, do lado dos acusadores, sobretudo a advogada Janaína Paschoal.
“Pensava que iria a Brasília filmar rápido, só duas semanas, mas isso não aconteceu: o processo de impeachment foi aprovado e seguiu adiante. Eu não acreditava que aconteceria, mas aconteceu. Acabei tendo que ficar muito mais tempo”, disse a cineasta.
O filme mostra algumas imagens de bastidores, quase sempre do lado dos então governistas. “Primeiro tentei falar ouvir o ponto de vista dos pró-impeachment, mas não foi possível. Mas tentei inserir a visão deles, escutar suas razões, de forma a depois poder desconstruir essa narrativa, já que era aquela a que constantemente era alardeada pela mídia. Foi preciso ouvi-los [os favoráveis ao impeachment]”.
No longa, Dilma surge poucas vezes. Bem mais cenas possuem Gleisi Hoffmann, e seu trabalho por mostrar porque um impeachment seria um “golpe”, e Janaína Paschoal. Esta última, sempre que aparecia em cena, gerava gargalhadas da plateia, com seus discursos inflamados (e um certo abuso das caretas).
“Não ‘sensacionalizo’ ninguém”, disse a diretora. “Trato todos os personagens em meus filmes com o mesmo respeito, e fiz assim com Janaína também, mesmo que não concordasse completamente com ela. Ela teve papel importante e temos que ouvir o que ela tinha a dizer”, disse Ramos.
A cineasta explicou a razão de escolher os meandros do processo como foco de seu documentário. “Vários outros filmes estão sendo feitos sobre o mesmo assunto, mas com diferentes pontos de vista. O meu eu optei por colocar o foco mais no processo, e não na Dilma em si.”
Ela diz não saber como o longa vai ser recebido no Brasil. “Não tenho ideia. Espero que assistam ao filme e reflitam. E depois reflitam de novo e reconsiderem suas posições. Espero que possamos ser um país menos dividido, menos ‘fla – flu’. Tenho a minha visão, mas o filme tem que ser mais do que ela. Tem que permitir uma reflexão sobre o país”.
Um pouco antes da estreia do filme, um grupo de brasileiros (sobretudo de moradores de da Alemanha) aproveitou a ocasião da estreia mundial do longa para um ato a favor de Lula e contra a deposição de Dilma, na Potsdamer Platz, nos arredores de onde se concentram as exibições do Festival de Berlim. Cerca de 20 pessoas compareceram, sob um frio de 2 graus. Os manifestantes não eram ligados à produção de “O Processo”.
O Festival de Berlim é tradicionalmente o evento do calendário cinematográfico mais afeito a um cinema de cunho politizado. Protestos e manifestações por causas variadas não são raras – no ano passado, por exemplo, o diretor Marcelo Gomes, que disputava o Urso de Ouro pelo longa “Joaquim”, leu uma carta aberta na entrevista coletiva do longa em que se posicionava contra o governo de Michel Temer.
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