"Gorilas feministas" da arte defendem ridicularizar valores tradicionais
Elas andam por aí com máscaras de gorila e jogam na cara dos museus e galerias o quanto suas coleções ainda excluem mulheres, artistas negros, LGBTs e outras minorias. Um dos mais antigos coletivos de artistas feministas em atividade, desde 1985 as Guerrilla Girls fazem esse trabalho quase pedagógico de expor as desigualdades no mundo da arte através de pôsteres, outdoors e performances.
Ativistas da diversidade, as norte-americanas chegam ao Brasil para sua primeira exposição individual (no Masp, em São Paulo, com abertura para o público a partir de sexta-feira, 29) em um momento delicado para a arte no país, em meio a protestos contra obras consideradas ofensivas por determinados grupos --como a exposição Queermuseu, em Porto Alegre, que o Santander resolveu suspender depois de alegações de que algumas obras supostamente fariam apologia à zoofilia e à pedofilia; e a peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, com uma mulher transexual como Cristo, cuja encenação em Jundiaí foi proibida pela justiça.
Mas elas não se deixam abater, e acreditam que é papel dos artistas resistir a esse tipo de pressão. “Assim como os Estados Unidos, o Brasil tem uma população muito diversa, que é comandada por governos formados majoritariamente por homens brancos e velhos, com valores que os jovens estão questionando a torto e a direito”, aponta em entrevista ao UOL Frida Kahlo, pseudônimo de uma das integrantes, que usam nomes de artistas famosas, como a pintora mexicana, para manterem o anonimato.
“Então, acho que é a obrigação dos jovens e de todas as pessoas que não concordam com esses valores tradicionais artificiais, resistir a eles. São homofóbicos, transfóbicos, e não têm futuro. Esses valores olham para trás, não para o futuro, e precisamos resistir a eles, eles precisam ser ridicularizados, precisam sentir vergonha, e precisam desaparecer”, diz, taxativa.
Para apontar como esses valores são artificiais, elas dão como um exemplo uma obra das próprias Guerrilla Girls que pedia a volta a “valores tradicionais sobre aborto”. “O que eram esses valores tradicionais? Até o final do século 19, o aborto, especialmente na igreja Católica, era permitido até o terceiro mês de gravidez. Muitas dessas ideias sobre o poder de escolha das mulheres que estão fingindo ser tradicionais, na verdade são novas. Elas são novidades reacionárias”, explica Kahlo.
“Estamos em um momento muito crucial, no qual a jornada em direção a mais e mais direitos para todas as pessoas tem sido sabotada por esses ultraconservadores e fanáticos religiosos, e todos temos que defender aquilo que acreditamos”, acrescenta Käthe Kollwitz (outro pseudônimo, homenagem à artista alemã que atuou no século 19). “Acreditamos que toda arte é política. E que todos os artistas, não importa que tipo de arte façam, e, na verdade, todas as pessoas, precisam resistir”, completa.
Mulheres precisam estar nuas para entrar no museu?
Parte dessa resistência estará presente no Masp, que teve sua coleção examinada por elas para uma versão local da obra mais famosa das Guerrilla Girls. Feito em 1989 para o Metropolitan Museum de Nova York, o outdoor questiona se as mulheres precisam estar nuas para entrar no acervo do museu (veja a imagem no topo da página): “Menos de 5% dos artistas nas seções de arte moderna são mulheres, mas 85% dos nus são femininos”.
Por aqui, os números são um pouco diferentes, mas não muito melhores: Menos de 6% dos artistas exibidos pelo Masp são mulheres, mas 60% dos nus são femininos.
“É um pouco melhor em termos do número de artistas mulheres, mas é bem melhor em termos do número de nus masculinos”, diz Kahlo. “Há mais homens nus”, completa.
Reclamonas
Antes da exposição em São Paulo, elas participam da Frestas - Trienal de Artes do Sesc, que vai até 3 de dezembro em Sorocaba (interior de SP), com o projeto “Departamento de Reclamações”. Apresentada pela primeira vez em Londres no ano passado, a intervenção abre espaço para o público fazer qualquer tipo de reclamação, online ou presencialmente.
“As Guerrilla Girls são sempre acusadas de serem reclamonas, porque criticamos e lutamos contra um sistema do qual não gostamos”, explica Kollwitz. “Então pensamos: 'Sim, somos reclamonas. Mas somos reclamonas criativas'. E decidimos que era hora de dar a todo mundo a chance de reclamar. Precisamos promover reclamações criativas em todos os lugares”, diz.
E qual a maior reclamação delas sobre o mundo da arte? “Essa é uma pergunta difícil! Achamos que muitas das coisas que estão erradas no mundo em geral também estão super erradas no mundo da arte. Ele é controlado e pertence aos muito ricos, para lucro próprio, e ignora a produção de populações naturalmente diversas. As pessoas que colecionam arte e exibem arte em museus estão mais interessados na acumulação de bens muito caros. E quase todo o dinheiro e quase todas as oportunidades ainda vão para artistas homens brancos”, acredita Kahlo.
“Mas o interessante é que há jovens artistas que se veem como ativistas políticos e não querem mais alimentar o sistema dos museus e do mercado de arte. Eles querem usar suas habilidades criativas para mudar o mundo, e achamos que, de certo modo, este é o futuro da arte”, conclui.
Serviço:
Guerrilla Girls: Gráfica, 1985-2017
Quando: 29/9 a 14/2/2018. Ter. a dom.: 10h às 18h; qui.: 10h às 20h
Onde: Masp - Mezanino do 1º Subsolo - avenida paulista, 1.578, São Paulo, tel. 0/xx/11/3149-5959
Quanto: R$15 (meia-entrada) e R$30; grátis às terças-feiras (o ingresso dá direito a visitar todas as exposições em cartaz no dia da visita)
Classificação indicativa: livre
Frestas - Trienal de Artes
Quando: até 3/12. Ter. a sex.: 9h às 21h30; sáb., dom. e feriados: 10h às 18h30
Onde: Sesc Sorocaba - r. Barão de Piratininga, 555, Jd. Faculdade, Sorocaba
Quanto: grátis
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