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"Começou a atingir minha história", diz ministro que deixou Cultura

João Batista de Andrade - Edson Lopes Jr./UOL
João Batista de Andrade Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

16/06/2017 19h19

O ministro interino da Cultura João Batista de Andrade, que entregou nesta sexta (16) carta ao presidente Michel Temer pedindo para não ser efetivado, disse ao UOL, por telefone, que se viu em uma "ciranda de nomes disputando o cargo". "Comecei a ficar muito incomodado e começou a atingir minha integridade, a minha história e meu nome como produtor e cineasta. Era uma ciranda de nomes disputando cargo do ministério. Eu não vim aqui atrás de cargo, então deixo livre".

Filiado ao PPS, o escritor, roteirista e cineasta já foi secretário de Cultura do Estado de São Paulo em 2005 e presidente da Fundação Memorial da América Latina entre 2012 e 2016. Andrade, que substituiu Roberto Freire, que por sua vez entrou no lugar de Marcelo Calero, disse que pegou a pasta já muito decadente e que o corte de mais de 40% do orçamento tornou o funcionamento do ministério "inviável". "O orçamento já era muito baixo e muito longe das metas que a gente tanto discutiu, o que inviabiliza a atuação do ministério. Uma instituição que já estava extremamente fragilizada e que ainda tem um corte de 43% não permite nem a máquina andar".

Ele conta que 3% da arrecadação com a Loteria Federal, por exemplo, deveria ir para o Fundo Nacional de Cultura, o que representaria cerca de R$ 300 milhões, e que também não aconteceu. "A gente está batalhando o tempo todo para recuperar esses recursos".

Andrade afirma também que não teve autoridade para indicar Debora Ivanov à presidência da Ancine (Agência Nacional do Cinema), decisão que, segundo ele, foi apoiada por profissionais do setor. Ele indicou Ivanov, que poderia ser a primeira mulher no cargo, mas Temer nomeou Roberto Sá Leitão. "Reafirmo que não tenho nada contra Leitão, eu nem o conheço, mas a indicação de Ivanov foi feita ao lado de profissionais do setor", diz ele. "Sem recurso, o ministério capengando, corte de 43% e sem autoridade, achei que era hora de sair".

"Grande é o governo que respeita a decisão dos intelectuais, os artistas, que respeita a diversidade e a opinião crítica", diz. "Cultura tem interessado pouco, inclusive para os parlamentares. A cultura é um setor muito problemático porque é um setor crítico, então acaba recebendo esse tipo de tratamento um pouco desrespeitoso".

Veja o comunicado na íntegra:

"Brasília, 16 de junho de 2017.

Ao Excelentíssimo Presidente da República
Senhor Michel Temer

Comunico a Vossa Excelência, respeitosamente, o meu desinteresse em ser efetivado como Ministro de Estado da Cultura, posto que venho exercendo interinamente, e por determinação legal do regimento interno, por ser o atual Secretário-Executivo do Ministério da Cultura.

Assim sendo, confirmo a minha disposição para contribuir da forma mais proativa possível com a transição de gestão do Ministério da Cultura, até a nomeação dos próximo Ministro do Estado da Cultura e seu respectivo Secretário-Executivo.

Respeitosamente,

João Batista de Andrade
Ministro de Estado Interino da Cultura"

Período conturbado

Após assumir a presidência, Michel Temer rebaixou o MinC (Ministério da Cultura) a uma parte vinculada ao Ministério da Educação, enfurecendo a classe artística. Protestos e pressão de diversos lados fizeram com que o peemedebista devolvesse o status de Ministério para a pasta.

O então secretário de Cultura municipal do Rio de Janeiro, Marcelo Calero, aceitou a missão de comandar o MinC e permaneceu como ministro por seis meses, até criar desavenças com Geddel Vieira Lima, então homem de confiança de Temer.

Segundo Calero, o ex-ministro da secretaria de Governo o pressionou para que não interferisse na construção de um complexo imobiliário em Salvador. Em uma conversa gravada com Geddel, Eliseu Padilha (ministro-chefe da Casa Civil) e Temer, Calero comunicou que estava saindo do MinC.

Roberto Freire assumiu o cargo em novembro de 2016, e logo foi alvo de uma polêmica com o escritor Raduan Nassar, que acusou o governo de ser repressor e golpista. Freire foi um ferrenho defensor do impeachment de Dilma Rousseff e sofreu muitas críticas por parte da classe artística.

Seis meses após assumir o ministério, o pernambucano deixou o governo Temer em meios às acusações envolvendo o presidente e o empresário Joesley Batista, dono da JBS.

João Batista de Andrade ocupou a cadeira como ministro interino da Cultura e permaneceu no governo menos de um mês, tendo assumido o posto no dia 24 de maio.