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Performer faz xixi e cospe em cena para "desbundar" no Festival de Curitiba

Miguel Arcanjo Prado

Colaboração para o UOL, em Curitiba (PR)

30/03/2016 14h47

O público que assistiu às duas apresentações do espetáculo "O Confete da Índia" no 25º Festival de Teatro de Curitiba foi surpreendido por uma performance intensa e provocadora do coreógrafo e performer carioca André Masseno.

As sessões foram na Casa Hoffmann, na qual o público foi convidado a sentar-se no chão de linóleo branco, formando um retângulo em torno do espaço vazio no qual o artista já estava presente.

Masseno, num primeiro momento, fica com o rosto coberto por uma máscara e o corpo sob uma lona preta. Enquanto dança uma trilha potente com pérolas das décadas de 1960 e 1970, ele se despe e mergulha no transe sob o qual permanece até o fim da apresentação.

Sem texto, Masseno abusa do corpo. Exibindo boa parte dele, sobretudo quando usa apenas uma lingerie vermelha de renda, ele dança de salto alto ou com os pés no chão, invocando uma brasilidade extrema.

Em certos momentos, como quando coa o café na calcinha suada e toma, quando engole de forma ávida um caju ou ainda quando toma uma cidra barata, o artista parece debochar da brasilidade recorrente em todos nós. Deste conflito que temos entre o pensamento racional e nossa ancestralidade.

Bom humor

Também há muito bom humor na obra, como quando ele dialoga com a canção "Índia" na voz de uma intensa Gal Costa dos anos 1970. E há momentos mais tensos, sobretudo para o espectador, como quando o artista urina no palco e dança sobre o líquido, ou quando começa a cuspir milho mastigado ou feijão preto.

Três espectadores na sessão vista pelo UOL preferiram deixar a sala de espetáculos quando tais cenas começaram, sobretudo quando parte dos dejetos respingaram no público mais próximo ao artista.

"O Confete da Índia" foi premiado com o APCA de melhor projeto artístico em dança em 2013. Masseno diz que seu objetivo com a obra é se aproximar do desbunde como linguagem, sobretudo aquele abraçado pela contracultura nas décadas de 1960 e 1970.

O artista diz estar ávido por "borrar fronteiras" com sua arte. Por isso, gosta de enxergar seu trabalho fora de "categorias e gavetas". "Chega de engavetar", pede.

Neste mundo múltiplo no qual aposta, há diversas sensações cognitivas possíveis de serem despertadas pelo seu trabalho. "Quero repensar rótulos, catalogações", afirma.

Diante de um Brasil cada vez mais conservador e moralista, ele explode em sua obra expondo seu corpo em estado livre e contestatório. "O trabalho toca neste lugar do corpo como sendo político e um espaço de revolução", diz.

"Quando o discurso da sociedade fica muito binominal, como é o caso do Brasil hoje, o plural fica abafado. É aí que surge a dissidência. Por isso revisito o desbunde, uma ideologia peculiar, que aposta num coletivo cheio de pessoas singulares", explica.

Reação

E o público curitibano que permaneceu nas apresentações parece ter entendido a proposta. A produtora cultural Priscila de Morais diz que Masseno "merece sua admiração", é um "artista que tem a coragem de expor suas escatologias".

"Mais do que as referências ao desbunde e à contracultura, percebo coisas bem atuais da exposição do corpo sem gênero e uma situação de lixo e luxo de uma figura que tenta se sustentar na pose, mas nos mostra seus lados humanos", conta a curitibana.

Rachel Coelho, produtora teatral de Maringá (PR), considera "O Confete da Índia" um espetáculo "provocador e ousado". Ela deixou-se contaminar pelas músicas. "A trilha sonora é uma delícia e automaticamente nos remete a outro estado", fala. "O artista parece estar se divertindo em cena, o que provoca em nós uma certa comunhão, pois nos divertimos com ele também".

Mesmo assim, ela conta que a obra "trouxe certo desconforto". "A proximidade da plateia com o artista nos deixava com aquela sensação: o que ele vai fazer com isso? Mas acho ótimo sair do lugar confortável de espectador e se deixar atravessar", declara.

Frequentadora assídua do Festival de Curitiba há quase uma década, Coelho ainda ressalta a importância de trabalhos experimentais como este. "Gostei da ousadia de trazer este espetáculo para o Festival de Curitiba, que costumava ter uma programação menos experimental".

Masseno confessa que gostou do convite para trazer sua ousadia ao evento. "Achei ótimo. Isso é frutífero, agrega várias linguagens no mesmo Festival. Temos de borrar essas fronteiras nas artes cênicas", conclui.

O 25º Festival de Teatro de Curitiba vai até domingo (3), com mais de 3.000 profissionais em 350 peças na capital paranaense, o que faz dele o maior evento das artes cênicas no Brasil.