"Fico feliz que a nova geração de heróis sejam mulheres", diz Frank Miller
“Eu estava de bom humor”. Frank Miller não entra em detalhes técnicos quando diz o que o levou a voltar ao personagem que o disparou para o estrelato há três décadas, com a série "O Cavaleiro das Trevas". “OK, e eu também tinha uma história para contar”, completa, aparentemente com o mesmo estado de espírito, em conversa com jornalistas durante a Comic Con Experience (CCXP), em São Paulo.
“Dark Knight 3: The Master Race”, nova série recentemente lançada nos Estados Unidos (e que deve chegar ao Brasil no começo de 2016), traz o autor de volta ao mundo que ele criou no já clássico de 1986, e que ganhou uma continuação no começo do novo século. A diferença é que, desta vez, ele não está sozinho.
Para a nova série, Miller divide o roteiro com o escritor Brian Azzarello (“100 Balas”) e continua a explorar um mundo onde, agora, o ser humano é minoria. “Eu e Brian começamos a discutir algumas ideias, a colocar no papel, não sei apontar quem de fato criou o que”, explica. “Ao fim de 'DK2', a Terra está tomada por kryptonianos, a ‘raça superior’, e nem todos são bons. Quando os problemas surgem, só mesmo alguém louco para enfrentá-los... Um louco que more em uma caverna.”
Embora a série traga um novo combate entre Superman e Batman (“Não consigo pensar em uma história em que eles não estejam um na garganta do outro”), o foco está na nova geração, representada pela Robin que ele criou na série original, Carrie Kelly, e em Lara, filha do Homem de Aço com a Mulher-Maravilha. “Eu adoro o fato de que a nova cara da esperança da humanidade sejam mulheres”, afirma Miller, com um sorriso.
Assim como as histórias anteriores, a terceira série reflete o mundo de hoje. “Nunca pensei em escrever sobre passado ou futuro quando fiz o Batman”, continua. “É uma alegoria, uma versão exagerada de coisas que eu vivencio.”
Quando criou a primeira série, o artista conta que Nova York vivia uma enorme uma onda de violência, e a impotência em agir o fez colocar o Homem-Morcego naquele cenário. “Eu também me aproximava da idade perigosa dos 30 anos, a idade do Batman nos quadrinhos, era algo que também me angustiava”, explica. “Por isso eu fiz com que ele tivesse a idade avançadíssima de 50 anos... Que, por sinal, eu já deixei para trás há bons cinco anos.”
Demolidor
O cenário pesado da Nova York dos anos 1970 e 1980, por sinal, formou a base do trabalho que começou a jornada de Miller para o estrelado. O título do Demolidor caminhava perigosamente rumo à extinção quando ele assumiu primeiro a arte, depois o texto do "Homem sem Medo", que recentemente ganhou uma série, produzida em parceria pela Marvel e pelo Netflix.
“Eu nunca digo nunca”, afirma o autor, sobre um retorno ao herói cego. “Mas hoje eu diria não... É como ver um velho amigo e ter muito carinho, mas não é o momento de recolocá-lo em minha vida.”
Depois de codirigir dois “Sin City” ao lado de Robert Rodriguez, e de experimentar conduzir um filme sozinho com “The Spirit” (um fracasso de crítica e público), Miller também se diz pronto para voltar ao cinema, que ele considera a mídia mais poderosa. “Mas por enquanto meu olhar está voltado para os quadrinhos, trabalhando com personagens e pessoas fantásticas”, conclui, com um sorriso. “Eu devo estar de bom humor.”
Mundo real
Os paralelos com o mundo real não passam ao largo do trabalho de Miller. A primeira série não poupava farpas ao governo Reagan, ressaltando como alguém violento como o Batman terminava como última esperança de salvação quando as sombras dominavam. O segundo volume, escrito sob a sombra dos ataques de 11 de setembro de 2001, eram um misto de fúria com comentário social: “É uma história sobre ganância desmedida, ambição ilimitada, talvez se encaixe exatamente com a época”.
A volta aos quadrinhos mainstream com “DK3” também sinaliza uma vontade de Miller em retornar, em suas palavras, à “melhor caixa de brinquedos” do mercado.
“Quando fiz 'O Cavaleiro das Trevas', em 1986, minha ideia era finalizar com a morte do Batman”, confessa. “O editor da DC à época me convenceu do contrário, e foi a melhor decisão: eu não tinha o direito de matar o personagem.”
O que também abriu possibilidades que ele continua explorando. “Tenho uma ideia para um quarto 'Dark Knight', e também uma história com o Superman”, empolga-se. “Quero voltar à sua raiz, quando Jerry Siegel e Joe Shuster o criaram. Eram dois adolescentes, judeus, em uma época de antissemitismo agudo. O Superman foi uma resposta a isso, e é nessa época em que quero ambientar minha história.”
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