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Causo de caboclo: Como Niemeyer projetou o Parque do Peão sem cobrar nada

Jotabê Medeiros

Do UOL, em São Paulo

19/08/2015 07h00

A história de como Oscar Niemeyer, um dos maiores arquitetos do planeta, desenhou o Parque do Peão de Barretos daria um filme. Tudo aconteceu em 1984, segundo conta o administrador de empresas Mussa Calil Neto, que era o presidente de Os Independentes na época, e que foi quem foi procurar o arquiteto.

"Naquele ano, choveu muito, o recinto onde era a festa era na cidade, uma área de 2 alqueires [cerca de 10 campos de futebol], e ficou tudo alagado, fez frio, garoa. Foi um transtorno, ficou todo mundo mal humorado", conta Calil. Ele então pensou em projetar um novo espaço e reuniu uma meia dúzia de arquitetos da cidade para fazer um estudo. Só que o estudo não ficava pronto. "Me pediram um mês, mas não cumpriram", lamentou.

Foi então que lhe disseram que um daqueles arquitetos, Eduardo Brant, defendera uma tese na universidade em que fazia a defesa da construção de um parque. Mussa pegou seu Karmann Ghia, foi até sua casa e o convenceu a fazer um projeto para o Parque do Peão, mas pedia que não se tocasse na mata ao fundo da área escolhida - uma antiga fazenda. Quando o projeto ficou pronto, o arquiteto o levou para ver o trabalho no próprio local, mas havia um problema. "Eu disse a ele que não estava bom, porque ele pôs o estádio do peão em cima da mata. Ele me respondeu: 'Então procura o Niemeyer, que ele é melhor que eu!'".

Era ironia, mas Mussa Calil não teve dúvidas. "Peguei o telefone e disquei aquele número de informações, 121, e pedi o escritório de Oscar Niemeyer no Rio. Atendeu a secretária dele, Maria de Lourdes, que me pediu para aguardar. No instante seguinte, o próprio Niemeyer estava ao telefone. Eu disse a ele: 'Doutor, queremos fazer um parque do peão aqui em Barretos que contemple as coisas culturais, a comida, as tradições, a memória, a música. Ele pensou um pouco e me disse: 'Venha aqui na sexta-feira'".

Era uma sexta-feira entre o Natal e o Ano Novo, em dezembro de 1984. No dia marcado, desembarcavam no Rio de Janeiro Mussa Calil, Elias Couto e Tomaz Edson de Abreu Silva, do grupo Os Independentes. "Até chegar a hora da entrevista com ele, fomos ao Rock in Rio, visitar as obras do festival. Você vai notar que, ainda hoje, os banheiros, a comunicação visual, tudo foi chupado do Rock in Rio na Festa do Peão", diverte-se Mussa.

Niemeyer lhes contou que em Barretos só tinha dormido uma vez na vida, porque quando ia a Brasília de carro (morria de medo de avião), parava na região para descansar. Mussa lhe disse: "Olha, doutor, não sei quanto vai ficar, mas eu tenho que dizer que nós somos de um clube pequeno, nosso dinheiro é curto, a maior parte do que arrecadamos vai para hospitais, é tudo para benemerência". Niemeyer o acalmou: "Deixa que eu vou ver isso daí".

Calil conta como convenceu Niemeyer a projetar Parque do Peão

  • Divulgação

    Peguei o telefone e disquei aquele número de informações, 121, e pedi o escritório de Oscar Niemeyer no Rio. (...) No instante seguinte, o próprio Niemeyer estava ao telefone. Eu disse a ele: 'Doutor, queremos fazer um parque do peão aqui em Barretos que contemple as coisas culturais, a comida, as tradições, a memória, a música'. Ele pensou um pouco e me disse: 'Venha aqui na sexta-feira'

    Mussa Calil Neto, presidente d'Os Independentes em 1984

Dias depois, o arquiteto ligou e disse que estava enviando dois auxiliares, Hans Miller e Carlos Magalhães, para fazer o estudo. "Busca eles em São Paulo", pediu. Os arquitetos de Niemeyer vieram, ficaram dois dias, fizeram as pesquisas e o levantamento e em abril o arquiteto ligou do Rio de Janeiro. "Pode vir, tá pronto!".

"Eu vi que o estádio estava parcialmente em cima da mata, mas o Niemeyer me disse que era assim mesmo, que o rapaz que tinha feito o primeiro estudo estava certo, a mata estava no eixo de entrada do terreno, não tinha como ser de outro jeito. Ele não cobrou nada", festeja até hoje Mussa Calil.

Ficaram amigos, Niemeyer os convidava a almoços na Casa da Canoa, seu refúgio no Rio de Janeiro. Após quatro anos daquele projeto, o arquiteto, Prêmio Pritzker de arquitetura, detalhou a planta do Estádio do Peão, também sem cobrar nada. O estádio de rodeio, único na América Latina, foi erguido em apenas 81 dias, entre junho e agosto de 1989.

A reação dos colegas à proposta de mudança foi fria. "Ninguém queria mudar. Dos 45 votos d'Os Independentes, somente cinco votaram em minha proposta. Era uma fazenda abandonada, não tinha nem cerca, nem água, nem luz. Mas em 1984, na última festa no recinto, a gente recebeu 13 mil pessoas no domingo. Hoje, a gente recebe 300 mil pessoas. Cabem 14 mil carros só em um estacionamento. No antigo recinto, só podíamos crescer para cima, e corríamos riscos de uma pessoa cair, de superlotação", ele lembra hoje. A insistência demorou, mas foi reconhecida: hoje o nome do local é Parque do Peão Mussa Calil Neto.

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