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Brasileiro encerra trilogia iorubá com direitos vendidos para cinema e HQ

O escritor e publicitário P.J. Pereira, autor da trilogia "Deuses de Dois Mundos" - Leo Neves/Divulgação
O escritor e publicitário P.J. Pereira, autor da trilogia "Deuses de Dois Mundos" Imagem: Leo Neves/Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

06/07/2015 06h00

Um dos maiores grupos étnicos da África, os iorubás são responsáveis por grande parte dos elementos que influenciaram religiões tradicionais no Brasil, como o candomblé e a umbanda. E é nessa mitologia que P.J. Pereira se aprofundou para escrever a trilogia "Deuses de Dois Mundos", cujo terceiro volume, "O Livro da Morte", chegou às primeiras posições das listas de ficção dos livros mais vendidos do país, um espaço raramente frequentado por autores nacionais.

Os dois primeiros livros da saga, "O Livro do Silêncio" e "O Livro da Traição", também fizeram sucesso e venderam, juntos, cerca de 50 mil exemplares, um número expressivo para um mercado que celebra quando tiragens de 3.000 cópias se esgotam. Além disso, a série reúne mais de 150 mil seguidores em sua página do Facebook e "O Livro do Silêncio", que já foi publicado em Portugal, está para sair na Polônia e na Nigéria.

"O Livro da Morte" - Divulgação - Divulgação
Capa de "O Livro da Morte", terceiro e último volume da trilogia "Deuses de Dois Mundos", de P.J. Pereira
Imagem: Divulgação

Pereira conta que desde pequeno se interessa por mitologia, mas que, apesar de sempre ter ouvido falar de deuses gregos, romanos e nórdicos, nada sabia sobre os africanos. "Sempre morri de medo de macumba. Eu e todos meus amigos, criados na Zona Sul do Rio de Janeiro. Era coisa do demônio, coisa para ficar longe. Um dia, já adulto, conheci um monte de gente bacana ligada ao candomblé e estranhei que pessoas do bem fossem ligadas a algo do 'mal', e fui investigar para saber quem estava mentindo. Então não só descobri uma mitologia fascinante, quanto percebi que essas histórias me haviam sido negadas".

Ao se aprofundar no tema, descobriu uma mitologia na qual os deuses assemelham-se aos homens: são raivosos e com personalidades delicadas. "Foi por ouvir as histórias da boca de quem cultiva essa religião tão viva que me dei conta de como esses deuses imperfeitos e não tão bonzinhos eram diferentes do que eu eu havia conhecido no cristianismo".

Pereira disse que se surpreendeu por perceber que aquela era uma religião que não procurava a salvação, mas a integração com a natureza. "Como escritor, foi um presente, porque as lendas são às vezes singelas, às vezes violentas, maliciosas, vingativas, sexuais". Foi com relação à refeição, entretanto, que mais se divertiu. "Os agrados aos orixás são feitos através de suas comidas prediletas. Especialmente a Exu, o mais guloso entre eles. Como também sou guloso, aproveitei essa oportunidade para falar sobre comida. Os dois primeiros livros em especial são uma viagem à gastronomia paulistana do inicio dos anos 2000".

Em sua obra, duas tramas se entrelaçam: o cotidiano de Newton Fernandes, um ambicioso jornalista, e o sequestro dos deuses responsáveis pelo futuro dos seres humanos. Com a história se passando em um mundo contemporâneo, a tecnologia --algo que normalmente é visto como um contraponto à mitologia ou até mesmo como sua substituta-- acaba tendo um papel determinante na saga.

"Eu adoro a relação dos povos com sua própria fé. Adoro estudar as histórias, entender as diferenças, as semelhanças. Mas também sou um geek. Então a tecnologia entrou naturalmente no enredo", explica Pereira, lembrando que nos dois primeiros livros o protagonista troca e-mails com um sujeito misterioso, profundo conhecedor dos orixás, enquanto o terceiro volume é disposto como mensagens postadas em um blog ou no Facebook, com os últimos acontecimentos sendo os primeiros a serem lidos.

"Essa justaposição entre o ancestral e o moderno foi um exercício bem estimulante. Perceber, por exemplo, que o silêncio dos búzios numa África ancestral seria como se a internet saísse do ar nos dias de hoje foi uma boa maneira de entender as consequências e criar o ambiente que eu queria nos dois mundos que os livros contam".

Publicitário de sucesso

Apesar da trilogia ser a estreia de Pereira na literatura, o autor alicerçou a sua carreira profissional baseando-se em contar histórias. Publicitário premiado com quatro leões de ouro por conta dos roteiros de suas propagandas, é fundador da agência Pereira & O'Dell e, em 2013, conquistou o Emmy na categoria Innovation in Storytelling. "A publicidade moderna é um exercício de contar histórias. Trabalhar com isso todos os dias me ajudou a criar musculatura criativa. Mas para por aí, porque na propaganda, em última instância, eu trabalho para alguém que quer ter uma história contada a seu respeito".

Aprofundando-se nas diferenças, diz que na literatura o exercício é mais solitário e mais livre, o que acarreta maiores responsabilidades. "Meu editor assumiu uma série de riscos quando resolveu publicar algo que ninguém mais queria, mas se o mundo odiasse minha história, a responsabilidade era minha. De certa forma, olhando por esse ângulo, a propaganda era mais um obstáculo, uma fonte de insegurança".

Rodeado por grandes nomes

"O Livro da Morte" chega cercado por outros nomes de peso. O jornalista Marcelo Tás assina o prefácio, no qual diz: "Que coisa mais linda, parir um livro como resposta ao preconceito. Eis a saída para o fundamentalismo galopante dos nossos dias e a porta de entrada para a nova civilização que tanto queremos". Já o posfácio fica com o também jornalista Arthur Veríssimo.

Dos book-trailers produzidos para a divulgação do livro, um ganhou a narração de ninguém menos que Gilberto Gil, enquanto a trilha sonora foi produzida por Otto, Andreas Kisser e Pupillo, do Nação Zumbi. "Fui buscar nesses convites um pouco de boa vontade entre aqueles que não são ligados à religião. Porque esse livro não tem nada de religioso. Gente ligada à cultura popular, ao jornalismo, à música me ajudou a quebrar essa ideia de que o livro poderia ser apenas para os religiosos".

Pereira também já negociou os direitos de "Deuses de Dois Mundos" para o cinema, televisão e HQ com a The Alchemists, empresa que produz conteúdo em streaming nos Estados Unidos --é dela a prestigiada série "East Los High", por exemplo. Entretanto, não há previsão para quando as adaptações chegarão ao público. "A produção de um filme, da aquisição dos direitos até alguém comprar um ingresso na bilheteria, é um processo cuidadoso e longo", exemplifica o autor. "Então não tenho pressa. O importante é fazer bem feito".