A culpa é dos blockbusters? Por que ficção nacional vende menos no país
Editoras, escritores e livrarias são uníssonos no discurso: a literatura brasileira contemporânea vive um ótimo momento, com novos autores e bons títulos. Mas dê uma olhada na lista das obras mais vendidas. Os autores nacionais são espécies cada vez mais raras no universo dos best-sellers de ficção.
O primeiro semestre de 2015 chegou ao fim com apenas dois brasileiros na lista dos 20 mais vendidos --Chico Buarque, com "O Irmão Alemão", e Augusto Cury, com "Felicidade Roubada", ambos lançados no ano passado. O que nos leva a uma questão: não gostamos dos nossos escritores?
A participação brasileira nessas listas sempre foi pequena e é apenas reflexo do próprio mercado editorial. Entre todos os gêneros, os brasileiros têm 30% da participação do mercado, ante 70% de estrangeiros. "Obviamente, quando entra um clássico ou um nome midiático, como o Chico [Buarque] ou blogueiros que estão em voga escrevendo não-ficção, eles entram na lista mais facilmente", diz Ricardo Schill, coordenador projetos especiais da rede Livraria Cultura.
De acordo com a Publishnews, que monitora as vendas das principais livrarias do país, a participação dos brasileiros caiu pela metade nos últimos cinco anos. Se em 2010 e 2011 eram quatro exemplares entre os 20 mais vendidos, nos anos seguintes a participação caiu para dois. Em 2014, a fatia voltou a aumentar com a publicidade forte de "Fim", primeiro romance da atriz Fernanda Torres; "Adultério", de Paulo Coelho; e o próprio Chico Buarque. Em 2015, apenas o compositor e o psiquiatra conseguiram o rescaldo necessário para continuar brigando contra autores como Gayle Forman ("Se Eu Ficar"), E. L. James ("Cinquenta Tons de Cinza") e John Green ("A Culpa É das Estrelas").
Verissimo
Existe um inegável colonialismo cultural que leva o público a acreditar que só o que vem de fora é bom. E, geralmente, os best-sellers aqui são best-sellers no mundo todo, já chegam aqui bem promovidos
O escritor veterano Luis Fernando Verissimo figurou entre os mais vendidos em 2012 (com "Diálogos Impossíveis") e sabe que a fama ajuda nas vendas, mas nome não é tudo. Ele aponta que a ficção brasileira ainda não atende a uma demanda específica, como já acontece nos Estados Unidos. Ele chama esse nicho de "livros para ler em aeroporto": "Literatura digerível sem maiores pretensões", explica. "Existe um inegável colonialismo cultural que leva o público a acreditar que só o que vem de fora é bom. E, geralmente, os best-sellers aqui são best-sellers no mundo todo, já chegam aqui bem promovidos", observa o autor de "O Analista de Bagé".
Editor de literatura brasileira e de não-ficção da Record, Carlos Andreazza confirma: os títulos de fora já vêm impulsionados pela publicidade e, não raro, adaptações cinematográficas. "É uma cadeia já desenhada. Esses títulos blockbusters estrangeiros são destinados a um público já existente e formado, que é o de leitores de blockbusters".
Em outro momento da carreira, Luisa Geisler, que em 2012 figurou na lista dos melhores jovens escritores brasileiros da revista "Granta", tem o mesmo sentimento. Com quatro livros publicados --entre eles, o romance "Quiçá"--, a gaúcha de 19 anos acredita que os leitores associam o Brasil a apenas os clássicos. "Alguns amigos ainda estranham personagens com nomes brasileiros, referências a lugares que eles conhecem na literatura. Estão acostumados com uma narrativa que não é a deles, com ideias de neve, com personagens de nomes gringos o tempo todo".
André Conti, editor da Companhia das Letras, enxerga esse consumo como um fator positivo na personalidade do leitor brasileiro, mais aberto e diversificado do que o público norte-americano, cujo mercado conta apenas com 2% de traduções. "O fenômeno literário nos anos 1980 era mais fácil de acontecer, mas hoje você disputa com série de TV, joguinhos no celular. É um cabo de guerra para domar a atenção do leitor", observa.
Mistério insondável
Para Conti, o surgimento de um best-seller é circunstancial e um mistério insondável. Ele relembra um dos grandes fenômenos recentes da editora, a antologia "Toda Poesia", do curitibano Paulo Leminski, um dos três livros a figurar entre os mais vendidos de 2013. "Foi uma aposta altíssima, fizemos 5 mil exemplares pensando: 'O cara é pop, vai que pega'. Acabou vendendo 110 mil, um número de Chico Buarque", conta.
"Não há outra razão para esse mês não ter um livro de prosa contemporânea entre os mais vendidos senão pelo fato de não ter tido um livro de prosa que tenha capturado a imaginação desse público maior. Isso não quer dizer que esses livros não existem, mas que são lidos e vendidos em seus nichos. 'Barba Ensopada de Sangue', de Daniel Galeta, vendeu mais de 20 mil exemplares, um número muito bom, e mostra que esses livros às vezes furam esses prognósticos".
Enquanto escrevia "Barba Ensopada de Sangue", seu quarto livro, Galera não tinha em mente conquistar aceitação do público. "Pelo contrário, houve momentos da escrita em que tive receio de que o livro só agradaria a mim mesmo", conta. "O sucesso de um livro é um pouco como um desastre de avião ao contrário. Muitos acertos orquestrados e um tanto de mistério e aleatoriedade fazem parte de qualquer explicação possível", diz ele.
Para Andreazza, o escritor brasileiro de ficção precisa encarar o mercado consumidor de livros como ele é mesmo: "sem anabolizantes, pequeno, muito competitivo, não raro com mais oferta do que demanda, e em formação precária, num país ainda francamente analfabeto", observa.
"Neste círculo restrito, o do consumo de literatura no Brasil, um ficcionista brasileiro que venda 5 mil exemplares é um sucesso, e com 10 mil títulos vendidos fazem um best-seller", diz Andreazza. "Gostaria que fosse melhor, trabalhamos pensando nisso 24 horas por dia, em como ampliar e atrair o público leitor, mas esta é a realidade e não adianta mentir: são marcas importantes, lucrativas, respeitáveis mesmo, mas que acabam minguadas frente aos números alcançados pelos estrangeiros".
Os 20 livros de ficção mais vendidos no 1° semestre de 2015
1 - "Se Eu Ficar", Gayle Forman (Novo Conceito)
2 - "Para Onde Ela Foi", Gayle Forman (Novo Conceito
3 - "Cinquenta Tons de Cinza", E. L. James (Intrínseca)
4 - "Cidades de Papel", John Green (Intrínseca)
5 - "Cinquenta Tons Mais Escuros", E. L. James (Intrínseca)
6 - "Simplesmente Acontece", Cecelia Ahern (Novo Conceito
7 - "Toda Luz que Não Podemos Ver", Anthony Doerr (Intrínseca)
8 - "Cinquenta Tons de Liberdade", E. L. James (Intrínseca)
9 - "O Irmão Alemão", Chico Buarque (Companhia das Letras)
10 - "Somente Sua", Sylvia Day (Paralela)
11 - "A Culpa É das Estrelas", John Green (Intrínseca)
12 - "Felicidade Roubada", Augusto Cury (Benvirá)
13 - "Garota Exemplar", Gillian Flynn (Intrínseca)
14 - "Como Eu Era Antes de Você", Jojo Moyes (Intrínseca)
15 - "Para Sempre Alice", Lisa Genova (Nova Fronteira)
16 - "A Guerra dos Tronos", George R. R. Martin (LeYa)
17 - "A Menina que Roubava Livros", Markus Zusak (Intrínseca)
18 - "Box Cinquenta Tons de cinza", E. L. James (Intrínseca)
19 - "Uma Longa Jornada", Nicholas Sparks (Arqueiro)
20 - "A Revolução dos Bichos", George Orwell (Companhia das Letras)
Fonte: Publishnews (referente ao período de 01/01/2015 a 21/6/2015)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.