Raridade, HQ biográfica mostra Silvio Santos de camelô a apresentador
"Quem é este homem dotado de extraordinário magnetismo pessoal, tornando-se o principal animador de nossa televisão, que em popularidade perdeu apenas 1% para a transmissão da Apolo 11? Afinal, quem é Sílvio Santos? É o que procuraremos contar nestas páginas."
Assim começa "Silvio Santos: Vida, Luta e Glória", biografia em quadrinhos do apresentador que foi ilustrada por Sérgio M. Lima, escrita por Rubens Francisco Lucchetti e lançada em 1969 pela editora Prelúdio. A HQ, que teve um exemplar reencontrado recentemente, mostra em detalhes a história de Silvio até aquela época, dos tempos de camelô a dono de um império midiático.
Ler a obra é como entrar numa máquina do tempo. Por meio dela, é possível ter noção da surpreendente longevidade do sucesso de Silvio Santos, que dura mais de meio século. Em suas páginas, vemos o início humilde do apresentador, que, quando criança, já se interessava pelo carisma e a capacidade que os vendedores ambulantes tinham para prender atenção do público nas ruas do Rio de Janeiro. Logo, ele próprio se tornaria um camelô, vendendo canetas para ajudar a completar o orçamento familiar. Por conta disso, Silvio quase foi preso _episódio mostrado na HQ.
Dom para negócios
A publicação mostra ainda o início do trabalho do então futuro dono do SBT na Rádio Guanabara, onde começou narrando anúncios. Aos poucos, o dom de enxergar oportunidades de negócios de Silvio vai sendo revelada, principalmente na passagem em que ele resolve colocar um alto-falante na barca que realiza o transporte Rio-Niterói para entreter os viajantes. E também quando ele abre um bar, que faz muito sucesso, em frente à rádio Guanabara.
Lucchetti
Quando o Silvio recebeu o Baú, era um escritório sem cadeiras, com uma caixa para sentar. Como ele tinha um tino comercial fora do normal, viu que aquilo era uma mina de ouro
Outro trecho que chama atenção na HQ é o que revela os primeiros trabalhos de Silvio no circo, onde encarnava o herói Jerônimo no espetáculo "Jerônimo: o Herói do Sertão" e conheceu o humorista Ronald Golias e o cantor Agostinho dos Santos. Nessa época, impressionado com o entusiasmo de Silvio, o humorista e radialista Manuel de Nóbrega --pai de Carlos Alberto de Nóbrega e criador do programa "A Praça da Alegria"-- praticamente "deu" a ele o Baú da Felicidade, falando: "pague como puder, como quiser".
"Quando o Silvio recebeu o Baú, era um escritório sem cadeiras, com uma caixa para sentar. Como ele tinha um tino comercial fora do normal, viu que aquilo era uma mina de ouro", contou o roteirista Lucchetti ao UOL. Segundo o escritor, que tem 85 anos e é considerado um ícone do pulp nacional, ele criou roteiro da HQ após uma série de entrevistas com Silvio Santos nos anos 1960.
"Trabalhava para e editora Prelúdio e estava na casa do Silvio para me oferecer para adaptar a série de rádio dele 'Histórias que o Povo Conta' para os quadrinhos", disse Lucchetti. "Já de pé pra ir embora, me ocorreu: 'Não autorizaria uma biografia do senhor em quadrinhos?' 'Tudo bem', ele falou. Ele liberou sem nem pensar muito."
Lucchetti1
Ele é mesmo um fenômeno. Está com 84 anos e ainda em evidência. Não vejo paralelo a ele em lugar nenhum do mundo. É o perfeito comunicador
A partir de então, o roteirista passou a se encontrar semanalmente com Silvio nos estúdios da Rádio Nacional, onde o apresentador repassou toda a sua vida. "Cheguei lá e fiquei sentado no saguão", lembra Lucchetti. "Entramos numa salinha, e ele falou: 'eu vou te dar dez ou 15 minutos para você anotar, falo um pedaço hoje e depois nos próximos dias'. Além de seu tino comercial já conhecido, ele também tem uma mente primorosa para detalhes."
O roteirista ainda acrescenta: "Ele raramente dava entrevistas até naquela época. Quando diminuíam as vendas de revistas, elas 'inventavam' uma matéria com ele. Com ele na capa, uma revista vendia horrores".
Encontrada no "lixo"
O exemplar reencontrado faz parte do acervo pessoal do roteirista Lucchetti. Por pouco, no entanto, "Silvio Santos: Vida, Luta e Glória" quase foi parar no lixo. A HQ foi reencontrada pelo advogado Geraldo Cossalter, amigo da família de Lucchetti. Há cinco anos, ele ficou com uma caixa com fitas e livros antigos que foram descartados em uma limpeza na casa do escritor.
"No ano passado, eu abri esta caixa para dar uma olhada e a guardei novamente. Este ano eu me lembrei das HQs, as peguei e levei para o Lucchetti", disse Cossalter ao UOL. "Ele ficou emocionado, pois estas HQS estavam perdidas havia vários anos. Ele se emocionou, e eu acabei compreendendo que elas haviam 'ido para o lixo' por engano."
"A revista foi um fenômeno. Vendeu horrores. Acho que vendeu 200 mil exemplares, contra uns 70 mil do 'Histórias que o Povo Conta' --ideia original de revistas," afirmou Lucchetti, que se diz impressionado com a capacidade de Silvio Santos até hoje prender a atenção de telespectadores por horas a fio. "Ele é mesmo um fenômeno. Está com 84 anos e ainda em evidência. Não vejo paralelo a ele em lugar nenhum do mundo. É o perfeito comunicador."
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