Ameaçados, grupos teatrais lançam manifesto contra especulação imobiliária
Ameaçados de fechar por causa da especulação imobiliária, grupos teatrais de São Paulo planejam reagir. A primeira investida articulada pela Cooperativa Paulista de Teatro e o Motim (Movimento de Teatros Independentes) está programada para ocorrer nesta semana.
O manifesto “Em Defesa dos Territórios Culturais Ameaçados” deve ser lido durante ato público que reconhece 22 grupos teatrais como Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade de São Paulo. “Não é possível que o direito aos bens de mercado privado de poucos seja mais importante que o patrimônio cultural de muitos”, diz um trecho do documento.
O evento que acontece quarta, 17, a partir das 11h, no Centro Cultural São Paulo deve ficar marcado pelo primeiro protesto contra a situação de fragilidade em que se encontram grupos teatrais paulistas independentes, que no momento, correm potencial risco de perderem seus espaços.
Foi o que ocorreu em novembro passado com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que mistura a estética do teatro épico com a cultura hip-hop. Com quase 15 anos de estrada, sem fomento ou patrocínio, mas com o aluguel em dia, o coletivo independente, sofreu uma ação de despejo e teve que abandonar o galpão na Pompeia (zona oeste da cidade) onde funcionava há oito anos a sede da trupe.
Desde dezembro de 2013, o grupo tentava um acordo na Justiça com a Ink, proprietária do imóvel. Mas não teve êxito. A incorporadora planeja construir um condomínio no local. “No final de outubro, quando as negociações ainda estavam em curso, a Ink entrou com um pedido de liminar, em regime de urgência, para nos despejar”, conta Eugênio de Lima.
Brincante fica
Apesar das muitas semelhanças, desfecho um pouco diferente teve o Instituto Brincante. Em junho de 2014, o espaço dedicado à cultura popular recebeu um comunicado judicial que teria 30 dias para desocupar o prédio onde está desde 1992 na Vila Madalena (zona oeste). O local foi vendido a uma incorporadora.
Após meses de disputa judicial, acompanhada de mobilização nas redes sociais com a campanha #ficabrincante, decisão da Justiça no início de dezembro permite ao instituto permanecer no mesmo endereço durante todo o ano de 2015.
“O dono estava solicitando para uso próprio, mas sabíamos por que exatamente queria o prédio”, conta Rosane Almeida, atriz e dançarina, fundadora do Brincante ao lado do marido, o multiartista António Nóbrega.
“Nós tínhamos a ideia de propor a compra para a construção de uma escola, de um centro de cultura brasileira”. Mas, segundo Rosana, a incorporadora propôs uma troca, procedimento legal que retira o direito de compra do inquilino.
No final de 2015, o instituto mudará para um imóvel vizinho, de propriedade do casal. “É melhor do que sair em trinta dias, mas perdemos a chance de construir um espaço mais significativo para a cidade”, reclama Rosana.
Para ela, o drama promovido pela especulação imobiliária está apenas no começo. “Incorporadoras têm uma mentalidade predatória.”
Fim do teatro de rua
Assim como ocorreu com os cinemas de rua, artistas alertam que cenário teatral caminha para um modelo mais comercial, de grandes teatros e companhia gigantes. “Cada vez que um teatro de rua ou sede de grupo é fechada a cidade perde um espaço de interesse público”, declara Eugênio de Lima, do Núcleo Bartolomeu.
Também esse ano, o teatro CIT- Ecum teve que desocupar seu espaço em um imóvel localizado na Rua da Consolação (região central). “O proprietário não quis renovação do contrato, e deve vender o imóvel para um empreendimento da construtora Brookfield”, diz Ruy Cortez, diretor artístico da companhia.
Na ocasião, o grupo entrou com o duplo pedido de tombamento (bem material e bem imaterial) por meio do Conpresp (Conselho de Preservação do Patrimônio de São Paulo). O processo resultou na aprovação de 22 teatros como bens imateriais da cidade de São Paulo. Mas o pedido de tombamento material do imóvel foi negado, e a antiga sede do grupo permanece desocupada e fechada.
Plano diretor: luz no fim do túnel
A aprovação do Plano Diretor para a cidade de São Paulo é a esperança no fim do túnel para o CIT-Ecum e todos os demais grupos na mesma condição. Está previsto um corredor cultural que se estende através da Rua da Consolação entre a avenida Paulista e a praça Franklin Roosevelt. “Aguardamos que possa enfim, trazer instrumentos legais que permitam a preservação do imóvel”, diz Cortez.
Diretores de grupos reclamam que o crescimento da especulação imobiliária na cidade tem provocado uma alta abusiva dos alugueis, dificultando a permanência dos espaços que ironicamente foram os responsáveis pela revitalização da própria região. Um caso exemplar é o do grupo Satyros, na praça Roosevelt (região central).
“Quando chegamos à praça, era uma região abandonada e perigosa, imóveis estavam baratíssimos, tanto para venda quanto locação”, diz Rodolfo Garcia Vázques, fundador do grupo ao lado de Ivam Cabral. “Nesses anos todos, nossos alugueis subiram radicalmente e tornaram-se os mais abusivos do centro da cidade”.
A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo reconhece que a situação é crítica. “A expansão dos empreendimentos não leva em conta a importância pública que grupos teatrais possuem, como espaços que oferecem serviços culturais de qualidade à população”, diz Guilherme Varella, chefe de gabinete da secretaria.
O reconhecimento desses teatros como patrimônio imaterial, segundo ele, é o primeiro passo para estabelecer políticas de salvaguarda. “Cria a obrigação ao poder público de estabelecer medidas de proteção para os espaços nos próximos anos”.
De acordo com Varella, isso se inicia com a aprovação do Plano Diretor da cidade. “Com ele, foram estabelecidas as Zonas Especiais de Preservação Cultural - Área de Proteção Cultural (Zepec-APC), em que os teatros poderão obter benefícios para permanecer em suas sedes”.
Ele diz ainda que poderá também haver vantagens aos empreendimentos que preservarem os espaços de uso cultural. “A Prefeitura está regulamentando o plano para que os efeitos possam ser sentidos no próximo ano”, finaliza.
Não fecha porque é nosso. Compramos uma oficina de carro, que virou o teatro infantil de 50 lugares, e um galpão, e mantemos com recursos próprios"É nosso!"
No Rio, o mesmo drama, da especulação imobiliária, atinge a Casa da Gávea fundada por Paulo Betti na década de 1990. O espaço pode fechar as portas por causa do valor do aluguel. “É um pessoal extremamente importante para a cultura teatral carioca, e que não conta com apoio público”, comenta a atriz Marieta Severo, amiga do grupo. A reportagem não conseguiu contato com a Casa da Gávea até a publicação deste texto.
“Rio de janeiro é um gueto da zona sul, que está cada vez mais caro”, aponta. “Existem leis que protegem os teatros, mas estão sendo fechados e destruídos sem o menor problema”. Marieta cita o Teatro Glória, que funcionava dentro do Hotel Glória. “Foi comprado pelo Eike Batista, que destruiu tudo e não fez nada no lugar”.
Marieta Severo mantém ao lado da amiga, a atriz Andréa Beltrão, os Teatros Poeira e Poeirinha, inspirados nos espaços teatrais alternativas de São Paulo, que completam dez anos de vida na cidade maravilhosa.
“Não fecha porque é nosso”, afirma. “Compramos uma oficina de carro, que virou o teatro infantil de 50 lugares, e um galpão, e mantemos com recursos próprios”. Algumas permutas, apoios e um edital da Petrobrás, segundo ela, ajudam a manter a gratuidade da programação de espetáculos, residências artísticas e oficinas.
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