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Augusto Cury, best seller do país, é tratado como líder religioso por fãs

Augusto Cury é psiquiatra, psicoterapeuta e autor de best-sellers como "Nunca desista de seus sonhos" e "Seja líder de si mesmo" - Divulgação
Augusto Cury é psiquiatra, psicoterapeuta e autor de best-sellers como "Nunca desista de seus sonhos" e "Seja líder de si mesmo" Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

27/11/2014 06h00

“Os íntimos são aqueles que mais podem nos decepcionar”.

“Huuuum... Meu Deus!”, arregala os olhos uma jovem de tênis rosa, blusa rosa e celular rosa em mãos. Parece ter acabado de ouvir a maior revelação da sua vida.

O autor da frase que tanto causa impacto é o Dr. Augusto Cury, médico, psiquiatra e o escritor mais vendido do país, que palestra para um público de centenas de pessoas – a maioria mulheres com mais de quarenta – numa noite de quarta-feira, véspera de feriado, em um restaurante de São Bernardo do Campo.

Do lado de fora, cartazes diversos anunciavam o evento – algo bastante incomum quando se trata de escritores. É raro alguém conseguir contratar uma palestra de Cury, que recebe mais de 100 convites por mês, mas atende no máximo cinco e desde que o interessado concorde em, se preciso, aguardar alguns anos. Os compromissos são muitos e a motivação para que os cumpra é justamente semear suas ideias. “Quero contribuir com a humanidade, com todos os povos e culturas, para que o ser humano se torne minimamente autor da sua história”, diz em uma rara entrevista, concedida com exclusividade ao UOL, por telefone, enquanto estava hospedado em um hotel em Teresina, capital do Piauí.

Mas as palestras são secundárias na carreira de Cury. Seu principal filão, claro, são os livros. Apesar de não confiar muito nos números passados pelas editoras, já vendeu entre 24 e 25 milhões de exemplares no Brasil, é publicado em mais de 70 países e está em todos os continentes. Espécie de fábrica de best sellers, aparece em praticamente todas as listas de mais vendidos do país.

Desde outubro de 2013 está semanalmente nas apurações do Publishnews, importante veículo do mercado editorial, onde, entre 3 e 11 de novembro, emplacava “Felicidade Roubada” na relação de ficção e “Ansiedade: Como Enfrentar o Mal do Século”, “As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis” e “Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros” dentre os de autoajuda. Em setembro, também no Publishnews, chegou a ter 10 livros dentre os mais vendidos. No ranking da revista “Veja”, “Ansiedade” lidera a lista de autoajuda, na qual está há 46 semanas consecutivas.    

No momento, o autor está lançando “Petrus Logus: O Guardião do Tempo”, sua estreia na literatura juvenil. É o 38º livro em 15 anos – Cury começou a ser publicado em 1999.

Herói sem poderes

“Petrus vem de pedra, Logus vem de conhecimento. O conhecimento é o alicerce para as grandes transformações da humanidade”, explica Cury. A narrativa se passa no futuro, cem anos após a Terceira Guerra Mundial, motivada pela escassez de comida e água, em um planeta com cenário caótico: os recursos naturais foram dizimados, bem como 90% da população. Para remediar o estrago, proíbem tudo o que, segundo o autor, induz ao consumo irresponsável – não há mais computadores, celulares ou carros... não há mais indústria.
 

As coisas melhoram, mas, no reino de Cosmo, dominado pelo Rei Apolo, o ditador que tudo controla, a degradação humana se mantém. Quem vai contra os preconceitos, jogos de poderes e a escravidão é Petrus, justamente o filho do mandatário. “Ele é considerado louco por contribuir com a humanidade. Acreditava que ninguém pode ser verdadeiramente feliz sem a felicidade dos outros. Só tenho saúde emocional, tranquilidade e qualidade de vida quando invisto no bem-estar das pessoas ao meu redor, isso é o que há de mais importante na psicologia”, relata Cury.

As pretensões do autor ao escrever a obra foram grandes, “contagiar a juventude mundial para que deixe de ser escrava do consumo e seja livre no território da emoção, para que desenvolva a capacidade de se colocar no lugar do outro, usar as habilidades intelectuais para salvar o planeta”, enumera.

“O Harry Potter é sim importante, mas precisamos dar ferramentas para que os jovens se tornem autores da própria história”, enfatiza, lembrando que o bruxinho usava a magia para resolver seus problemas, enquanto seu herói juvenil pode recorrer apenas à sabedoria e à inteligência.

Enquanto fala sobre a obra na palestra, e quando diz que as pessoas precisam parar de “sofrer por antecipação”, de fazer “velórios antes da hora”, os presentes o olham compenetradamente. Poucas palavras são necessárias para que se portem como fiéis, que concordam com cada frase sua.

Hollywood

Os direitos de “Petrus Logus” já estão sendo negociados com estúdios de Hollywood para que a história seja transformada em filme. Outros sucessos do autor, como “Vendedor de Sonhos”, “Futuro da Humanidade” e “Felicidade Roubada” seguem o mesmo caminho. Algo surpreendente para quem garante não escrever para entreter e vê o sucesso como um acidente de percurso em sua história.

Cury era um psiquiatra que vivia com seu consultório lotado, atendendo até clientes de fora do país. Era requisitado principalmente por conta das teorias e técnicas que diz ter desenvolvido, sobre inteligência multifocal, o funcionamento da mente, o processo de construção do pensamento e formação de pensadores.

Foi para levar esse conhecimento a um número maior de pessoas que decidiu escrever livros. Entre o meio e o final da década de 1990, levou três anos procurando por alguma editora que aceitasse publicá-lo. Encontrou a Cultrix, que topou colocar “Inteligência Multifocal” no mercado. O livro trazia o conteúdo das áreas da psicologia exploradas pelo autor, contudo, poucas pessoas o compreenderam. “Aí que percebi que deveria democratizar o acesso, simplificando a linguagem para que as pessoas entendam o complexo mundo da mente humana”, lembra.

Harry Potter

  • Reprodução

    O Harry Potter é sim importante, mas precisamos dar ferramentas para que os jovens se tornem autores da própria história.

    Augusto Cury, que acaba de lançar livro sobre sociedade pós Terceira Guerra Mudial

Ao simplificar o discurso, passou a ser encarado por muitos como um autor de autoajuda, termo que refuta fortemente, argumentando que suas obras são usadas até em cursos de mestrado e doutorado de diversos países do mundo. Mas, ao simplificar o discurso, também encontrou o caminho para formar o seu enorme público – hoje, só no Facebook, é seguido por mais de 670 mil pessoas e afirma ter 40 milhões de leitores no país.

Casado e pai de três filhas, o autor vive no interior de São Paulo e é um leitor voraz de jornais – aprecia principalmente artigos de economia, política e sociologia. Também gosta de livros históricos e lembra que escreveu “O Colecionador de Lágrimas”, sobre a maneira que Adolf Hitler “devorou o inconsciente coletivo da Alemanha” na Segunda Guerra Mundial.    

Garante que a fama pouco importa. “O culto à celebridade é o sintoma de uma sociedade doente. Todos vão para o túmulo. Para quem estuda o processo de formação do pensamento e pensadores, não dá tempo para ter orgulho ou achar que somos gigantes, deuses. Sou deslumbrado com a vida, com os mistérios da existência. O sucesso é efêmero”. Foi por isso que refutou, em 2009, um desafio proposto por Paulo Coelho, que duvidou dos números de vendas de Cury. Na ocasião, o mago sugeriu que ambos apresentassem notas fiscais que comprovassem a quantidade de livros comercializados.

Abracem-se

Ao chegar para a palestra, cada pessoa recebeu um copinho de água mineral e um formulário do Instituto Augusto Cury com perguntas como “Sente-se entediado frequentemente?” e “Tem pouca paciência com pessoas que considera lentas?” que indicariam sua qualidade de vida. Abaixo, um campo para ser preenchido, destacado e depositado em uma urna. Garantem que alguém do Instituto entrará em contato com todos os interessados em melhorar como humano. Cury ainda promete que o Instituto lançará em breve uma grande novidade, que será um presente para todos os ouvintes.

“Quando seus sonhos são verdadeiros projetos, o mundo pode desabar sobre você. Mas se forem desejos, os desejos não resistem à segunda-feira”, continua após mais de uma hora. Pede para que todos relaxem os braços, as pernas, abracem a si mesmo e repitam: “De hoje em diante eu procurarei ter um romance com minha saúde emocional”. E todos realmente se auto abraçam e repetem.

Quando indica que a palestra está chegando ao fim, dezenas de pessoas se levantam e correm para o lado do palco. Formam uma enorme fila para que consigam um autógrafo do escritor, que promete só deixar o lugar após atender todos os fãs. Em suas últimas palavras, mais um coro: “ser simpático, carismático e empático” - a essa altura já há quem o recite de olhos fechados, como em uma oração. Ao cabo, pede para que cada um abrace quem está ao seu lado. E se abraçam.