Topo

Mohsin Hamid diz que autores brilhantes não ganharam dinheiro com livros

O escritor paquistanês Mohsin Hamid - Jillian Edelstein/Divulgação
O escritor paquistanês Mohsin Hamid Imagem: Jillian Edelstein/Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em Paraty

01/08/2014 06h00

O escritor Mohsin Hamid já viveu em três continentes. Quando criança, na Califórnia, conviveu com amigos de diversas partes do mundo. Na adolescência regressou ao seu país natal, o Paquistão, onde as novas amizades foram fundamentais para que conseguisse se manter em uma sociedade com dificuldades típicas de países emergentes. Na casa dos 30, de Londres, viu como a Europa sabia combinar a história, as antigas cidades, com o olhar e a preocupação com o futuro.

Agora, na quarta década de sua vida, está novamente no Paquistão, em Lahore, onde aprecia a proximidade da família e o contato diário com os filhos. Garante que todos os lugares por onde passou são importantes e diz que é uma mistura de todas essas diferentes culturas, como um cachorro de raças mescladas. "O Paquistão é a minha casa, mas a verdade é que eu não me sinto completamente em casa em lugar nenhum". 

Nesta sexta-feira (1º), Mohsin --ele prefere ser chamado pelo primeiro nome-- está em mais um lugar onde, provavelmente, também não se sentirá completamente em casa. Ele compõe com Antonio Prata a mesa "Livre como um táxi" na Flip 2014 (Festa Literária Internacional de Paraty). "Mais de um escritor já me falou que é o melhor festival literário do mundo, que Paraty é uma cidade linda, então a minha expectativa é bastante alta", contou ao UOL.

Mohsin cresceu nutrindo admiração pelo Brasil. Quando jovem, jogava futebol na escola e se inspirava na seleção brasileira. No começo da fase adulta, viveu com um amigo brasileiro em Boston que lhe falava muito da cultura do país. Talvez daí tenha conhecido e se tornado fã de Gilberto Gil e João Gilberto. Também ficou admirado ao assistir "Cidade de Deus".

Da literatura, destaca a edição da revista "Granta" com os 20 melhores jovens escritores do país. "Mas, nas livrarias, é difícil encontrar obras de escritores brasileiros traduzidas para o inglês", lamenta. Ainda assim, conseguiu uma tradução de "Leite Derramado", de Chico Buarque, livro que julgou "excelente" e que guarda semelhança com sua obra. "Em alguns momentos ele também utiliza a segunda pessoa", lembra.

Vendedor de água na Ásia emergente

Quando fala da segunda pessoa, Mohsin refere-se a uma das características mais marcantes de "Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente", seu livro mais recente, escrito de forma a se dirigir ao leitor ("Alguns meses atrás você contratou um irmão dela para trabalhar em sua firma", por exemplo). "A segunda pessoa é bela de maneira diferente. Às vezes as pessoas a utilizam para falar de si mesmas, outras vezes soa como terceira pessoa, mas no livro não, ela realmente fala com o leitor, então gera uma conexão. Isso é comum nos textos religiosos, por exemplo, que apresentam Deus falando contigo. A segunda pessoa também é interessante porque faz pensar quem é o 'você'? Um criador? Um personagem? Um leitor?", argumenta.

Dirigir-se diretamente ao leitor é inerente ao estilo que o paquistanês escolheu para seu livro, um romance que parodia os manuais de autoajuda. Explica que fez a opção por conta do sucesso dos títulos do gênero em todos os lugares do mundo. "Há uma obsessão das pessoas por esse livros", diz. Mas não é só isso, também entende que os próprios romances são uma forma de autoajuda, ao menos para os escritores que criam as histórias, e que também podem trazer benefícios aos leitores. "Os livros religiosos são os primeiros títulos de autoajuda e trazem histórias".

"Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente" acompanha a trajetória de um pobre garoto cujo objetivo de vida é enriquecer e encontra a oportunidade para tal em negócios à margem das leis. Depois de vender alimentos com prazo de validade adulterado, o protagonista monta a sua própria empresa para comercializar água engarrafada, algo que Mohsin aponta como emblemático. "A água está em todo lugar, em São Paulo, em Cairo. A maior parte do corpo humano é feita de água. Você pode sobreviver sem comer durante algumas semanas, mas não sem beber água. Então, vendê-la é uma forma de dizer que, para você continuar vivo, precisa pagar".

Enquanto se empenha na sua trajetória em busca de dinheiro, o protagonista também tenta manter algum relacionamento com uma "mulher bonita" --assim que ela é chamada em toda a obra-- por quem se apaixona na juventude e reencontra em diversos momentos decisivos de suas vidas.

Um sortudo

Esse é o terceiro livro do escritor e o que levou menos tempo para ser escrito: seis anos. Os outros dois trabalhos, que consumiram sete anos cada --por isso ele diz representarem muito de sua vida, afinal, em 20 anos escreveu três títulos--, são "Moth Smoke", de 2000, e "O Fundamentalista Relutante", de 2007,  sobre um paquistanês que tem a vida que leva nos Estados Unidos abalada pelos ataques de 11 de setembro de 2009.

Esta segunda obra vendeu mais de 1 milhão de cópias pelo mundo, foi adaptado para o cinema em 2012 e transformou Mohsin em um escritor renomado. "Ele é um livro importante, mas, na carreira de um escritor, é preciso saber o que é exatamente importante. Claro que o trabalho duro é essencial, mas a sorte também é. Muitos escritores brilhantes não ganharam dinheiro com seu trabalho, morreram antes de serem reconhecidos. No meu caso, consegui fazer um best-seller, ganhar dinheiro com ele e agora posso viver no Paquistão escrevendo meus livros, isso é muita sorte".

E talvez o próximo livro de Mohsin demore mais alguns bons anos para ficar pronto. A perspectiva atual, ao menos, não é favorável. Ele conta que está completamente confuso, com algumas ideias desorganizadas, e por isso está em uma fase de aridez criativa. Contudo, ao menos tem eventos para participar. Após a Flip, por exemplo, estará no dia 6 de agosto no Rio de Janeiro, para um bate-papo.