Livro inacabado de Ubaldo reúne histórias dos bares do Leblon, diz o filho
O novo livro ao qual o escritor João Ubaldo Ribeiro, 73 anos, se dedicava e escrevia em sigilo, antes de morrer na madrugada da última sexta-feira (18), conta histórias que se passam bares no Leblon, bairro onde ele morava, na zona sul do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada pelo filho, Bento Ribeiro, que contou que o pai ocupava o seu tempo reunindo material para a obra, ainda sem título.
“Eram contos do Leblon narrados por um baiano. Tem muito da linguagem típica da Bahia, era um apanhado de várias historias e crônicas sobre o bairro”, contou Bento, que admite não ter lido nenhum trecho do livro. “Quem lia as obras do meu pai antes de estarem prontas era sempre a minha mãe (Berenice)." Segundo Bento, porém, o pai lhe contou que estava escrevendo o livro do ponto de vista de um narrador baiano.
Morto devido a uma embolia pulmonar, Ubaldo foi enterrado às 10h deste sábado (18), no túmulo de número 32 no Mausoléu dos Acadêmicos da ABL, no cemitério São João Batista, em Botafogo.
Nascido em Itaparica, Ubaldo cultivava grande amor pela ilha baiana, sempre lembrada em suas obras. Por baixo do fardão usado como uniforme pelos acadêmicos da ABL, o escritor vestia uma camisa com uma foto de Itaparica, ao ser sepultado. E em cima do caixão, foi colocada uma camiseta do Bloco Areia, que o homenageou no último Carnaval.
“Senhor da palavra”
“É impossível não ficar emocionado, era meu amigo”, afirmou o acadêmico Domício Proença, que contou ter sofrido um grande impacto ao saber da morte do amigo. “João era uma pessoa preocupada com duas coisas fundamentais: a nossa identidade como povo e a língua que ele cultivava como poucos. João era um erudito e dominava todos os registros do idioma, era um senhor da palavra”, lamentou.
Na opinião de outra acadêmica, a escritora Nélida Piñon, a obra de Ubaldo permanecerá atual. “A obra de João Ubaldo aporta a essencialidade e vai enfrentar também os favores e desfavores do tempo. Vamos resgatá-lo sempre para que não seja esquecido. Acredito na obra dele, é uma obra que perdura e que vai deixar grandes exemplos. Ele semeou maravilhas, semeou a grandeza da língua portuguesa. Todo escritor, ao utilizar a magia da língua portuguesa, amplia nossa visão de Brasil e traz traços da nossa identidade”, disse.
Piñón defendeu ainda que os livros “Viva o Povo Brasileiro” e Sargento Getúlio”, de Ubaldo, devem ser resgatados por representarem o “ponto alto” de sua obra. “Vamos pô-lo dentro da moldura da história”.
Linguajar destemperado
Piñon relembra os momentos em que conviveu com Ubaldo. “Como pessoa, ele era muito engraçado e irônico. Tinha um linguajar destemperado, era capaz de dizer o que quisesse. Sem contar a naturalidade com a língua. Cada vez que ele era irreverente com uma frase, ele se cercava de um fundamento linguístico muito sólido. Era um homem muito culto. Eu tinha uma grande estima, amizade e admiração por ele.”
Outro acadêmico, o linguista Evanildo Bechara, afirmou estar ressentido pela morte de mais um acadêmico, além de Ivan Junqueira, falecido o dia 7 de julho.
“Mal terminamos de enxugar as lágrimas com a morte do Ivan, surge agora o falecimento do Ubaldo, foi inesperado. A Academia e a literatura brasileira se sentem órfãos nesse momento. Ubaldo era não somente o grande romancista, mas também um homem de pensamento”.
Bechara se diz admirador das crônicas de Ubaldo, que, segundo ele, reúnem “uma estrutura de pensamento, amor ao Brasil e esperança no povo brasileiro”.
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