Fiel a Caetano, Jorge Mautner se diz a favor de censura prévia a biografias
A defesa da livre circulação de biografias, sem a necessidade de autorização de personagens ou de seus herdeiros, foi unânime entre convidados do Festival de Biografias, em Fortaleza. Uma única voz destoou da grande maioria: o músico Jorge Mautner. Ao ser questionado pela reportagem do UOL sobre a controvérsia das biografias não autorizadas, o músico afirmou ser contrário às mudanças na atual legislação, e a favor de censura previa. “Sou contra, mas acho inevitável que (a Ação Direta de Inconstitucionalidade) seja aprovada”. E emendou em seguida: “Mas, com ressalvas”. A declaração foi feita em um debate no evento, no qual o músico falou extensamente sobre sua participação na luta pela redemocratização do país.
“Nunca tinha pensado sobre isso, mas minha lealdade à amizade com Caetano e Gil é tamanha que, mesmo sem saber, assino embaixo do que estão falando, depois consigo os argumentos, que neste caso são válidos, porque falam da liberdade do indivíduo”, disse Mautner. “Paula Lavigne é o máximo, Flora, Gil e Caetano também, somos uma família”. O risco de biografias não autorizadas afetarem famílias dos personagens, foi outra justificativa que o artista usou para validar sua opinião. “Tem os filhos, os netos, entre outros, que podem aparecer na biografia”.
Segundo Mautner, um amigo tentou convencê-lo a rever sua opinião, insistindo que o foco da mudança seriam as biografias de políticos, para uma varredura anticorrupção. Ainda assim, o músico se manteve intransigente e fiel à turma. “Minha amizade com Gil e Caetano é maior”. E ressaltou que acha perigoso fazer biografia de políticos. “Temo pela vida dos biógrafos, e pelo que alguns políticos podem fazer. A realidade é terrível, podem matar um netinho ou outra pessoa sem que nada aconteça, é um risco muito grande”.
Último refúgio de intimidade do artista
“O mundo hoje não tem privacidade, é tudo invadido”, reclamou Jorge Mautner. “Estamos simultaneamente sendo filmados por satélites e fotografados o tempo todo, mas isso é feito pelos serviços secretos para nossa proteção, então tudo bem”.
Ele se disse admirador dos biógrafos brasileiros, mas ressaltou que a questão passa por dois territórios delicados, o de direitos de herdeiros e o da personalidade do biografado. O músico defende que seja resguardado o que chamou de “último refúgio de intimidade e individualidade do artista”. Mas enfatizou acreditar na mudança da legislação. “É a marcha da história”, diz.
Questionado pela reportagem do UOL sobre a aparente contradição entre a postura libertária e o apoio à censura previa, respondeu citando trecho de uma música composta em parceria com Zé Miguel Wisnik: “Os erros e os defeitos cotidianos fazem parte dos direitos humanos e a liberdade é bonita, mas não é infinita. E acredite, a liberdade é consciência do limite”.
Cinebiografia
O documentário “Jorge Mautner: Filho do Holocausto”, de Pedro Bial e Heitor D’Allincourt, foi exibido na noite de sábado (16), dentro da mostra de cinebiografias do festival em Fortaleza. Provavelmente para evitar a imprensa, devido à polêmica em torno das biografias não autorizadas e de seu apoio incondicional ao grupo Procure Saber, não estava previsto que o artista participasse do debate que ocorreu após a exibição do longa. Somente após o término do filme foi anunciado ao público sua presença no bate-papo.
Outras três cinebiografias foram apresentadas no espaço do Festival de Biografias dedicado ao cinema: “Outro Sertão”, de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela (sobre Guimarães Rosa); “Jards”, de Erik Rocha (sobre o compositor Jards Macalé) e “A Arte do Renascimento - Uma Cinebiografia de Silvio Tendler”, de Noilton Nunes.
Jorge Mautner e Jards Macalé também foram a principal atração da programação musical do evento. Além de shows individuais, os dois artistas dividiram o palco, na noite de sábado, para tocarem juntos algumas músicas, como a antológica “Vapor Barato”, de Jards Macalé e Wally Salomão.
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