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Em museu suíço, criador de Alien materializa pesadelos em obras sombrias

Eduardo Vessoni

Do UOL, em Gruyères (Suíça)

31/10/2013 06h00

Entre construções históricas aos pés dos Alpes e tranquilas ruelas medievais que só se agitam com a chegada de turistas estrangeiros ávidos por chocolates e fondue, a minúscula cidade de Gruyères, na Suíça francesa, guarda um museu inteiro dedicado a Hans Ruedi Giger, artista suíço que ganhou o mundo (e um Oscar) com os efeitos visuais criados para a franquia "Alien", um dos maiores clássicos da ficção científica.

  • 04.set.2013 - H.R. Giger na abertura da mostra Ars Electronica 2013 em Linz, na Áustria

Os clichês alpinos encontrados do lado de fora parecem não combinar com o mundo surreal e perturbador em exibição no interior do museu. E que assim seja. Inaugurado em 1998 no interior do Château St. Germain, um castelo de mais de 400 anos, o Musuem H.R. Giger abriga a maior coleção deste artista plástico (e também escultor, pintor e cenógrafo) nascido em Chur, a cidade mais antiga da Suíça.

Dividido em três andares revestidos por paredes negras e chão com hieróglifos em alto-relevo com obras de Giger, o espaço abriga 250 obras como esculturas, desenhos, pinturas monocromáticas em grande formato feitas com aerógrafo (com o qual já acumula mais de 600 trabalhos realizados com a técnica) e bonecos originais criados por Giger para a sequência de quatro filmes que teve início em 1979 com direção de Ridley Scott.

Embora sua arte tenha fortes influências surrealistas que podem ser percebidas em quase toda a coleção do artista, os fãs devem se sentir em um paraíso sombrio, onde a atenção está voltada mesmo para as diversas facetas de Alien, seu mais popular cartão de visitas. Como em uma tela viva em 3D, é possível ficar cara a cara com o alienígena original do planeta LV-426 que alterou a rotina da tripulação da nave Nostromo, no primeiro filme de 1979.

Ali é possível ver os desenhos originais que Giger fez para a versão mais moderna do alienígena, em "Alien 3", entender o mecanismo por trás do monstro babante que aterrizou a tripulante Ellen Ripley (personagem vivido pela atriz Sigourney Weaver) em uma das cenas mais icônicas da saga, e conhecer algumas das esculturas e quadros que fazem referências ao filme. Tem também Alien de pé, escalando as paredes e pendurado no teto, em uma espécie de show room desenhado, minuciosamente, para os fãs de um dos alienígenas mais lembrados da história do cinema.

Arte incompreendida
Embora seja considerado um dos artistas mais ousados de sua época, Giger e sua obra ainda são incompreendidos (e muitas vezes rejeitados) por jornalistas e outros profissionais da área artística.

Seria fantástico se realmente houvesse unanimidade sobre sua arte. Normalmente, os artistas que conseguem mergulhar no mais íntimo do seu trabalho são vistos como controversos ou perturbadores

Carmen Giger, mulher do artista

O suíço faz arte com elementos mórbidos que se materializam em trabalhos de tons sombrios e cheios de detalhes. Visitar o museu, que em 2012 foi visto por quase 37 mil pessoas, é como ter a oportunidade de percorrer a mente humana em uma viagem visual em que os próprios medos e pesadelos de Giger serviram de inspiração.

"Seria fantástico se realmente houvesse unanimidade sobre sua arte. Normalmente, os artistas que conseguem mergulhar no mais íntimo do seu trabalho são vistos como controversos ou perturbadores", lamentou a mulher dele, Carmen Giger, ao UOL.

A arte de inconfundíveis traços surreais causa fascínio até hoje, mesmo depois de mais de três décadas após o lançamento do primeiro "Alien". Carmen, que também é diretora do museu, acredita que isso se deve à qualidade atemporal e honestidade de sua obra, que fascina inclusive a geração mais jovem e que não cresceu com imagens clássicas do "Alien" e do "Poltergeist 2", outra contribuição de Giger para a indústria cinematográfica.

"As coisas assustadoras me satisfazem", afirmou o artista em um dos trechos de "H.R. Giger Revealed", documentário lançado em 2010, em que o cineasta David N. Jahn percorre um caminho em que o público custa distinguir o limite entre arte e as próprias questões psicológicas de Giger.

Aos 73 anos, o artista já não concede mais entrevistas, o que talvez torne sua obra ainda mais fascinante e misteriosa, embora Carmen faça questão de lembrar que Giger nunca tenha tido tal intenção. "Após uma vida dedicada às artes, tudo o que havia para ser dito já foi explicado em entrevistas", afirmou ela, categoricamente, encerrando a discussão do assunto.


Aposentadoria
Longe da rotina enlouquecedora de Hollywood e passada a fase de popularidade por conta da sequência de filmes que levaram seu nome para o mundo, Giger desfruta agora de sua aposentadoria em Zurique e, raramente, contribui para o mundo da ficção científica.

Os trabalhos de Giger

"Alien" (1979) e "Alien 3" (1992) são seus trabalhos mais populares, mundialmente, onde Giger assina o design do alienígena.
Em 1995, Giger também ajudou na criação da versão sensual alienígena do personagem Sil do filme "A Experiência".
O último trabalho no cinema foi "Prometheus", dirigido por Ridley Scott que explica a origem do Alien
Giger deixou a pintura em 1990 e, desde então, se dedicou a alguns trabalhos na indústria musical. O artista desenhou um pedestal de microfone para o vocalista Jonathan Davis, da banda Korn.
Os traços sombrios do artista também ganharam capas de discos, entre eles o quarto álbum da banda de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer, "Brain Salad Surgery" (1973).
Giger dirigiu e atuou no vídeo clipe da música "Backfired" que Debbie Harr, ex-Blondie, gravou para a promoção do seu álbum "Koo Koo" em carreira solo.
A arte de "Brain Salad Surgery" (Emerson, Lake & Palmer) e a de "Koo Koo" (Debbie Harry) foram escolhidas pela "Rolling Stone" como uma das cem melhores capas de todos os tempos

O afastamento voluntário talvez seja pelo temor da velocidade da fama logo após a estreia de "Alien". Descoberto pelo roteirista Dan O'Bannon, que em 1978 entregou para o cineasta Ridley Scott a cópia do livro "Necronomicon" escrito por Giger, o artista suíço se veria, no ano seguinte, concedendo 23 entrevistas para canais de televisão em um único dia e recebendo, em 1980, a premiação cinematográfica mais cobiçada: o Oscar, prêmio que ele e sua equipe conquistaram por conta dos efeitos visuais criados para o primeiro filme da saga alienígena.

A estatueta conquistada, bem como o certificado da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles, também estão expostos no local. No último andar, o museu guarda ainda a coleção particular adquirida por ele com 50 trabalhos assinados por artistas como Ernst Fuchs, Dado, François Burland e Marlyse Huber.

Giger também é fã da arte de Hieronymus Bosch, pintor holandês do século 15 conhecido por seus trabalhos de conteúdo fantástico; de Alfred Kubin, ilustrador expressionista de tons quase monocromáticos; e do catalão Salvador Dalí, cujo currículo surrealista dispensa explicações.

Outra influência importante na obra de Giger é o austríaco Ernst Fuchs, arquiteto, pintor, escultor, artista gráfico, desenhista, cenógrafo, compositor, poeta e fundador da Escola do Realismo Fantástico de Viena, em 1948. Mas sua maior inspiração parece mesmo vir de dentro e tem suas próprias experiências como fonte para sua arte, sobretudo aquelas vividas em sonhos, pesadelos e medos pessoais.


Museum HR Giger
Onde: Château St. Germain (Gruyères, Suíça)
Horário: Diariamente, das 10h às 18h (de abril a outubro); e de terça a sexta, das 13h às 17h, e sábados e domingos, das 10h às 18h (entre novembro e março).
Ingressos: CHF 12.50
Mais informações: www.hrgigermuseum.com