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"Não temos medo do governo", diz autor de HQ sobre ativismo digital

Estefani Medeiros

Do UOL, em Berlim

26/09/2013 07h00

Ele é um jovem gênio da tecnologia envolvido com governantes. Confronta e derruba sites do governo, vaza informações sigilosas de diversos tipos e programa protestos pela internet. O nome dele é Edwin Hiccox, protagonista da HQ de ficção "Hacktivist", lançada pela editora independente Archaia. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Será?

"[Um hacktivista] É um tipo raro de pessoa, alguém que não só reúne as habilidades para hackear um sistema, mas a paixão para ajudar e fazer um bem maior. A raiz da palavra, 'ativismo', precisa realmente dominar o perfil', explicou ao UOL Collin Kelly, um dos roteiristas da HQ. "Tem um computador? Habilidades com redes? Tem um desejo de permitir a liberdade de informação em todo o mundo? Parabéns, você é um hacktivista. Mas é só isso, porque nenhum governo gosta de um denunciante", completou Lanzing.

Entenda "Hacktivist"

Edwin Hiccox e sua melhor amiga, Nate Enxerto, fazem parte de um coletivo hacker chamado sve_urs3lf. Ambos se envolvem em uma revolução na Tunísia pós-Primavera Árabe. "Esta história é sobre dois amigos que querem mudar o mundo e vão se descobrir em diferentes lados de um conflito, o que vai colocar sua lealdade, seu patriotismo e sua humanidade em um teste final", disse Collin Kelly

A menção do roteirista ao "denunciante" se refere ao caso de Edward Snowden, ex-agente da NSA (Agência de Segurança Nacional norte-americana), que atualmente está exilado na Rússia após vazar documentos sigilosos do exército. Lanzing garantiu que os roteiros da história em quadrinhos já estavam prontos quando o caso de Snowden surgiu, mas que é "estranho e terrível ver a ficção tornar-se subitamente real diante dos seus olhos".

Com tons de verde à lá "Matrix" e referências a códigos de programação, o projeto de "Hacktivist" é encabeçado pela filantropa Alyssa Milano, atriz norte-americana famosa por estrelar filmes adolescentes da década de 1990 e por interpretar uma das bruxas da série de TV "Charmed". Além de Collin Kelly, o roteiro é assinado também por Jackson Lanzing, com ilustrações de Marcus To e Ian Herring.

Segundo Kelly, ele e Lanzing acompanharam a "situação no Brasil de perto". "A inspiração para esta história vem do mundo todo. Os cidadãos do mundo estão descobrindo que a internet é um catalisador muito real, mas é uma ferramenta de controle, tanto quanto da liberdade. Tudo se resume às pessoas, e o que elas fazem para mostrar seu poder", disse Kelly.

Pós-Primavera Árabe e Vale do Silício
Kelly contou que ele e Jackson já acompanhavam a instabilidade no Oriente Médio e em todo o mundo com "ávido interesse" quando receberam a proposta da HQ. "A Alyssa nos entregou pastas pretas e grossas de couro cheias de artigos extraídos de dezenas de fontes, esboçando o estado atual da cultura hacker, do cyber crime e da revolução digital", relembrou.

Para o autor, a forma como o povo se fez ser ouvido na Primavera Árabe marcou a data de início das revoluções nas redes sociais. "A situação na Tunísia era algo que Collin e eu estávamos muito apaixonados, incluindo dentro da História. A revolução tunisiana de 2011 democratizou a região. Enquanto eu estava usando o Twitter para falar sobre filmes do 'Superman', esses jovens estavam usando para melhorar o país. Foi inspirador".

Apesar do otimismo, a corrupção entre os governantes eleitos democraticamente também será um dos pontos abordados nos textos, além do uso da internet como ferramenta para divulgar revoltas. "É um mundo fascinante para explorar como criador, porque esses ativistas são incrivelmente inteligentes. E você tem que acompanhá-los, mesmo que você seja apenas um escritor de quadrinhos", disse Lanzing.

Na contramão do mundo árabe, os roteiristas creditam como referência o Vale do Silício, maior centro de empresas de tecnologia da Califórnia, onde estão as sedes do Google e Facebook, como um dos cenários. Lanzing disse que "o esboço da Alyssa se inspirava em Jack Dorsey, fundador do Twitter e Square. Sua sede de inovação e liberdade é puro hacktivismo, o que era uma faísca para o conceito original".

Sem tomar partido
Os autores se apropriam de personagens da vida real, mas não necessariamente tomam as referidas posições políticas, sem apontar heróis ou vilões. Isso tira dos balões de conversa qualquer panfletagem pró ou contra os ativistas digitais --além de livrar os autores de problemas.

"Nós não somos anarquistas, não estamos defendendo a revolução. Estamos simplesmente explorando esse tema. O livro em si não é um protesto. É apenas um livro. Não temos nem um pouco de medo do governo", despistou Lanzing. 

Lanzing prevê que no futuro "a tirania do governo não poderá sobreviver em um sistema onde a informação e a comunicação são gratuitas. Essas coisas que permitem que as pessoas se organizem, levantem, desafiem e desobedeçam. E ao contrário de todos os tempos antes deste, os governos não podem fazer nada em relação a isso. As façanhas estão superando as defesas".