"Adoraria ver algo do Brasil em 'Assassin's Creed'", diz autor do game
Um dos destaque internacionais que participou da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, o norte-americano Corey May tem uma aparência que se esperaria do dono de uma startup de tecnologia do Vale do Silício, com roupas funcionais e cabelo desregrado. Ele não escreveu um único livro, mas a história que ajuda a criar desde 2007 se tornou um fenômeno editorial no Brasil com mais de um milhão de edições vendidas.
O paradoxo se explica porque May é um dos principais roteiristas da série de videogames "Assassin's Creed", uma das mais populares do mundo. Adaptadas pelo escritor Oliver Bownden e trazidas ao Brasil pela Galera Record, as quatro obras já lançadas se tornaram best sellers no Brasil, dominando as listas de mais vendidos dos últimos anos com mais de 450 mil exemplares.
Desenvolvido pelo Ubisoft, o game de "Assassins Creed" mistura conspirações, misticismo e ficção científica ao contar a história através dos séculos da guerra entre as facções dos Assassinos e Templários. Os grupos se enfrentam em busca de informações de uma civilização anterior à humana e pelo controle de poderosos artefatos. Uma versão para o cinema está em estágios iniciais de produção, com Michael Fassbender no papel principal.
O roteirista, que passou da produção de cinema para a mídia interativa dos games, disse ao UOL em São Paulo que ficou surpreso com a recepção do público brasileiro na Bienal. "Eu me surpreendi ao encontrar um pai e uma mãe que não conseguiram entrar no [universo do] game junto do filho por ser muito difícil, mas ficaram sabendo dos livros e começaram a ler e se tornaram fãs da franquia", falou. Corey May conversou também sobre a convergência entre literatura e games e como os livros estão levando a história para um público que fica mais à vontade com a literatura do que com um controle em mãos.
UOL - O que o levou a trabalhar com videogames?
Corey May - Eu amo jogos e sempre quis trabalhar com jogos. Eu sou formado em economia e estudei produção de filmes, não tinha formação no ramo. Acho que tive muita sorte. Quando estava na faculdade eu procurei todas as distribuidoras de jogos que havia, mas não para alguma função específica. Era algo do tipo: 'Posso ir aí? Faço qualquer trabalho', só que nunca alguém me respondeu. Eu me formei, fundei uma empresa de produção cinematográfica e comecei a vender filmes em Hollywood. E, nessa época, assinei com uma agência de talentos. Isso foi no início dos anos 2000. Havia uma demanda de desenvolvedores de jogos para trabalhar com pessoas de Hollywood e assim conheci algumas pessoas da Ubisoft, o que me levou para um trabalho lá. Não foi nada muito formal, apenas uma série de reuniões e tudo acabou funcionando. Acho que foi bem pouco ortodoxo. Eu nunca me vi como alguém que escreveria em tempo integral, nunca imaginei que seria o meu emprego, mas foi uma oportunidade para trabalhar com videogames. E levou alguns anos e algumas tentativas para entrar no fluxo da coisa, mas deu certo.
Quais são os desafios específicos de trabalhar em uma mídia interativa como os videogames?
Precisamente a interatividade. É desafiador, mas traz uma série de oportunidades. Algo que falamos muito ultimamente é que os games contam duas histórias. Há a história do personagem e a história do jogador, a experiência que você tem como jogador quando interage com o jogo. E acho que é o papel do roteirista se certificar que essas duas histórias sejam o mais próximas possível. Se elas se afastam é criada uma ficção e isso pode desconectar o jogador do mundo. O trabalho de todos na equipe, e principalmente os focados na narrativa, é alinhar essas duas histórias. E o fato de ter que contar duas histórias ao invés de uma é o maior desafio. Livros, TV, filmes, tudo é muito unidirecional no conteúdo que levam ao indivíduo e relativamente passivo. A interatividade pode ser muito difícil.
Capa do último dos quatro livros da série lançados no Brasil, "Assassin's Creed: Renegado": sucesso editorial surpresa
Como foi a interação com os fãs brasileiros na Bienal?
Foi emocionante e inspirador. Foi incrível conhecer os fãs. Quando você fica trancado no escritório o tempo todo começa a perder a perspectiva, e encontrar com as pessoas e ouvir o quanto elas gostam do trabalho que temos feito é fantástico. Foi algo que me revigorou e me motivou a continuar trabalhando, saber que têm pessoas tão interessadas no que fazemos. Está sendo uma experiência maravilhosa e o país é incrível também. Eu adoraria ver algo do Brasil ambientado em 'Assassin's Creed". Há uma história tão rica e acho que os ambientes cabem tão naturalmente com o nosso sistema de movimentação do personagem. É algo que vou certamente discutir quando voltar para Montreal. Talvez acabe em um livro ou um quadrinho, ou talvez não dê em nada e eles me mandem ficar quieto e voltar ao trabalho [risos] Há algo muito inspirador aqui, também com os fãs, que me deixa energizado.
Os livros seguem de maneira bem fiel a história dos games. Você considera uma narrativa inédita para os livros?
Eu gostaria de ver muitas coisas com os livros, mas eu não sou o chefe. Uma coisa específica, e acho que o sucesso das adaptações aqui dá espaço a isso, é escrevermos os livros como temos feito com quadrinhos da série, que são ambientados no mesmo universo, mas não seguem a história de cada jogo. O mesmo período, mas com outra perspectiva. Nós começamos a nos distanciar do formato de transformar o script do jogo em um livro. Eu adorei trabalhar com os quadrinhos [lançado no Brasil como "Assassin's Creed: A Queda"] e claramente há um público para isso. E isso nos dá a oportunidade de explorar outras coisas além do que há nos jogos.
Você acha que isso poderia trazer um público diferente para a série?
Era uma pergunta que eu me fazia muito, mas eu não fazia ideia. Nós estávamos ontem autografando livros e um pai e uma mãe vieram falar comigo que viam o filho jogar, mas não conseguiram entrar no [universo do] game por ser muito difícil. Mas ficaram sabendo dos livros e começaram a ler e se tornaram fãs da franquia. O filho joga e lê os livros, e os pais leem, e eles trocam as experiências da série. Eu fiquei impressionado com os pais dizendo que era algo que unia a família. Eu sei que nossos jogos são caros e necessitam de muito tempo, entre 40 a 50 horas se você fizer tudo, por isso os livros são uma oportunidade para quem se interessa pelo universo ou os personagens. Eu espero que esteja ampliando nosso público. Sei que vendemos muitos livros no Brasil, então imagino que estejamos chegando até pessoas que não jogam. Os livros também são uma oportunidade de fazermos coisas diferentes, como monólogos internos, que ficam entediantes nos games. Cada mídia permite uma nova estrutura, foco e narrativa.
Você considera escrever também romances?
Muita gente que eu encontrei no passado escreviam para jogos sem esse ser o objetivo principal. Não há problema nenhum em as pessoas terem outras saídas criativas. Eu só não gosto muito quando escrevem para games tentando ficar famosos para fazer outra coisa, como se tornar um roteirista de cinema. Eu segui o caminho contrário, tudo o que eu sempre quis fazer foi escrever para jogos e comecei trabalhando com filmes. Eu já faço o que gosto. Por outro lado, eu penso nas oportunidades narrativas de quadrinhos e livros, e isso se torna mais interessante. Eu não penso que, por escrever jogos, teria facilidade com outra coisa. Trabalhei com quadrinhos ano passado e pensei: 'Isso vai ser fácil, são só 20 páginas'. Mas tentar transmitir ação por quadros móveis chegou a machucar meu cérebro [risos], é algo completamente diferente. Quem sabe no futuro, mas por enquanto não é algo que considero muito seriamente para o meu tempo livre. O meu tempo livro eu passo jogando.
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