Livro do Porta dos Fundos funciona até para quem não viu seus vídeos
O audiovisual desafia as tentativas de fixá-lo na escrita. Na maioria das vezes, o resultado da adaptação é uma carcaça, uma forma descarnada de expressão que só lembra o original no título --e olhe lá! Isso quando não vira um almanaque insosso ou uma expansão meio torta do conceito para algo como a "Turminha do Vídeo".
O livro do coletivo Porta dos Fundos consegue escapar dessa armadilha ao apostar em um elemento básico da criação: o roteiro. É em torno do roteiro que se resolve a compilação de 37 esquetes do grupo, amarradas numa edição bem cuidada. Escritas, as histórias funcionam bem tanto para quem viu os vídeos, quanto para quem não viu.
Capa do livro "Porta dos Fundos" (2013)
O Porta dos Fundos se define como um "coletivo que produz conteúdo audiovisual voltado para a web com qualidade de TV e liberdade editorial de internet". No livro, as marcas do grupo estão nas notas introdutórias de cada roteiro, que ajudam a explicar um pouco do processo criativo deles: um exercício de crítica, encorajamento e descarte.
Enquanto a tal "qualidade de TV" só pode ser mais bem apreendida no vídeo (boa direção, boa luz, boa captação de áudio etc), a "liberdade editorial de internet" se reflete no livro na diversidade de forma e de conteúdo dos roteiros, muito influenciados por Monty Python.
Identificação
Cada roteiro vem assinado pelo seu titular. A ideia é boa porque ajuda a identificar a marca de cada um dos integrantes no produto final. Assim, sabemos que Gabriel Esteves responde pelos episódios com as maiores (e mais bem resolvidas) quebras de expectativa ("Amante" e "Voyeur"). Fábio Porchat aparece como o roteirista das histórias que fizeram o Porta explodir, inclusive como modelo de negócio ("Na Lata" e "Spoleto").
Gregório Duvivier é o cara dos melhores diálogos ("Entrevista" e "Minuto da Marmota"). Antonio Tabet e Ian SBF circulam por tudo, e dominam o humor de referências ("Setor de RH: Supergêmeos", de Ian, e "Sobre a Mesa", de Tabet). Fica claro, à medida que se avança na leitura, que o universo do Porta não existiria sem esse mosaico, do qual também faz parte João Vicente de Castro.
Em tempos de coletivos que "ressignificam e desmonetizam" em nome da exaltação de lideranças carismáticas ou da empulhação, é bom marcar em papel o exemplo de um coletivo que deu certo. É neste sentido que o livro do Porta dos Fundos importa: por fixar num suporte físico uma experiência bem-sucedida no digital, como uma espécie de documento da nossa história instantânea.
Para quem quer entender melhor como se articulam roteiros de humor, essa é uma boa pedida. Para quem estiver buscando uma janela para entender como a internet brasileira saiu dos "mamilos polêmicos" para a produção audiovisual de qualidade, também. Cada QR Code (código de barras digital) inserido junto ao título do roteiro leva ao link do vídeo correspondente. Com celular ou tablet à mão, a leitura ganha outra dimensão.
Faltam notas de direção (essenciais para completar o como-se-faz do Porta dos Fundos) e sobram páginas com combinações testa-zarolho (do tipo roxo-escuro e letra preta), mas ainda assim: a bandeira do Porta dos Fundos está bem representada neste livro destinado ao Olimpo dos amigos secretos e das mesas de centro.
"Porta dos Fundos"
Autor: Porta dos Fundos
Editora: Sextante
Páginas: 249
Preço: R$ 49,90
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