Processado por Roberto Carlos em 1983, Ruy Castro diz que lei e "vaidade sem limites" limitam livros
Após impedir a venda da biografia não autorizada “Roberto Carlos em Detalhes”, do escritor Paulo César de Araújo, em 2006, Roberto Carlos voltou a tentar censurar uma publicação neste mês. O alvo agora é um trabalho acadêmico sobre moda e comportamento na Jovem Guarda, que embora traga um desenho do cantor na capa e uma foto sua no miolo, não faz menção a sua vida íntima.
O zelo e a preocupação de Roberto quanto a sua intimidade é antiga e já atingiu, inclusive, o escritor Ruy Castro.
Biógrafo de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda, Ruy enfrentou uma verdadeira batalha por ter escrito uma matéria sobre o cantor para a revista “Status” em 1983: foi absolvido na primeira instância, mas condenado definitivamente na terceira.
Fiquei surpreso: enfim um brasileiro que se ofendia por ser chamado de garanhão
Ele comenta que as justificativas são as mesmas de outros processos abertos pelo cantor: “ofensa, calúnia, injúria --- e olhe que a matéria dizia também muitas coisas boas sobre ele”.
O texto listava as namoradas famosas que o Rei mantivera durante a carreira. “Fiquei surpreso: enfim um brasileiro que se ofendia por ser chamado de garanhão!”, lembra o escritor e jornalista, em entrevista por e-mail ao UOL.
Ruy afirma que uma pessoa com "vaidade e insegurança sem limites" como o cantor e a falta de uma lei específica para biografias, permite a criação de uma "indústria de processos".
“O artigo 20 do Código Civil --- que o projeto do deputado Alessandro Molon, do PT do Rio, está tentando derrubar no Congresso como inconstitucional --- permite essa indústria de processos. Por outro lado, há também pessoas como Roberto Carlos, cuja vaidade e insegurança são sem limites”, comentou.
O artigo citado por Ruy determina que escritos, publicações, exposições ou utilizações da imagem podem ser proibidas se atingidas a honra ou forem destinadas a fins comerciais.
O Projeto de Lei 393/2011, que tenta reverter isso, chegou a ser aprovado sem intervenções pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, no começo de abril, e deveria seguir direto para a apreciação do Senado. Um recurso, no entanto, foi apresentado pelo deputado Marcos Rogério (PDT-RO), o que faz com que o Projeto fique mais tempo parado, esperando ser votado pelo Plenário da Câmara.
Rei irritado
A editora Estação das Letras e Cores recebeu no dia 11 de abril uma notificação por parte dos advogados de Roberto Carlos para que o livro “Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude", escrito pela pesquisadora Maíra Zimmermann, fosse tirado de circulação.
Em 2006, com o livro “Roberto Carlos em Detalhes”, lançado pela Editora Planeta, o cantor moveu uma ação judicial alegando invasão de privacidade. No mesmo ano, 11 mil exemplares desapareceram das prateleiras.
O artigo 20 do Código Civil permite essa indústria de processos. Por outro lado, há também as pessoas como Roberto Carlos, cuja vaidade e insegurança são sem limites
Em abril de 2007, a editora cedeu às exigências do cantor - não publicaria mais a biografia. Em troca, Roberto não pediria indenização. Contrário ao acordo, o autor Paulo Cesar de Araújo chegou a entrar com recurso, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a decisão e o livro nunca mais foi visto.
Ruy Castro afirma que o cenário chega a desanimá-lo. Ele conta que voltou a ter problema semelhante mesmo com um biografado já morto. “Estrela Solitária”, sobre o jogador Garrincha, ficou um ano longe das prateleiras, em 1996, devido a uma ação das filhas do jogador. “O processo contra a editora se arrastou por 11 anos e causou grande prejuízo à Companhia das Letras”. A última biografia do jornalista, “Carmen”, é de 2005.
“Apesar de tudo, o mercado das biografias tem crescido. Uma grande biografia recente é a do (Carlos) Marighella, pelo Mario Magalhães. Mas os herdeiros do Marighella são gente esclarecida, que dá valor à História”, indica.
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