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Sem animais no palco e "brigando" por terrenos, circo brasileiro renova negócios e gestão

O ponto alto do espetáculo "AbraKdabra", do circo Tihany Spectacular, é a entrada de um helicóptero no palco - Divulgação
O ponto alto do espetáculo "AbraKdabra", do circo Tihany Spectacular, é a entrada de um helicóptero no palco Imagem: Divulgação

Mariana Pasini

Do UOL, em São Paulo

27/03/2013 07h00

Diretor de uma instituição quase bicentenária, o empresário Marcio Stankowich é ousado ao avaliar a qualidade de espetáculo que os circos brasileiros oferecem ao público atualmente: “A gente não perde para nenhum show de Zezé di Camargo e Luciano ou Chitãozinho e Xororó.”

Nascido no circo, com 52 anos, ele sustenta uma forma de arte presente no Brasil desde pelo menos o século 19, cujo Dia Nacional se comemora em 27 de março, data do aniversário do legendário palhaço Abelardo Pinto Piolin, ou simplesmente Piolin. Porém, a atividade não permaneceu incólume ao longo dos anos.

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Há uma qualidade para receber [o público] maior, uma rotina de trabalho mais concentrada. Se eu não faço um estudo da praça para onde vou, um estudo de mídia, não adiantar em cada local os documentos para trabalhar, a chance de não dar certo é muito grande.

Rody Luiz Jardim, diretor do Circo dos Sonhos, responsável pelo espetáculo "Turma da Mônica no Mundo do Circo"

Segundo Rody Luiz Jardim, diretor do Circo dos Sonhos, criado em 2009, hoje em dia a gestão dos espetáculos está mais profissional. “Há uma qualidade para receber [o público] maior, uma rotina de trabalho mais concentrada. Cada área tem um responsável: coreógrafo, técnico, camareira. Agora eu consigo chegar no erro antes de ele acontecer.” A mudança, ele avalia, “precisou acontecer”, e envolve estudos de investimento semelhantes ao de qualquer empreendimento moderno. “Se eu não faço um estudo da praça para onde vou, um estudo de mídia, não adiantar em cada local os documentos para trabalhar, a chance de não dar certo é muito grande. Chegar numa cidade depois de uma demissão em massa, por exemplo, não é uma época boa.”

O ator Marcos Frota, que dirige a escola Unicirco no Rio de Janeiro, concorda. “O circo foi quase que obrigado a mudar também: ou mudava, ou desaparecia.” Antes administrada só por famílias, agora a atividade conta com uma gestão mais aberta, segundo Frota. “É o caminho natural das coisas.”

Na contramão de seus colegas, o argentino Richard Massone prova o argumento do ator: ele não faz parte da família que fundou o circo Tihany há 58 anos em São Paulo, mas atua há dez anos como seu diretor executivo, além dos 34 como mágico e ilusionista da trupe. Se antes a atividade circense contava mais com o “boca a boca” para se divulgar, hoje Massone conta com um novo aliado: a internet. “É o público que informa e dá sua opinião sobre o show. Isso provoca uma mídia espontânea, sadia porque não é feita por interesses, e que ajuda na divulgação do espetáculo. É uma rede de opiniões muito importante”, diz.

Cidade sobre rodas
E os donos das lonas não têm pouca coisa para administrar: a manutenção não é barata. O Stankowich, por exemplo, gasta cerca de R$ 150 mil por mês; o Circo dos Sonhos, entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão, dependendo da temporada. “Com mais de 150 pessoas por unidade, além de trailers e carretas, é praticamente uma cidade ambulante sobre rodas”, diz Marcio.

Com os gastos, chegam as exigências, mas também oportunidades. O Stankowich, por exemplo, não vai para locais com menos de 200 mil habitantes e muda o preço da entrada de acordo com “a situação da cidade”, segundo conta Marcio, variando de R$ 15 a 20 por criança e R$ 30 a 40 por adulto. “Não pode cobrar muito caro senão se torna inviável para a família vir ao circo.” Além do espetáculo, a trupe fornece também uma praça de alimentação ao público. Marcio diz manter contato com “o pessoal de fora” e viajar para a Europa todo ano para acompanhar as novidades.

Já o Circo dos Sonhos realiza também eventos corporativos com técnicas circenses, como dinâmicas de grupo, e atividades com escolas. Porém, a bilheteria ainda é a principal fonte de renda: Jardim estima que dois milhões e meio de pessoas já viram o espetáculo “Turma da Monica no Mundo do Circo” desde 2009.

Outro sinal da profissionalização do circo é o aumento da segurança: todas as lonas têm a obrigação de serem vistoriadas pelo Corpo de Bombeiros antes de serem montadas. “O procedimento para instalar um circo exige uma extensa documentação a cada montagem, e às vezes bem exagerada. Dependendo do município tem mais ou menos documentos exigidos”, diz o coordenador de Circo da Funarte, Marcos Teixeira Campos. Jardim lembra que há vinte anos precisava apresentar 6 oficios para entrar numa cidade – hoje, estima algo em torno de 300 páginas. O resultado, porém, é positivo: “Dificilmente você vê acidente em circo hoje em dia, ao contrário de outros meios”, afirma o diretor do Circo dos Sonhos.

Não há dados sobre quantos circos existem no país ou sobre a quantidade de público que atraem, mas Campos estima que o número possa chegar até 1,5 mil companhias, itinerantes ou não.

Leonardo Soares/UOL
[A vinda do Cirque du Soleil] educa o olhar do nosso público para um espetáculo de excelência. Além de influenciar esteticamente, [ajuda a] melhorar, caprichar [o espetáculo de circo brasileiro].

Marcos Frota, ator

Cirque du Soleil
Para Marcos Frota, a vinda de artistas como o grupo Cirque du Soleil, que estreia o espetáculo "Corteo" em São Paulo no próximo sábado (30), ajuda a educar o olhar do público "para um espetáculo de excelência". "O Brasil comparece, paga, prestigia. Além de influenciar esteticamente, [ajuda a] melhorar, caprichar [o espetáculo de circo brasileiro]."

Já Campos vê algum perigo na comparação com as trupes do Brasil. "Querer que se pareçam com o Soleil é uma 'forçação' de barra muito grande. Não acho ruim que o Cirque venha e fale de circo, acho ruim que as pessoas imaginem que circo é o Cirque du Soleil. Aquilo é o circo de um determinado lugar, mas o brasileiro tem outra linguagem, muito diferente.” Campos explica que uma das características da atividade no país são os números estanque, separados, em vez de atos girando em torno de um único tema, contando uma história.

Por sua vez, Rody Luiz Jardim não teme a competição. "O Cirque não rouba [público] porque trabalho com faixa de preço diferenciada. Além disso, o Cirque não faz espetáculo em todos os lugares do Brasil", diz. O diretor do Circo dos Sonhos comemora a atenção gerada para a atividade circense. "Eu sou uma alternativa ao espetáculo deles. Nem todos agradam todo mundo. Mas há troca de visões, a deles com a nossa, e a nossa com a deles."

Querer que [as trupes brasileiras] se pareçam com o Soleil é uma 'forçação' de barra muito grande. Não acho ruim que o Cirque venha e fale de circo, acho ruim que as pessoas imaginem que circo é o Cirque du Soleil. Aquilo é o circo de um determinado lugar, mas o brasileiro tem outra linguagem, muito diferente.

Marcos Teixeira Campos, coordenador de Circo da Funarte

Nem pombo de mágico, nem circo de pulga
A vida continua difícil, porem, para as pequenas trupes. Além da falta de patrocinadores, principalmente no Norte e Nordeste, muitos prefeitos proíbem a entrada em suas cidades por preconceito, segundo Teixeira Campos. “O circo vive na grande maioria unicamente de sua bilheteria. Os circos pequenos têm que se deslocar muito e nas periferias das cidades o público é muito pequeno, ficam um ou dois fins de semana e têm que ir embora.”

Outro sinal desse preconceito, segundo o coordenador, é a proibição do uso dos animais nos espetáculos. Apesar de não existir nenhuma lei federal que vete os bichos no picadeiro, existem normas municipais: nem cachorros, gatos, pombos ou "circo de pulgas", como brinca Campos, são permitidos. “Os animais estão na TV, no cinema, no teatro, por que não no circo? Dizer que todo circense maltrata animal é chamar todos eles de criminosos.”

Os animais estão na TV, no cinema, no teatro, por que não no circo? Se há a reserva de um espaço bom pro circo, com acesso à população, ponto de água e luz, seguro e plano, o resto eles [artistas de circo] sabem fazer. O circo chega e faz sucesso, sempre tem público.

Marcos Teixeira Campos, coordenador de Circo da Funarte

O preconceito que o artista circense enfrenta é secular, segundo Verônica Tamaoki, coordenadora do Centro de Memória do Circo, em São Paulo. “Antigamente se dizia que o circense quebrava o osso das crianças para elas poderem fazer as acrobacias. Hoje não se fala isso da ginástica olímpica, por exemplo.”

Para Campos, a proibição desestimula o interesse no circo. Já para Stankowich, ainda que a opção de sua trupe tenha sido o “deixa quieto e vamos trabalhar, o circo tem que continuar”, falta algo ao espetáculo. “Nada deixa a desejar, mas as crianças adorariam ver um pônei, por exemplo”, diz.

Terrenos
A dificuldade em encontrar espaços para a montagem das lonas, principalmente em capitais, é outro problema comum. “Nas grandes capitais, você não encontra com facilidade e quando encontra, encontra eventos concorrentes”, diz Jardim. Se há dez anos o Circo dos Sonhos tinha lonas com 15 mil metros quadrados e capacidade para 1500 a 2 mil pessoas, hoje em dia se limita a 3 mil metros quadrados e 700 lugares.

Antigamente se dizia que o circense quebrava o osso das crianças para elas poderem fazer as acrobacias. Hoje não se fala isso da ginástica olímpica, por exemplo.

Verônica Tamaoki, coordenadora do Centro de Memória do Circo, em São Paulo

Marcio Stankowich diz achar mais terreno em áreas particulares do que públicas, e pode pagar de R$ 40 a 80 mil por mês. Em São Paulo, já chegou a pagar R$ 120 mil mensais. Está mais difícil também encontrar terrenos em áreas centrais, e o resultado é que o circo fica afastado e precisa gastar mais com divulgação. “E a gente se preocupa em ter uma área boa, para que as pessoas se sintam bem para sair de casa”, conta.

Uma vez superado esse problema, Campos acredita que metade do caminho já está trilhado. “Se há a reserva de um espaço bom para o circo, com acesso à população, ponto de água e luz, seguro e plano, o resto eles [artistas de circo] sabem fazer. O circo chega e faz sucesso, sempre tem público.”