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"Acho sacanagem tirar o espectador de casa para agredi-lo no teatro", diz Ary Toledo

Ary Toledo conta histórias sobre sua carreira, os anos de ditadura e analisa a nova geração de humoristas (25/7/12) - Leandro Moraes/UOL
Ary Toledo conta histórias sobre sua carreira, os anos de ditadura e analisa a nova geração de humoristas (25/7/12) Imagem: Leandro Moraes/UOL

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

01/08/2012 08h00

Ary Toledo trabalha com humor há tanto tempo que quando começou nem sabia direito o que estava fazendo. Aos oito anos de idade, brincava de bolinha de gude com alguns amigos em uma rua de terra de Ourinhos, cidade do interior de São Paulo, onde foi criado, quando um padre se aproximou do grupo e perguntou o caminho do correio. Ary, que sempre foi bom comunicador, se ofereceu para dar as coordenadas. O padre agradeceu, mas tentou convencer os garotos a deixar a rua de terra e ir para a igreja. “Por que vocês não vão à Igreja para eu mostrar o caminho de Deus?”, sugeriu o padre. “Mas padre, o senhor não sabe nem o caminho do correio. Como vai saber o caminho de Deus?”.  O padre riu e o menino ficou sem entender o que tinha acontecido. “Eu estava fazendo piada sem ter consciência disso. Só depois de adulto, fui perceber que o humor sempre foi meu caminho”.

O Brasil é um país rico em matéria-prima para o humor. Então, se você tem um diamante por que você vai procurar pedregulho?

Ary Toledo, humorista

O artista, que completa 75 anos em agosto, está há mais de 50 anos no teatro, sendo 47 deles trabalhando com humor. Por isso, o local escolhido para a conversa com o UOL foi o palco do auditório do MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo. Além de contar histórias sobre sua carreira e os anos de ditadura, o humorista analisou a nova geração de humoristas e as polêmicas que a cerca há algum tempo. Com cerca de 600 piadas na memória e mais de 60 mil arquivadas no computador, ele também mostrou um pouco de seu repertório em vídeos que você assiste abaixo.

Há décadas colecionando piadas sobre homossexuais, loiras burras e portugueses, Ary garante que nunca sofreu nenhum tipo de ameaça ou reclamação formal por causa de seu trabalho. A única vez que teve problemas com a Justiça foi em 1968, quando fez uma piada sobre o AI5 (Ato Institucional Número 5), que acabava de ser decretado. Ao final de um de seus shows, Ary disse que suas únicas armas eram sua voz, suas piadas e seu violão, e emendou: “Quem não tem cão caça com gato e quem não tem gato caça com Ato”. Dois agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) foram até o camarim e o levaram para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde permaneceu por cinco horas. “Por sorte, o coronel do Dops admirava meu trabalho e tinha até o meu disco”. O disco em questão era um compacto que trazia um de seus grandes sucessos, “Pau de Arara”, música que contava as mazelas de um retirante nordestino que comia giletes para sobreviver. O disco vendeu 1 milhão de cópias.

Politicamente correto
Hoje em dia, humoristas reclamam da censura por parte dos politicamente corretos. Rafinha Bastos paga 30 salários mínimos à cantora Wanessa depois de fazer uma piada com ela e seu bebê. Em março, a polícia foi acionada durante um show de humor em São Paulo, depois que um comediante chamou um músico de “macaco”. Para Ary Toledo, o que falta a alguns profissionais não é a repressão externa, mas a autocensura. “Dizer que não existe limite para o humor é mentira. O limite existe não só no humor, mas em todos os segmentos da sociedade. Existe uma fronteira e se você ultrapassa, cai no ridículo, na agressão. Alguns ultrapassam esse limite sem ter consciência. É como criança que cai e se machuca e não sabia que aquilo era perigoso”, afirmou.

Em mais de 50 anos de carreira, Ary diz que já desenvolveu seu próprio limite e disse que até corta partes do show quando sente que o conteúdo está agressivo. Segundo ele, não importa o estilo do humorista, todas as apresentações têm que conduzir o espectador a uma sentença final: o riso. “Eu acho uma sacanagem tirar o espectador de casa, levar para o teatro e começar a agredir. Ou então fazer um espetáculo enigmático que a pessoa só vai entender quando chegar em casa. Eu não gosto desse tipo de humor”, disse ele.

Novos humoristas
Para Ary Toledo, os novos humoristas sempre são bem-vindos porque o riso é uma necessidade humana. “Como diria meu amigo Chico Anysio: ‘Se não surgirem novos humoristas, nossos netos vão rir de quem?’”, disse.  Os humoristas, no entanto, só devem ficar mais atentos ao repertório, segundo Ary, e o que não falta no Brasil é matéria-prima para criar. “O Brasil é um país rico em matéria-prima para o humor, principalmente a política. Então, se você tem um diamante por que vai procurar pedregulho? Se você quer fazer um espetáculo agressivo, faça. Agora, essa agressividade pode ser recíproca. É um risco que você corre”, afirmou.

Como diria meu amigo Chico Anysio: ‘Se não surgirem novos humoristas, nossos netos vão rir de quem?

Ary Toledo, humorista

Para chegar ao diamante, Ary acredita que é preciso estudar, pesquisar e criar muito. “Quando não se cria é muito ruim. Chacrinha tinha uma frase rigorosamente mentirosa: ‘Nada se cria. Tudo se copia’. E eu pergunto: de quem será que ele copiou essa frase? É preciso alguém criar para você copiar”, disse. “Não queira ter tudo mastigado. O humorista não pode ficar acomodado. Ele tem que ficar sempre esperto, observando, senão cai no ostracismo”.

Entre os novos humoristas, Ary citou três nomes que, segundo ele, vão ficar para o futuro. “Admiro muitos e até seria injusto citar alguns, mas gosto muito do Marcelo Médici, do Rafinha (Bastos), do Danilo Gentili. O Rafinha é ótimo. Só precisa melhorar o repertório”, disse.

Renovação
Para provar que artista não pode ficar acomodado, Ary Toledo acaba de lançar um livro, “Os Textículos de Ary Toledo”, assim mesmo com “x”, que reúne citações criadas pelo humorista ao longo de sua carreira. Ele está em cartaz com seu show “Humor Direto Já” há seis anos, mas pretende renovar o repertório em breve.

Ele também garante que continua criando, apesar da dificuldade que existe em formular uma piada do zero. “É muito difícil porque a piada não tem um ponto de partida. Para que surja uma piada, uma pessoa precisa ver um fato engraçado e comentar e, de acréscimo em acréscimo, acaba virando uma piada”, afirmou.

Seguindo uma brincadeira proposta pela reportagem, Ary relembrou a última piada que contou antes da entrevista. “A mulher foi ao ginecologista e o profissional viu que ela tinha uma tatuagem do Papai Noel na perna direita, perto da calcinha. Na outra perna, tinha uma tatuagem do Coelhinho da Páscoa. Aí o ginecologista perguntou: ‘Minha senhora, não é da minha conta, mas por que a senhora tatuou o Papai Noel na coxa direita e o Coelhinho da Páscoa na esquerda?’. Ela respondeu: ‘Isso é para o meu marido parar de falar que entre o Natal e a Páscoa não tem nada de bom para comer’”. Antes de se despedir, no entanto, o humorista fez questão de se corrigir. “Mas essa não foi última piada que contei, foi a penúltima, porque a última só quando eu morrer”.