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Escritores de origem russa e paquistanesa divertem público da Flip com tiradas irônicas e provocativas

Gary Shteyngart (à esq) e Hanif Kureushi participam da mesa 18, "Entre fronteiras" no último dia da Flip 2012, em Paraty (8/7/12) - Zanone Fraissat/Folhapress
Gary Shteyngart (à esq) e Hanif Kureushi participam da mesa 18, "Entre fronteiras" no último dia da Flip 2012, em Paraty (8/7/12) Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Natalia Engler

Do UOL, em Paraty (RJ)

08/07/2012 18h32

O inglês de origem paquistanesa Hanif Kureishi e o russo naturalizado americano Gary Shteyngart fizeram na tarde deste domingo (8) o último debate da Flip 2012, a mesa "Entre fronteiras". Morador de Londres, Kureishi escreveu, além de romances, roteiros de filmes como "Minha Adorável Lavanderia" (1985), de Stephen Frears, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Ele esteve na primeira edição da Flip, em 2003. Shteyngart, que hoje mora em Nova York, nasceu em São Petesburgo e emigrou para os Estados Unidos com os pais em 1979.

Com tiradas irônicas e provocativas, os escritores fizeram uma das mesas mais divertidas desta edição da Flip e agradaram ao público que ainda não abandonou Paraty, que respondeu com risadas e aplausos às observações sobre suas identidades divididas e o estado atual do mundo.

Shteyngart iniciou a conversa com a leitura de seu terceiro e mais recente romance, "Uma História de Amor Real e Supertriste", que se passa em um futuro próximo, em que todos são analfabetos. Shteyngart contou que, quando começou a pesquisar novas tecnologias para este livro, não sabia como usar um iPhone, Facebook ou Twitter, mas hoje essas coisas tomaram todo o tempo que usava para suas leituras.

Já Kureishi leu o conto "Weddings and Beheadings" (casamentos e decapitações, em tradução livre), sobre um cineasta que filma execuções. O escritor contou que quando publicou o conto no Reino Unido, na época da Guerra do Iraque, causou muito espanto e a rede BBC chegou a bani-lo.

Comédia

Questionado sobre o papel da comédia em sua obra, Kureishi disse acreditar que todos os escritores são cômicos. "Gosto de pensar em mim como um escritor cômico. Gógol, Dostoiévski, Dickens são todos comediantes. Não consigo pensar em nenhum escritor que não seja engraçado. Com exceção de Tolstói, que não é nem um pouco divertido". "Bem, eu cresci na União Soviética, não era muito engraçado, mas a gente se divertia muito", rebateu Shteyngart.

Choques culturais

Tendo em comum a experiência da origem em culturas diversas das que vivem, os escritores comentaram como isso desembocou no trabalho de ficcionistas. "Eu comecei a escrever para não ficar louco. Resolvi então deixar os outros loucos. Cresci no subúrbio de Londres, meu pai era imigrante e eu sofria bullying por isso todos os dias. As pessoas perguntavam de onde eu era e eu apontava minha casa, mas elas queriam saber de onde eu era 'realmente'. Perguntavam o tempo todo se eu achava o clima quente o bastante na Inglaterra. Acho que comecei a escrever para entender de onde eu era 'realmente'", afirmou o inglês.

Shteyngart também relatou sua dificuldade para se integrar à escola judaica no bairro do Queens onde estudava, em que era hostilizado por ser comunista e "tinha que fingir ser da Alemanha oriental", até que percebeu que os colegas esperavam que ele fosse exótico e começou a usar isso a seu favor.

Sexo

Comentando uma observação que havia feito nos bastidores do debate, antes do início, de que o sexo está completamente ausente dos textos de jovens escritores do sexo masculino nos EUA, Shteyngart, que ensina escrita criativa na universidade Columbia, afirmou que os jovens autores americanos "parecem ter medo de sexo". "Por isso a Flip tem que convidar todos os jovens escritores americanos do sexo masculino para virem ao Brasil. É um trabalho beneficente", sugeriu, para a diversão da plateia.

Já no fim da conversa, ambos apontaram que se lê muito pouco hoje em dia em seus países, especialmente escritores que não sejam de língua inglesa. "Hoje nos EUA há mais escritores que leitores", apontou Shteyngart, referindo-se a sua experiência como professor de escrita. "Nunca conheci ninguém que não estivesse escrevendo um romance", concordou Kureishi. "Aposto que todo mundo aqui está escrevendo um livro", concluiu o americano.