Almodóvar: "'Dor e Glória' é o filme que me representa mais intimamente"
Há alguns anos, antes de fazer "Julieta" (2016), Pedro Almodóvar pensou que nunca mais voltaria a rodar um filme. Daquela crise surgiu uma imagem, a do seu corpo sem gravidade, submerso em uma piscina, e desta faísca que acendeu o seu caótico, mas disciplinado, processo criativo.
"Não é a minha autobiografia, mas sim é o filme que me representa mais intimamente", disse ele sobre "Dor e Glória", seu 21º longa-metragem, que chega na próxima sexta-feira aos cineramas da Espanha e tem previsão de estrear no Brasil em junho. No elenco, Penélope Cruz, Cecilia Roth e Leonardo Sbaraglia em papéis secundários. O protagonista é Antonio Banderas.
O astro foi eleito para ser o seu alter ego, um diretor chamado Salvador Mallo, que veste a mesma roupa - as peças foram copiadas do armário de Almodóvar - e vive em uma casa como a sua, na mesma rua de Madri onde o cineasta mora, rodeado por seus próprios livros e obras de arte. Até o prontuário médico do protagonista, belamente recriado por uma animação de Juan Gatti, corresponde aos problemas que o autor de "Tudo sobre Minha Mãe" teve e que o levaram ao turbulento momento.
"Eu não estou tão mal quanto o protagonista", enfatizou Almodóvar, reticente em carregar as tintas com dores que também não são excessivamente dramatizadas no filme.
"Dor e Glória" é um filme luminoso e em vários momentos divertido, como na cena (neste caso fictício) na qual Salvador Mallo sai em busca de uma dose de heroína para amortecer as dores.
"Eu nunca tomei nada, nem agora nem naquela época", esclareceu o diretor durante a entrevista realizada na sede da produtora El Deseo.
"Dor e Glória" é a "autoficção" levada ao cinema. Esse gênero literário no qual o autor é também o narrador e o personagem principal, mas no qual as leis da narrativa mandam acima de tudo e ao qual também se aproximaram outros grandes cineastas como Woody Allen e Federico Fellini.
Às vezes acontece, contou o diretor e roteirista, que partes fictícias fiquem mais autênticas do que o real, como ocorre com uma cena com sua mãe já idosa (Julieta Serrano), um acerto de contas mãe/filho que nunca aconteceu, mas com o qual ele disse se identificar plenamente.
"Através do texto você não só abre as portas da sua intimidade como desenvolve possibilidades que não existiram e isso me emociona", garantiu.
O Almodóvar escritor é disciplinado, se senta na frente do computador quando tem vontade, mas nunca redige de uma só vez.
"Muitas vezes volto aos roteiros e os transformo em outra coisa, é um material que sempre pode encontrar a sua natureza em outro momento", explicou.
Assim foi com "Dor e Glória", que reúne um roteiro que escreveu para um projeto com Michelangelo Antonioni e que não foi feito, um monólogo sobre o amor nos anos 80, o encontro com um velho amigo, a sua imagem misteriosa na água e as lembranças da infância.
Embora o texto tenha marcado por boa parte da entrevista, ainda deu tempo para falar sobre a Netflix, que comprou os direitos do filme, mas respeitando as janelas de exibição.
"Queriam que o filme fosse seu e ofereceram enormes quantias que o meu irmão recusou", revelou.
Ao contrário de Alfonso Cuarón, que se rendeu com o aclamado "Roma", que quase não passou pelas salas de cinema, Almodóvar é um militante do poder da telona.
"Estamos em pleno calor da batalha. É difícil saber o que vai a acontecer, mas eu quero que os filmes sejam vistos nos cinemas e que durem o que devem durar. Na minha opinião, a TV de casa é a segunda visão de um filme", defendeu.
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