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Putin declara guerra ao rap e à música jovem na Rússia

Vladimir Putin discursa na cerimônia de abertura da Copa do Mundo da Rússia - Ryan Pierse/Getty Images
Vladimir Putin discursa na cerimônia de abertura da Copa do Mundo da Rússia
Imagem: Ryan Pierse/Getty Images

Ignacio Ortega

De Moscou (Rússia)

18/12/2018 06h05

"Sexo, drogas e protesto", é assim que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vê o rap e a música ouvida pelos jovens russos. Por isso, depois de fracassar na tentativa de proibi-la, quer agora controlá-la para limitar sua influência em uma geração perdida para a propaganda do Kremlin.

"Dizem que o rap e todas essas coisas modernas se baseiam em três pilares: sexo, drogas e protesto. Das três, a que mais me preocupa são as drogas. Esse é um caminho direto para a degradação do povo", disse Putin durante uma reunião do Conselho de Cultura do país.

O primeiro aviso de que a juventude russa, especialmente a urbana, era ingovernável foram os protestos do ano passado dos quais participou um grande número de adolescentes atraídos pelas palavras de ordem da oposição radical.

"As autoridades descobriram que os jovens são politicamente ativos. Não tinham sido durante quase 30 anos. Essa é uma notícia muito ruim para o Kremlin. Pensavam que só se interessavam por drogas e dinheiro", disse à Agência Efe Artemi Troitski, o mais famoso crítico musical russo.

Mas o que esgotou a paciência das autoridades e provocou uma campanha de repressão foi o tiroteio ocorrido este ano em uma universidade de Kerch (Crimeia), no qual um jovem de 18 anos matou 21 pessoas.

As forças vivas do Kremlin criticavam de todas as formas a cultura moderna. Para ser mais preciso, faziam-no com o rap e outras manifestações da criatividade juvenil que surgem nas redes sociais.

"As autoridades entraram em pânico e seu primeiro instinto é sempre fechar, proibir, deter, julgar e censurar", acrescentou Troitski.

Nas últimas semanas as forças de segurança cancelaram e interromperam vários shows de grupos musicais "destrutivos" que incluem em suas letras fortes doses de crítica social e discursos contra a ordem estabelecida, tanto moral quanto política, como "Husky", "IC3PEAK", "GONE.Fludd" e "Friendzone".

"No meio de um show vieram dez policiais e suspenderam a nossa apresentação. Não nos deram nenhuma explicação legal. Outras vezes, pressionam os organizadores ou dão como desculpa avisos de bomba ou intoxicações alimentar", explicou à Efe a vocalista do "IC3PEAK", Nastia Kreslina.

Seu companheiro, Nikolai Kostilev, considera que o estopim no seu caso é o seu último vídeo "Morte não mais" no qual Nastia canta em frente ao Mausoléu de Lênin na Praça Vermelha de Moscou, à sede do governo e ao edifício do Serviço Federal de Segurança (FSB, antiga KGB).

"Encho meus olhos de gasolina. Que queime tudo", diz o clipe visto por mais de dez milhões de pessoas no YouTube.

Na opinião dos músicos, entre o Kremlin, a Igreja Ortodoxa, o FSB, as autoridades locais e as associações de pais foi criada uma lista negra de grupos cuja música é considerada prejudicial para a juventude.

"Não há propaganda de violência nas nossas letras. É mais fácil proibir do que entender. A realidade é que o que a música faz é apresentar um pensamento crítico. Por isso decidiram nos proibir, pois esses jovens em breve poderão votar. Não podem controlá-los e isso é um perigo para eles", afirmou Nastia.

Ambos os músicos foram detidos, assim como o rapper Husky (Dmitry Kuznetsov), cuja detenção por cantar em cima de um carro após a suspensão do seu show gerou uma onda de solidariedade nunca antes vista no mundo da música russa.

O crítico lembra que as autoridades soviéticas já recorreram à censura "cultural e ideológica" no final da década de 1970 e no início dos anos 80 contra o "rock underground", mas fracassaram na tentativa, enquanto o atual governo já utilizou a mesma tática contra os que se opõem à anexação da península ucraniana da Crimeia.

"A atual campanha foi um fracasso. Proibir shows quando existe a internet e o YouTube é idiota. Mas é algo típico das autoridades deste país", acrescentou a vocalista.

Troitski, que vive atualmente na Estônia, acredita que agora as autoridades russas tentarão mudar de tática para "comprar" os músicos organizando festivais em locais como a Crimeia.

"Se não for possível pará-los, então é preciso liderá-los para reconduzi-los de maneira adequada", comentou Putin, que considerou "ineficaz" a estratégia de proibir shows.

Mas muitos consideram que o Kremlin perdeu há muito tempo o controle sobre os jovens. "Nascemos depois da queda da União Soviética. Não temos televisão. Pensamos por nós mesmos. Muitos queremos mudanças. Graças à internet nos parecemos muito com o resto do mundo", concluiu Nastia.