Topo

The Handmaid's Tale: 30 anos depois, O Conto da Aia está mais próximo da realidade, diz autora Margaret Atwood

Elizabeth Moss em cena da terceira temporada de The Handmaid"s Tale: O Conto da Aia - Divulgação
Elizabeth Moss em cena da terceira temporada de The Handmaid's Tale: O Conto da Aia Imagem: Divulgação

10/09/2019 16h43

Autora canadense afirma que 'começamos a voltar para Gileade' diante das ameaças aos direitos das mulheres em diversas partes do mundo.

Faz mais de 30 anos que Margaret Atwood escreveu The Handmaid's Tale (O Conto da Aia), romance que deu origem à série de TV.

Mas a autora canadense, de 79 anos, acredita que sua obra de ficção especulativa está hoje "muito mais próxima da realidade", diante das ameaças aos direitos das mulheres em diversas partes do mundo, inclusive nos EUA.

Não foi à toa que Atwood decidiu escrever uma sequência do livro, intitulada The Testaments ("Os Testamentos", em tradução livre), lançada nesta terça-feira (10/09) no Reino Unido.

No Brasil, a previsão é que a obra seja lançada em novembro pela editora Rocco.

No primeiro livro, de 1985, a escritora apresenta um futuro distópico da América em que fundamentalistas religiosos derrubam o governo e estabelecem a República de Gilead, país fictício onde se passa a trama.

Nele, as mulheres são forçadas a uma espécie de escravidão sexual reprodutiva para gerar os filhos da elite - usando um uniforme para reforçar sua submissão.

Em The Testaments, a autora retorna a Gilead, 15 anos depois dos acontecimentos do primeiro livro.

A narradora original, Offred, escapa para o Canadá, e três narradoras dão sequência à história, fornecendo perspectivas diferentes sobre o regime, quando ele começa a desmoronar.

De volta a Gilead

Em entrevista à jornalista Rebecca Jones, da BBC Arts, Atwood conta por que decidiu escrever a sequência da história, atendendo finalmente aos apelos dos leitores, que há anos clamavam por uma continuação.

"'Vai ter uma sequência? Por favor, escreva uma continuação. Conta para a gente o que aconteceu'. Eu sempre disse que não podia fazer isso porque pensava que eles quisessem dizer, e queriam dizer: 'Você poderia continuar a história de Offred (a narradora) e dizer o que aconteceu com ela?' E eu não poderia recriar aquela voz, teria sido loucura tentar. Mas então algumas coisas aconteceram."

"Em vez de nos afastarmos de Gilead, como pensávamos estar acontecendo possivelmente nos anos 1990, começamos a voltar para Gilead em vários lugares do mundo, incluindo nos EUA", avalia.

Questionada se a eleição do presidente americano, Donald Trump, que tomou posse poucos meses antes da estreia da série de TV, influenciou sua decisão de escrever The Testaments, ela respondeu:

"Todos na série (The Handmaid's Tale), que começou a ser gravada no início de setembro (de 2016), todos acordaram no dia 9 de novembro (dia da eleição de Trump) e disseram: 'Estamos em um momento diferente'", relembra.

"Não que a série tenha mudado, mas o cenário ao seu redor mudou. E sabíamos que a partir daquele momento (a série) seria vista de maneira diferente, o que aconteceu."

De repente, os pontos críticos do livro e da série pareceram mais possíveis do que nunca.

"Então, em vez de 'fantasia, haha, isso nunca vai acontecer', ficou muito mais próximo da realidade, devido ao tipo de pessoas que apoiam Trump, que seria a direita religiosa dos estados vermelhos (republicanos) e por causa de sua atitude geralmente negativa em relação às mulheres", analisa.

A mudança de rumo na política tornou a história de The Handmaid's Tale ainda mais relevante para os dias de hoje:

"As mulheres sentem que estão a ponto de tomar decisões sobre elas, e a respeito de todo o seu futuro, destino, corpo e saúde, e tudo o mais que elas não foram capazes de decidir."

"Mulheres jovens em idade reprodutiva estão sempre em minoria em qualquer sociedade e, portanto, nunca podem votar como um grupo em medidas que lhes dizem respeito", acrescenta.

A autora diz que foi encorajada por mulheres que vestiram o "uniforme de aia" para protestar.

A capa vermelha e a touca branca, usadas pelas aias na trama, acabaram se tornando símbolo da opressão contra as mulheres, sendo usadas por ativistas em manifestações contra Trump e a favor do aborto, por exemplo.

"É uma estratégia de protesto brilhante, porque elas podem entrar em casas legislativas e você não pode expulsá-las, porque elas não estão dizendo nada, estão apenas sentadas despretensiosamente. Também não pode expulsá-las por estarem vestidas de maneira inadequada, estão todas cobertas."

"Mas todo mundo que olha para elas sabe o que querem dizer", completa.

Reconhecimento antecipado

Antes mesmo de ser lançado, The Testaments foi incluído na lista de indicados para o Booker Prize, um dos mais importantes prêmios literários de língua inglesa.

Atwood conta que tentaram roubar o manuscrito do livro.

Ela e a editora foram alvo de "e-mails falsos" e "hackers", numa tentativa orquestrada de phishing (roubo de dados por meio de arquivos ou links), que poderia ter levado, na opinião dela, a um caso de extorsão.

"As pessoas estavam tentando roubar (o manuscrito). Sério, tentaram roubá-lo e tivemos que usar várias palavras-chave e senhas."

"O que eles teriam feito se tivessem conseguido? Poderiam ter dito: 'Temos o manuscrito e o publicaremos online, [a menos que você] nos forneça os dados do seu cartão de crédito'. Ou poderiam dizer: 'Leia este trecho e faça o download'. E se você baixasse, um vírus roubaria suas informações."

No fim das contas, o manuscrito foi mantido a salvo e uma grande operação foi realizada para garantir que os detalhes da trama não vazassem para a imprensa.

E será que os leitores já podem esperar uma continuação de The Testaments?

"Nunca diga nunca, e nunca tente prever o que você pode ou não escrever, porque se você antecipa e depois faz outra coisa, terá de responder infinitamente à pergunta: 'Mas você disse que ia fazer isso e então você... por que você fez outra coisa?'"

"Eu nunca descarto nada completamente, embora pense nisso. Descartei escrever uma continuação, e agora escrevi."