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De escultura de sangue à árvore "sexual": 10 obras que chocaram o público e redefiniram a arte

Allen Jones, "Chair", 1969 - Reprodução
Allen Jones, "Chair", 1969 Imagem: Reprodução

13/11/2017 13h26

Cancelamento da exibição de obras polêmicas, tema atual e que reativou debate sobre censura em vários países, inclusive no Brasil, não é novidade; conheça trabalhos que 'causaram' nos últimos cem anos.

A decisão de cancelar a exibição de determinadas obras artísticas por causa da reação de partes do público não é fácil para um museu ou centro cultural - e costuma causar temores e debates sobre os limites da censura.

No entanto, apesar de controversas, ações como essas - que estiveram nas manchetes recentemente - não são novidade. Várias obras na história moderna instigaram polêmicas semelhantes e algumas delas, apesar de causar muita indignação na sua época, mudaram a maneira como pensamos sobre arte.

No Brasil, o episódio mais conhecido dos últimos meses foi o veto à exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. A mostra, que reunia trabalhos de 85 artistas e tinha como mote a diversidade e as questões LGBT, foi cancelada após críticas de movimentos religiosos e do Movimento Brasil Livre (MBL).

O Museu Guggenheim, de Nova York, enfrentou pressão semelhante - de ativistas de direitos dos animais - e cancelou a instalação de dois vídeos considerados muito violentos (um com porcos tatuados copulando, e o outro de pitbulls se encarando e rosnando), bem como a exibição de um grande armário de madeira e tecido intitulado Theatre of the World (Teatro do Mundo, em tradução livre), dentro do qual lagartixas, gafanhotos, grilos e baratas, todos famintos, protagonizam um exercício real de sobrevivência do mais forte.

As obras proibidas são de artistas chineses contemporâneos e originalmente foram selecionadas para aparecer como parte da exposição Art and China After 1989, que abriu em 6 de outubro.

Também em outubro, o Louvre anunciou que estava desistindo do plano de exibir uma escultura sexualmente explícita do artista e designer holandês Joep Van Lieshout. Uma estrutura de doze metros de altura, que parece retratar um homem fazendo sexo com uma criatura de quatro pernas, Domestikator deveria ser exibido no Jardin des Tuileries, em Paris, ao lado do Louvre, como parte da Feira Internacional de Arte Contemporânea, realizada todos os anos. O Centro Pompidou concordou posteriormente em mostrar o trabalho.

Com a censura inicial de seu Domestikator, van Lieshout (que insiste que sua escultura não tem uma temática fundamentalmente sexual, mas faz um comentário sobre a interferência do homem na natureza) chamou de hipócrita a decisão do Louvre. "No Louvre", ele ressalta, "há pinturas e esculturas com mulheres nuas, estupro e bestialidade que são muito mais explícitas do que minha obra".

Independentemente do incômodo gerado pela escultura de van Lieshout, é impossível negar que o Louvre possui sua parcela de obras fortes - da pintura de Fragonard La Chemise Enlevée (A Camisa Retirada), que apresenta uma luta, dentro de um quarto, entre uma ninfa alada e uma mulher nua, ao quadro La Grand Odaslique, de Ingres, que retrata uma concubina - obra escandalosa quando foi exibida pela primeira vez, em 1814. Mas quem hoje se sente ultrajado pelo trabalho de Fragonard ou Ingres, por mais que eles tenham sido considerados chocantes quando foram inicialmente exibidos?

As controvérsias recentes coincidem com o centenário de um dos episódios mais famosos de censura na história moderna da arte - a decisão tomada em 1917 pela Society of Independent Artists, em Nova York, de violar seu próprio estatuto ao proibir a exibição de uma escultura de Marcel Duchamp. Fountain (Fonte) é composta por um urinol que o artista francês colocou em um pedestal, de baixo pra cima, e o assinou com o nome "R Mutt".

Nos cem anos que passaram desde a polêmica causada pelo trabalho de Duchamp, a história da arte foi pontuada por uma série de obras escandalosas que inflamaram o debate público e forçaram seus observadores a refletir sobre o que é e o que não é digno de exibição pública e apreciação crítica.

Conheça abaixo 10 peças que chocaram a sensibilidade contemporânea e contribuíram para o debate sobre o que é arte.

Os detratores de Duchamp, que viram no urinol um símbolo de arte escoando pelo ralo, certamente teriam dificuldade em apreciar Erased de Kooning Drawing(Desenho de de Kooning Apagado), do artista americano Robert Rauschenberg, realizado em 1953. Curioso para saber se uma obra de arte poderia ser criada ao se apagar traços de uma outra obra, Rauschenberg convenceu um amigo, o abstracionista holandês-americano Willem de Kooning, a sacrificar um de seus desenhos para o experimento.

Robert Rauschenberg, Erased de Kooning Drawing, 1953 - Reprodução - Reprodução
Robert Rauschenberg, "Erased de Kooning Drawing", 1953
Imagem: Reprodução

O resultado é um papel sem qualquer imagem discernível, desafiando os observadores a decidir se a imagem sem imagem é uma imagem, ou se o verdadeiro trabalho em exibição é a moldura que circunda o vazio - uma escultura que representaria a perda artística.

Depois do urinol de Duchamp, foi a vez de um artista experimentar com as próprias fezes e apresentá-las como obra de arte. Em 1961, o artista de vanguarda italiano Piero Manzoni (que, um ano antes, deixou críticos horrorizados ao exibir um balão cheio de sua própria respiração como obra), fez exatamente isso: acumulou 2700 gramas de seu excremento em 90 latas.

O trabalho é pensado para ser uma resposta a um comentário irônico que seu pai, dono de uma fábrica de conservas, teria feito, comparando seu trabalho a fezes. Neste ano, uma das latas de seu filho foi vendida em leilão por 275 mil euros (R$ 1 milhão).

Trazendo à tona acusações de que seu criador, o artista pop britânico Allen Jones, trata objetos como mulheres e vice-versa, Chair (Cadeira) é o produto de manequins femininos seminus contorcidos para formar um mobiliário sensual - e não muito ergonômico.

No Dia Internacional da Mulher, em março de 1986, o trabalho levou um banho de removedor de tinta de duas ativistas que ficaram ofendidas pelo aspecto machista da escultura. O ácido dissolveu o rosto e o pescoço da manequim.

Composto por 39 lugares, com diferentes pratos e toalhas, que comemoram a contribuição das mulheres à história da cultura (da poeta grega Safo à escritora britânica Virginia Woolf), a mesa de banquete da artista americana Judy Chicago foi aclamada por seu pioneirismo - e criticada por sua suposta vulgaridade. O trabalho é dominado por pratos de porcelana pintadas à mão, muitos das quais são decoradas com um símbolo parecido a uma combinação de borboleta e flor, mas que também se assemelha a uma vulva.

Allen Jones, "Chair", 1969 - Reprodução - Reprodução
Allen Jones, "Chair", 1969
Imagem: Reprodução

Sob o argumento de que o trabalho tem "muitas vaginas", a artista britânica Cornelia Parker desprezou a instalação no jornal The Guardian, dizendo que a obra estaria focada "no ego de Judy Chicago em vez das pobres mulheres que ela deveria elevar". "Estamos todas reduzidas a vaginas, o que é um pouco deprimente."

Não foi apenas um muro icônico que caiu em 1989. No meio da noite, no dia 15 de março, oito meses antes de as marretas começarem a derrubar o muro de Berlim, um equipe de trabalhadores da construção civil foi à Federal Plaza, em Nova York, para cortar em pedaços uma barreira de aço de 36 metros de largura e 3,6 metros de altura que havia sido erguida oito anos antes.

O muro era uma inovadora escultura do artista americano Richard Serra. Alegando que a obra poderia servir de possível abrigo para terroristas e vândalos, um tribunal decidiu que a obra minimalista deveria ser removida e levada a um depósito.

Na visão do artista, uma das partes importantes do muro era a interação com as pessoas que caminhavam pela praça, um local usado como passagem.

Nem todos os que olhavam as 11 ilhas da baía de Biscayne, em Miami, contornadas por quilômetros de tecido rosa em 1983, se convenceram da importância do trabalho dos artistas Christo e Jeanne-Claude. Ambientalistas protestaram contra a instalação do trabalho, que durou duas semanas, durante maio daquele ano.

Eles se diziam preocupados com o efeito a longo prazo de 603.870 metros quadrados de plástico sintético esticado sobre o habitat de peixes-boi, águias e outras espécies locais. O diálogo que o trabalho gerou, obrigando autoridades e moradores a discutir a fragilidade do ambiente em que viviam, era um dos objetivos de Christo e Jeanne-Claude.

A cada cinco anos, e durante um período de cinco meses, o artista britânico Marc Quinn tira cinco litros de seu próprio sangue e os derrama em um molde translúcido e refrigerado de seu rosto. O resultado é uma série de autorretratos sempre diferentes, na qual o artista pode legitimamente afirmar ter investido mais de si mesmo do que muitos artistas antes dele.

Para algumas pessoas, a série Self, ainda em andamento, não é mais do que um façanha macabra. Para outros, o trabalho representa uma contribuição mordaz e ousada à tradição de autorretrato da qual participaram nomes como Rembrandt, Van Gogh e Cindy Sherman - uma contribuição que destaca profundamente a fragilidade do ser.

Embora a cama tenha servido como suporte de algumas das maiores obras da arte ocidental - da Vênus de Urbino, do pintor italiano Ticiano, às figuras femininas do espanhol Goya -, a instalação Minha Cama, da artista britânica Tracey Emin, que mostrava sua cama bagunçada, levou à indignação do público na exposição do Turner Prize, importante prêmio de arte, em 1998.

Inspirada em um período pouco feliz da vida da artista - e cercada por objetos jogados no chão -, a cama se tornou, para alguns, a principal prova de que a arte contemporânea teria perdido seu rumo.

Richard Serra, "Tilted Arc", 1981 - Reprodução - Reprodução
Richard Serra, "Tilted Arc", 1981
Imagem: Reprodução

Defensores do trabalho ficaram surpresos com o fato de que, mais de 80 anos após o urinol de Duchamp, uma cama desarrumada poderia provocar tamanha revolta e questionaram publicamente se a verdadeira objeção do público não seria ao fato de uma mulher estabelecer um espaço próprio e pessoal de forma tão radical em um museu dominado por homens.

Em 2005, o artista tcheco David ?erný pegou emprestado alguns elementos da obra The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living (1991), do britânico Damien Hirst, que mostrava um tubarão suspenso em uma solução de formol e exposto em uma caixa de vidro.

Em vez de um animal, ?erný expôs diante dos visitantes uma escultura do ditador deposto do Iraque Saddam Hussein com as mãos e os pés amarrados. Para alguns, o trabalho chegou perto de retratar Hussein como uma vítima. Já para outros, a obra era gratuitamente chocante. A exibição da escultura em um museu de Middelkerke, na Bélgica, em 2006, foi cancelada por decreto do prefeito da cidade, Michel Landuyt, por receio de "que certos grupos da população considerassem o trabalho muito provocativo".

Às vezes, o veto a um trabalho controverso nem passa por curadores. Foi o que aconteceu em outubro de 2014, quando a enorme árvore inflável do artista americano Paul McCarthy, erguida como parte de uma exibição de Natal em Paris, foi derrubada por vândalos e posteriormente desinflada.

Assim que comentaristas apontaram para a semelhança da escultura com um brinquedo sexual - o plugue anal -, não houve jeito de proteger a obra. Nem o próprio artista escapou ileso. Ultrajado pela árvore, um membro do público que acompanhava a instalação da obra confrontou McCarthy e deu-lhe três tapas antes de desaparecer na multidão.