Os cinco 'livros da vida' de Gabriel García Márquez
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"Édipo Rei", de Sófocles, "Moby Dick", de Herman Melville, "Floresta da Lírica Espanhola", uma antologia assinada por José María Blecua, um "Dicionário da Língua Castelhana" que não seja o da Real Academia e "As Mil e Uma Noites". Um clássico grego, outro dos Estados Unidos, uma reunião de histórias selecionadas "que se lê como um romance policial", o monumento da literatura persa e um dicionário do próprio idioma. Esses foram os cinco livros mais importantes da vida de Gabriel García Márquez.
Ou, pelo menos, eram ali pelo final 1982, quando ele fez a relação. Solicitado pela revista "Pluma", de Bogotá, o top 5 tinha uma restrição: não deveria incluir leituras óbvias, como a "Bíblia", a "Odisseia" ou "Dom Quixote". "A lista é discutível, certamente, mas minhas razões são simples e sinceras: se só tivesse lido esses cinco livros - além dos óbvios, claro -, com eles teria material o bastante para escrever o que escrevi. Isto é: uma lista de caráter profissional", justifica o autor de "Cem Anos de Solidão".
Não foi fácil para Gabo chegar aos cinco títulos. "Moby Dick", por exemplo, acabou tomando o lugar de "O Conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas, visto pelo colombiano como um romance perfeito, mas só por motivos estruturais, aspecto "mais do que preenchido por 'Édipo Rei'". Também ventilou colocar no panteão "Guerra e Paz", que considerava o melhor romance de todos os tempos, porém acabou por omitir o colosso de Tolstói por entendê-lo como um dos livros óbvios a ser evitar.
Ainda é curioso o que García Márquez aponta sobre "Moby Dick". A "estrutura anárquica é um dos mais belos desastres da literatura, insuflou-me um alento mítico que sem dúvida me teria feito falta para escrever". Todo esse papo está no artigo "A Literatura Sem Dor", publicado pelo autor no jornal "El País", da Espanha, no mesmo ano em que Gabo foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura.
O texto integra a ora ácida, ora doce coletânea "O Escândalo do Século", que a Record acaba de lançar (a seleção é de Cristóbal Pera e tradução de Joel Silveira, Léo Schlafman e Remy Gorga). São 50 escritos de Gabo publicados em jornais e revistas entre 1950 e 1984; reportagens, artigos e ensaios nos quais o escritor reflete sobre a literatura, expõe a magia e a violência que permeiam a América Latina, analisa figuras como Fidel Castro e João Paulo II e, dentre outras coisas, repassa boas histórias de sua vida - ele sendo levemente esnobado por Hemingway em Paris é um bom causo.
Na crônica em que revela os livros favoritos, Gabo começa citando uma frivolidade cometida: disse a estudantes que a literatura universal poderia ser aprendida numa tarde. De pronto, perguntaram quando a aula aconteceria. Após lembrar do óbvio fracasso, o autor repassa seus títulos incontornáveis. "Tanto o curso de literatura de uma tarde como a enquete dos cinco livros levam a pensar, mais uma vez, em tantos livros inesquecíveis que as novas gerações esqueceram", prossegue para recordar de "O Livro de San Michele", de Axel Munthe, de "O Grande Meaulnes", de Alain-Fournier, e de "A Montanha Mágica", de Thomas Mann. "Pergunto-me quantos estudantes de literatura de hoje, mesmo os mais diligentes, se deram sequer o trabalho de perguntar o que pode haver dentro desses três livros marginalizados".
Curioso. Quase quatro décadas após o texto do colombiano, vejo diversas pessoas comentando o livraço de Mann. Tivesse vivido um pouco mais, talvez Gabo pudesse ver "A Montanha Mágica" aparecendo na lista de melhores livros da vida de muita gente. Há mesmo obras que brilham, se apagam e depois voltam a brilhar conforme a projeção dos holofotes de leitores. "Floresta da Lírica Espanhola", por exemplo, ninguém comenta. A literatura tem disso.
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