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Após HQ, Crivella manda recolher livros que considera impróprios na Bienal

Lola Ferreira

Colaboração para o UOL, no Rio

06/09/2019 12h33Atualizada em 06/09/2019 17h56

A Seop (Secretaria de Ordem Pública) do município do Rio de Janeiro fez operação hoje na Bienal do Livro com o objetivo de encontrar "material impróprio para crianças e adolescentes". A ação de varredura ocorreu um dia após o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), pedir o recolhimento da história em quadrinhos Vingadores - A Cruzada das Crianças de um dos estandes da Bienal.

É a primeira vez que uma ação do tipo acontece na Bienal do Livro. Às 16h50, a secretaria informou, por meio de nota, não ter feito apreensões. A pasta disse que uma equipe de 12 agentes percorreu os 150 estandes do evento sem encontrar exemplares de Vingadores - A Cruzada das Crianças.

Por volta de 12h, agentes públicos chegaram ao Riocentro, na zona oeste carioca, com ordem de fiscalizar aleatoriamente estandes do evento em busca de material com "cenas impróprias a crianças e adolescentes" —a Seop disse se basear nos artigos 74 e 80 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O subsecretário de Operações da Seop afirmou, ao chegar na Bienal, que a orientação era recolher o que não estivesse adequado.

Um dos artigos citados pela Seop para fiscalização, o 78, determina que "as revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo", com destaque para material "pornográfico" ou "obsceno".

A obra apontada por Crivella como imprópria, no entanto, não continha obscenidades ou pornografia, apenas um beijo de casal gay nas páginas internas.

Com a advertência de eventual recolhimento de material, a reportagem do UOL apurou que alguns estandes de editoras retiraram das prateleiras livros que remetam à população LGBTQ+ e irão incluir classificação indicativa de 18 anos para obras do tema.

Hoje de manhã, a história em quadrinho alertada como imprópria por Crivella estava esgotada.

Mais cedo, a Seop ameaçou cassar a licença da Bienal se a forma de comercialização do HQ Vingadores - A Cruzada das Crianças não fosse readequada.

Por meio de nota, a Bienal do Livro informou ter entrado hoje com pedido de mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro "a fim de garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializar obras literárias sobre as mais diversas temáticas —como prevê a legislação brasileira".

Ontem, a Bienal disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que o HQ não seria recolhido por não ser impróprio (leia mais abaixo).

Ilustrações do HQ Vingadores - A Cruzada das Crianças - Reprodução - Reprodução
Ilustrações do HQ Vingadores - A Cruzada das Crianças
Imagem: Reprodução

HQ "apresenta e ilustra homossexualismo a crianças", diz prefeitura

Em nota de esclarecimento, a Prefeitura do Rio explica que notificou, na tarde de ontem, por intermédio da Seop, a organização da Bienal do Livro a adequar obras expostas na feira aos artigos 74 a 80 do ECA.

"A legislação determina que publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre (embaladas em plástico ou material semelhante), com a devida advertência de classificação indicativa de seu conteúdo".

A prefeitura diz que entendeu como inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis "apresente e ilustre o tema do homossexualismo [sic] a adolescentes e crianças, inclusive menores de dez anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo".

O termo homossexualismo foi vetado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) após a homossexualidade deixar ser considerada doença mental. O sufixo ismo é usado para indicar patologias, doutrinas e ideologias

Apesar de os exemplares expostos na feira estarem lacrados, de acordo com a prefeitura, houve reclamações de frequentadores pela falta de advertência na embalagem.

"A própria editora sabia da obrigação legal. Tanto que a obra estava lacrada. Não havia, porém, uma advertência neste sentido, para que as pessoas fizessem sua livre opção de consumir obra artística de super-heróis retratados de forma diversa da esperada. Houve reclamação de frequentadores da feira, que têm direito à livre opinião e opção quanto ao conteúdo de leitura de filhos e adolescentes, pessoas em formação".

Na nota, a prefeitura afirma que não há qualquer ato de trans ou homofobia, ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor, "mas exercício do dever de informação quanto ao que se considerada material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes, exigindo-se, assim, o lacre e a advertência".

No documento que emitiu à direção da Bienal do Livro, o secretário municipal de Ordem Pública, Paulo Amêndola, afirmou que obras infantis com cenas de "homossexualismo" (sic) induzem ao erro. Para ele, um casal gay dentro de uma história em quadrinhos falta "com o dever de lealdade" a quem tem opção sobre suas leituras e seus filhos.

Amêndola também destaca que não recrimina qualquer "conduta transexual ou homossexual", mas pede que obras sejam embaladas com lacre em caso de público infantil e adolescente. Com isso, ele ressalta que, se houver obras com o tema de "homotransexualismo" sem lacre e advertência de conteúdo, poderá haver apreensão de livros e cassação da licença.

Bienal do Rio disse que não recolheria exemplares

Ao UOL, a assessoria de imprensa da Bienal disse ontem, antes de os HQs se esgotarem, que os exemplares não seriam recolhidos porque o material não é impróprio e é comercializado desde 2016 em todo o mundo sem qualquer restrição. E emitiu uma nota:

"A Bienal Internacional do Livro Rio, consagrada como o maior evento literário do país, dá voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser. Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados. Inclusive, no próximo fim de semana, a Bienal do Livro terá três painéis para debater a literatura Trans e LGBTQA+. A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor."