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#MeToo: Como "13 Reasons" jogou luz sobre a recuperação de vítimas de abuso

Jessica (Alisha Boe) depõe em tribunal e mostra fotos que a chamam de "vadia bêbada" em cena da segunda temporada de "13 Reasons Why" - Divulgação/Netflix
Jessica (Alisha Boe) depõe em tribunal e mostra fotos que a chamam de "vadia bêbada" em cena da segunda temporada de "13 Reasons Why"
Imagem: Divulgação/Netflix

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

24/05/2018 12h24

“13 Reasons Why” se tornou muito falada pela forma como retratou o suicídio da protagonista Hannah Baker (Katherine Langford), que registrou em fitas cassetes os 13 motivos que a levaram a tomar a trágica decisão. Mas, em meio às discussões, se perdeu um ponto importante: o machismo em várias formas, que vão do assédio ao estupro, é o fator por quase todas as razões de Hannah.

A segunda temporada da série, que estreou na última sexta-feira (18) escolheu resgatar isso de forma ainda mais clara, em duas frentes: no julgamento sobre a responsabilidade da escola na morte de Hannah e na história de Jessica (Alisha Boe).

Enquanto Hannah tem seus relacionamentos e sua conduta questionados pela defesa da escola e por testemunhas pouco confiáveis, Jessica tenta aos poucos se recuperar do trauma de ter sido violentada pelo atleta Bryce (Justin Prentice), na trama que é a mais sensível e bem construída da nova temporada.

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Alçada à posição de protagonista, a personagem logo nos primeiros episódios entrega um discurso poderoso sobre a forma como garotas são rotuladas de forma pejorativa nas escolas – e sua jornada de superação, com avanços, dúvidas e apoio, domina boa parte do novo ano da série.

Não era uma missão fácil para a atriz Alisha Boe, de 21 anos. Mas a intérprete, que esteve recentemente no Brasil para promover a série, contou com o apoio da equipe da série para se preparar para esse novo desafio.

“A produção se certificou que nós tivéssemos recursos, então eu pude falar com psicólogos. E a internet foi minha salvação, de certa forma. Eu encontrei muitas coisas em artigos que li várias vezes, havia inúmeros documentários que pude ver. Mas foi principalmente a primeira temporada [que pesou na preparação], porque já havia passado seis meses no lugar da Jessica, e estava pronta para voltar e explorar seu processo de recuperação”, explicou Alisha ao UOL

Sobrevivente

Esse processo de recuperação é ainda pouco retratado nas telas, nas quais predominam histórias em que o estupro serve como ponto de partida para tramas que envolvem a vítima fazendo justiça -- geralmente de forma violenta -- com as próprias mãos.  Há um gênero inclusive chamado de “rape and revenge” (estupro e vingança), dos quais fazem parte filmes como “Doce Vingança” (2010) e “Impacto Fulminante” (1983).

Para a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, professora da USP que pesquisa a relação entre a mídia e a violência contra a mulher, a ideia da vingança encontra esse espaço por conta da representação ainda muito maniqueísta daqueles que cometem esse tipo de crime.

“Se fala pouco [da recuperação de vítimas de abuso] porque é um tema tabu e porque a mídia faz muito isso de imaginar que o estuprador é um monstro. Não é que não seja brutal, mas ele [o homem que estupra] não é um monstro o tempo todo – ele pode, em outros momentos, ser um homem simpático, trabalhador”.

Ela nota ainda que saber que é possível encontrar apoio, como acontece com Jessica em “13 Reasons Why”, pode ser beneficial àquelas pessoas que lidam com a violência sexual: “Você conseguir falar para alguém que acredita, que dê um ombro, é parte do processo de recuperação.”

#MeToo

O retrato de machismo e abuso na série vem em boa hora, na esteira da onda de denúncias de assédio e abuso sexual que derrubou figurões de Hollywood como Harvey Weisntein e Kevin Spacey. E foi puro acaso: a temporada já estava sendo filmada quando surgiram as primeiras notícias sobre o caso, que mais tarde dariam inícios aos movimentos #MeToo e Time’s Up.

Uma cena do último episódio do novo ano da série resume bem a ideia do “eu também”. Enquanto Jessica fala de seu estupro, várias outras personagens femininas surgem contando suas próprias experiências, em uma montagem de impacto.

Curiosamente, o criador da série, Brian Yorkey, quase a deixou de fora para não ser acusado de querer “parodiar” o #MeToo – mas foi (felizmente) impedido pelas mulheres da equipe. “O que aconteceu na vida real foi muito mais poderoso do que qualquer coisa que poderíamos fazer dramaticamente, e não queria parecer que estava me aproveitando disso”, disse o roteirista à revista “Entertainment Weekly”. “Mas houve um protesto por parte dos produtores executivos e dos nossos executivos, muitos dos quais são mulheres. Elas estavam certas, e fico feliz de que a sequência esteja lá porque é um momento muito legal”.