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"Roberto Carlos será o último censor do Brasil", diz biógrafo processado

2.nov.2013 -  Paulo Cesar de Araújo, historiador e escritor de biografias, no auditório Simón Bolívar do Memorial da América Latina, em São Paulo (SP) - Bruno Poletti/folhapress
2.nov.2013 - Paulo Cesar de Araújo, historiador e escritor de biografias, no auditório Simón Bolívar do Memorial da América Latina, em São Paulo (SP) Imagem: Bruno Poletti/folhapress

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

22/05/2014 14h26

Responsável pela biografia mais polêmica dos últimos anos, Paulo Cesar de Araújo viu, em 2007, sua obra "Roberto Carlos em Detalhes", fruto de 15 anos de pesquisa, ser banida das livrarias pelo ídolo da infância. Roberto Carlos defendeu sua história como patrimônio e pediu a prisão do autor. Sete anos depois, o fato volta à tona --mais uma vez em detalhes-- no livro "O Réu e o Rei". "Ao proibir aquele livro, Roberto Carlos me deu ideia para outro livro", disse Paulo Cesar ao UOL.

O escritor lançou o livro na terça-feira (20), sem qualquer alarde, como estratégia da editora Companhia das Letras. Paulo, que enfrentou a fúria do cantor e viu sua história se tornar agente principal na discussão entre liberdade de imprensa versus direito à privacidade, disse que está "tranquilíssimo". "Essa é a minha história, ninguém pode tirá-la de mim", disse ao editor Luiz Schwarcz, quando teve a ideia. "Claro que o Roberto pode tentar alguma coisa. Depois da Friboi, não duvido mais de nada", ironiza. “É diferente [da biografia]. Ele está contando uma história que lhe pertence”, afirma Schwarcz.

"O Réu e o Rei" é um relato pessoal de Paulo Cesar desde quando tinha 4 anos e ouviu pela primeira vez "Quero Que Tudo Mais Vá Pro Inferno". A relação emocional com o Rei é reconstruída em uma análise musical profunda da obra e da trajetória do menino pobre de Cachoeiro de Itapemirim (ES). No esforço em reconstruir as armadilhas do processo jurídico que enfrentou, volta a pincelar fatos polêmicos na vida do cantor, como o acidente que o deixou sem uma perna e casos amorosos com Sonia Braga e Maysa.

Os advogados de Roberto já foram acionados para dar um parecer jurídico a respeito do novo livro, mas Paulo acredita que após a discussão midiática sobre o tema no ano passado e a aprovação pela Câmara do projeto de Lei que garante a publicação de biografias sem autorização prévia, o momento é outro. Assim que sancionada a lei, ele quer recolocar a biografia nas prateleiras. "Meu livro será o último livro proibido no Brasil e Roberto será o último censor do Brasil. É um título que ele não merece".

UOL - Quando a editora te convidou para escrever um livro, você quis voltar à história do Roberto Carlos por outro prisma. Você diz: "Essa é a minha história, ninguém pode tirá-la de mim".
Paulo Cesar de Araújo - Foi a história que eu vivi. Se eu soubesse dessa história como eu sei, teria vontade de contar, mesmo que eu tivesse longe dela. A história de um menino do interior da Bahia com o sonho de comprar o disco de seu ídolo. Tem a história de outro menino, que queria vender 1 milhão de discos. Trinta anos depois, esse menino já adulto publica um livro sobre seu ídolo. Todo mundo elogia o livro, menos o ídolo, que parte para cima e pede sua prisão e proibição. É minha versão sobre essa história. Nesse sentido, sou o narrador e o personagem.

Mas, indiretamente, você volta a falar da vida de Roberto Carlos.
Claro, este livro é outra obra. Minha pesquisa foi de 15 anos, eu tenho material para muitas coisas. Estou usando parte na biografia ["Roberto Carlos em Detalhes"] e outra parte nessa. Se eu fosse usar tudo, seria uma enciclopédia. Tem muita análise e informação.

O capítulo de seu encontro com Roberto Carlos no fórum é tenso e dramático. É o seu ídolo de infância pedindo sua prisão, logo no primeiro encontro...
É o capítulo mais dramático. Estar frente a frente com ele, naquele radicalismo dele em caçar palavras, apreender o livro...

Serviu para superar o caso?
Não é superar, não tenho essa coisa de raiva e ressentimento. É um ato de resistência. Quando o Roberto tentou me impedir de falar sobre o livro, eu levantei e fiz meu próprio advogado. Não tem como me proibir falar de Juscelino Kubitschek, como cidadão, professor e historiador, por exemplo. Todo o processo foi radical, mas aquilo extrapolou tudo. Ao proibir o livro, Roberto me deu tema para outro livro. É uma questão de dialética, o germe da sua própria destruição. Nesse sentido, é um ato político, diante do cenário brasileiro. Estamos em um estado democrático direito com uma aberrante legislação que permite que livros sejam proibidos no país.

Além de ser um relato pessoal, o livro parece ser sua defesa definitiva em relação ao caso. Você acredita que não teve um julgamento decente e neutro?
Óbvio que não. Se tivesse, o livro estaria livre. Na audiência no fórum criminal me faltaram duas condições: eu precisava ser assistido por um advogado e contar como a neutralidade de um juiz. Eu estava com advogados da editora, mas me senti abandonado. O juiz, que estaria lá para ponderar, tomou posição favorável a Roberto Carlos. Ele ameaçou o fechamento da editora por duas vezes. A Planeta, assustada, fez o acordo. Isso foi o fato determinante. O fato de o juiz ter tirado foto com Roberto e ter dado um CD a ele é secundário.

Você demonstra ter ficado um pouco decepcionado com a maneira como a editora levou o caso adiante em 2007. O novo livro chega às livrarias com algum resguardo contra um novo processo?
Não estou preocupado assim. Acho que avançamos muito nessa questão por conta do debate. Os juízes de Primeira Instância estão mais esclarecidos que em 2007. A posição da Câmara, que o Senado certamente vai confirmar e o STF [Supremo Tribunal Federal], não deixa espaço para a censura no Brasil. Estamos na era da Comissão da Verdade. Alguns livros que tentaram proibir, não conseguiram. João Gilberto tentou proibir um livro, o juiz indeferiu. Há um maior consenso, uma maior clareza que é incompatível proibir livros em um estado democrático de direito. Estou tranquilo, tranquilíssimo. Claro que o Roberto pode tentar alguma coisa. Depois da Friboi, não duvido mais de nada.

Você não esperava que ele se tornaria garoto-propaganda de um comercial de carne?
Se tivesse feito uma aposta, 'Roberto vai fazer comercial de carne', eu daria R$ 1 milhão. E perderia. Depois desse episódio, tudo é possível. O empresário dele já andou falando que o livro é oportunista. Ele pode entrar com uma ação, mas que ele vai ter um resultado prático de tudo isso, isso não acredito mais. Dessa vez, ele não encontrará respaldo.

Você tem esperança de relançar a biografia?
Vai acontecer. Mudando a lei, vou entrar com recurso. Seria melhor para todos que o próprio Roberto tomasse essa iniciativa. Se tivesse um amigo, um conselheiro para dizer 'Roberto, não seja o último censor do Brasil'... Meu livro será o último livro proibido no Brasil e Roberto será o último censor do Brasil. É um título que ele não merece.

Conhecendo o Roberto tão bem, acha que ele vai ficar irritado e magoado mais uma vez?
A questão da mágoa dele é pelo fato de o livro não ter autorização. Aquela coisa da obsessão compulsiva de controlar tudo. A luta dele contra a biografia é um exemplo disso. Como historiador, minha preocupação não é o Roberto Carlos. Eu identifico lacunas nas biografias e temas necessários. Quem tem que ficar preocupado com isso são os assessores do Roberto.

Você falou sobre o comercial de carne. O público também ficou indignado, dizendo que ele era vegetariano...
A questão não é essa. Ele nunca foi vegetariano. Roberto sempre comeu bacalhau, frango, peixe. Posso falar porque eu sou vegetariano. O Roberto tinha uma restrição alimentar, ele não come carne vermelha, e sempre foi sensível à causa animal. Ele escreveu "As Baleias", "O Ano Passado", em 1970 ele protestou contra matança de pombos, protestou contra touradas. Ele sempre foi um artista que se revelou sensível à causa animal. Como uma pessoa assim vai fazer propaganda de consumo de carne de boi, feito em escala animal, com matança?

Por que você acha que ele topou?
Por causa do dinheiro. Mais que um cantor, ele é um empresário. É uma pena que aos 73 anos de idade ele vai priorizar o dinheiro. Utilizar a música "O Portão", aquela música clássica... Ouço "O Portão" agora e me vem carne de boi na cabeça. Ele está estragando a própria obra. Que dinheiro vai pagar isso? Ele tem uma empresa chamada "Emoções Agronegócios". Por isso ele não lança disco todo o ano, os shows são os mesmos. Ele sempre foi um empresário, já tinha postos de combustível, restaurantes, mas era secundário.

Acredita que ele vai ler esse livro?
Acho que é um livro que ele precisa ler. Se ele se permitisse ler o livro, ele ia aprender que não dá para dizer que a história é patrimônio apenas dele. É a história de todo o povo brasileiro.