"Eu entendo Roman Polanski", diz vítima sexual de diretor ao lançar livro
Califórnia, 1977. O diretor de cinema Roman Polanski fotografa uma garota de 13 anos na casa do astro Jack Nicholson para um ensaio à revista "Vogue". Era o segundo dia de trabalho e o diretor de "O Bebê de Rosemary" e "Chinatown" está insatisfeito com os cliques e a luz do lugar. Ele muda o cenário das fotos para uma banheira. Oferece à aspirante à modelo e atriz champanhe e uma droga sedativa, popularizada na época pela fama de aumentar a excitação na hora do sexo. "Você devia tirar a calcinha", sugere.
A relação sexual que viria a seguir transformaria a vida de Polanski. Condenado por estupro nos Estados Unidos, ele se exilou na França. Já a vítima, tratada pela imprensa apenas como "the girl" (a menina), passaria pela puberdade e amadureceria vendo sua vida sendo devassada pela mídia. Entendendo, aos poucos, o que de fato tinha acontecido naquela tarde.
"Na minha cabeça, estupro era algo violento, contra sua vontade e sob ameaças. Alguém tentando te machucar", explica Samantha Geimer, a menina, hoje com 50 anos, ao UOL. "Eu não passei por essa experiência. Depois que fui entender que foi um crime sério por conta da minha idade".
"Eu o entendo. Ele tinha mulher e filhos. Não sei se posso dizer que é pena, acho que é mais empatia, de alguém que entende uma pessoa que passou por uma má experiência"
Hoje casada e com três filhos, Samantha tenta levar uma vida normal. Não que o trauma daquela tarde lhe tire o sono. Pelo contrário. Não há ódio em suas falas e é com uma risada que ela comenta que não suporta os filmes do diretor. "É sempre aquele tipo de filme triste, trágico, difícil. Eu assisto a comédias, gosto de filmes de suspense, aventura", justifica, bem-humorada.
Seu livro, "A Menina", chega ao Brasil nesta semana, editado pela Leya, e reconta com muitos detalhes a relação sexual com Polanski, em uma Califórnia sensualizada ao extremo, quando ela não consentiu e nem se afastou das investidas. "Por que não digo 'não'? Por que não digo 'não me toque'?", ela se questiona, repetidamente, no livro.
Samantha também descreve o furacão que tornou sua vida e que voltaria a devassar sua família em 2009, quando o diretor foi preso na Suíça, com pedido de extradição por parte dos Estados Unidos. Hoje ela afirma que o perdoou e, ao UOL, diz que tem empatia por ele. "Eu o entendo". O maior pesadelo, ela conta, foi a pressão da mídia.
"Durante um ano eu acordava para um novo dia e tinha que enfrentar júri, histórias deturpadas, de nossas vidas miseráveis, da minha mãe, dizendo que ela tinha me oferecido a Roman (ela sempre o chama pelo primeiro nome). Mas toda essa experiência na sequência foi muito pior do que aquelas 15 minutos de uma tarde ruim".
UOL - Mais de 35 anos depois do caso, você decidiu contar sua versão da história em livro. Como foi esse processo e por que publicá-lo agora?
Samantha Geimer - Eu nunca tinha pensado nisso, na verdade. Durante toda minha vida, ouvi as pessoas dizerem: escreva um livro, escreva um livro. Eu nunca achei que faria isso por que toda a publicidade em cima do caso já tinha sido difícil e doloroso para mim e para minha família. Depois de Roman ser preso em 2009 e a mídia voltar à minha casa, seguindo meu filho, me esperando no aeroporto, pensei que poderia fazer que as pessoas parassem de contar mentiras e investigar minha vida. Contar a verdade, após você passar 25 anos ouvindo as pessoas falando o que querem sobre o caso. Eu acho que esse tipo de experiência ainda é relevante hoje em dia. Tomara que esse livro faça bem para outras pessoas, que passaram ou estão tentando passar por esse trauma. Que esse livro ajude essas pessoas a falarem mais sobre o assunto.
Você realmente acredita que Roman realmente queria te fotografar? Ele sempre afirmou que o trabalho era para a revista Vogue, mas essa parceria foi colocada em dúvida durante seu julgamento.
Sim, eu ainda acredito que ele realmente queria fazer aquelas sessões de fotos. Se não fosse comigo, seria com outra pessoa. Eu e meus pais viam aquilo como uma grande oportunidade para que eu tivesse um portfólio, ficar mais exposta para outros trabalhos. Pelo menos, era o que esperávamos.
Hoje em dia parece que você se sente confortável com essas fotos. Elas ilustram o livro e são realmente muito bonitas.
Eu acho que as pessoas pensam que eu fico chateada, mas eu não tenho essa reação sentimental com elas. Talvez porque tenha se passado muito tempo ou porque eu tenha tido a chance de vê-las muitas vezes. Mas eu as vejo com um olhar crítico, como se fosse um trabalho, sem grande arrependimento. Não me afeta emocionalmente, nem traz memórias ruins. Talvez traga um pouco, bem pouco, mas se passaram tantos anos...
Então como você avalia essas fotos sob esse olhar crítico?
Tem algumas que eu gosto muito, mas a maioria eu acho que são bem ruins. Há algumas dessas fotos que as pessoas gostam e dizem: essas são boas. Sempre viro e digo: bem, com essa modelo (risos). Parece prepotente, mas sabe, é interessante ter essas fotos. Fico feliz de tê-las aí, mostrando essa fase da minha vida.
Durante a prisão de Roman Polanski em 2009, você já estava casada e com filhos. O que você sentiu quando ficou sabendo da notícia?
Eu estava de férias em Colorado com meu marido, quando uma amiga me ligou dando a notícia. Foi realmente um grande choque. Achei arrogante da parte da mídia e de outras pessoas envolvidas no caso. Mas eu imaginava que ele não pudesse ser extraditado, e não foi.
Acha que ele mereceu?
Eu não acho que ele mereça do jeito que as pessoas falam, como também acho que eu não mereço ouvir o que as pessoas falam sobre mim. Em 77, as pessoas diziam coisas horríveis sobre mim e minha mãe, então tenho uma noção de quão ruim é quando você é criticado assim. E olha que não foi fácil pra mim. Eu não acho que ele mereça toda essa negatividade e ofensas. Acho que tenho uma opinião bem diferente das outras pessoas.
No livro você comenta as tragédias de Polanski (o diretor perdeu a mulher Sharon Tate em 1969, brutalmente assassinada, aos oito meses de gravidez) e, em certo momento, parece que você chega a ter pena dele.
Eu o entendo. Ele tinha mulher e filhos. Não sei se posso dizer que é pena, acho que é mais empatia, de alguém que entende uma pessoa que passou por uma má experiência. De alguém que entende o que é humilhação pública.
"Eu não acho que Roman mereça o julgamento que as pessoas fazem, como também acho que eu não mereço ouvir o que as pessoas falam sobre mim", diz Samantha Geimer
Você discorre muito sobre a pressão da mídia e dos jornalistas durante o julgamento. Você quer dizer que essa exposição de sua vida foi pior do que o estupro?
O ano de 1977 foi bem difícil para mim. O que aconteceu comigo e com Roman durou um pequeno fragmento de tempo. Aquela tarde foi amedrontadora e desagradável, mas durante um ano eu acordaria todos os dias para enfrentar o júri, histórias deturpadas de nossas vidas. Nosso telefone não parava de tocar e os fotógrafos ficavam sentados com suas câmeras na esquina de casa. Tudo isso durou um ano e todo dia era horrível. O caso todo com Roman foi rápido e eu nem tive tempo de pensar sobre. Mas toda essa experiência, na sequência, foi muito pior do que aqueles 15 minutos de uma tarde ruim.
Você diz no livro: "estupro, para mim, significava algo rápido, brutal e anônimo". Você passou um tempo então sem se considerar vítima de um estupro?
Eu era muito jovem e não tinha nem mesmo entendido que o que ele tinha feito era contra a lei. Soube depois que me explicaram. Eu tinha quase 14 anos, mas na minha cabeça, estupro era algo violento, contra sua vontade e sob ameaças. Alguém tentando te machucar. Eu não passei por essa experiência. Depois que fui entender que foi um crime sério por conta da minha idade.
Você comenta sobre a década de 70 e de como o erotismo estava presente em todos os lugares, principalmente na Califórnia. Como você avalia isso hoje? Você agiria diferente diante das investidas de Polanski se fosse hoje em dia?
Não sei se eu reagiria diferente, mas acho que a sociedade sim. Esse tipo de caso está mais nos noticiários e as pessoas estão falando muito mais sobre o assunto e os julgamentos não são precipitados. Na década de 70, eu não sei se era mais ou menos comum, mas as pessoas já antecipavam um julgamento pela sua idade.
Em um artigo escrito por você, na época de lançamento do filme "O Pianista", você pediu: "Julguem o homem, não julguem o filme". Tantos anos depois, você assiste aos filmes do Polanski?
Sabe, eu não assisto aos filmes dele, eu não assisti "O Pianista". Apenas fui convidada para escrever um artigo, na época, para falar sobre a controvérsia quanto a indicação dele ao Oscar. Eu não vejo os filmes apenas por que não é bem os tipos de filmes que eu gosto. Pessoalmente, não sou muito ligada em dramas, filmes como histórias trágicas. Não é meu tipo (risos).
Mas "Chinatown" você assistiu, certo?
Eu lembro de ter assistido "Chinatown" nos cinemas, no começo dos anos 70. Mas você sabe, era aquele tipo de filme triste, trágico, difícil. Eu assisto comédias, gosto de filmes de suspenses, aventura. Eu não assisto a outros tipos de filmes. Se ele fizesse outros tipos de filmes, eu certamente veria.
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