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"Comédia era tratada como 'série B' das artes", diz Paulo Bonfá

Paulo Bonfá, idealizador e curador do Risadaria, evento de humor que hospedará o 3º Campeonato Brasileiro de Stand-Up Comedy - Divulgação
Paulo Bonfá, idealizador e curador do Risadaria, evento de humor que hospedará o 3º Campeonato Brasileiro de Stand-Up Comedy Imagem: Divulgação

Mário Barra

Do UOL, em São Paulo

31/01/2013 06h55

Desde 2010 à frente do Risadaria, evento que reúne múltiplas formas de humor em São Paulo, o idealizador e curador do evento Paulo Bonfá acredita que futebol e carnaval são paixões menos unânimes do que a comédia no Brasil.

"Para mim, aqui é o lugar do humor. Costumo dizer que já vi muita gente reclamar de tudo, mas nunca soube de alguém que não gostasse de uma boa risada", diz o humorista, que completa 41 anos nesta quinta-feira (31). "O Brasil é o único país com conteúdo de humor forte, renovado e constante, manifestado em tantas frentes diferentes."

Há 22 anos fazendo humor na rádio e na TV, Bonfá acredita que o Campeonato Brasilleiro de Stand-Up Comedy realizado pelo Risadaria seja o espaço ideal para o surgimento de novos talentos, algo inexistente quando o humorista começou (veja evolução de artistas que passaram pela competição na playlist abaixo).

"Antes não tinha muito por onde começar. O jeito era ir lá encher o saco do Jô Soares, do Chico Anysio, tudo para mostrar o seu texto. Ou conhecer alguém de TV ou rádio. O cara chegava até a atuar dentro de um grupo de teatro e, de lá, só fazer comédia para conseguir engrenar", lembra.

 

Dicas para stand-up

O Campeonato Brasileiro de Stand-Up Comedy, uma das principais atrações do Risadaria, chega à terceira edição em 2013 após consagrar os nomes de dois humoristas até então desconhecidos do grande público: Edson Junior, vencedor em 2011; e Lucas Moreira, vitorioso em 2012 (leia depoimento de cinco destaques das edições anteriores da competição no final da reportagem).

Bonfá enxerga a dupla e os demais participantes como espelhos para possíveis novos humoristas, que ainda tenham dúvidas sobre se devem ou não se aventurar no mundo da comédia em pé. Preocupados ou não em conseguir se sustentar a base apenas de risadas, os interessados devem, segundo o experiente comediante, começar pelo estudo de quem já está consolidado no mercado.

"A principal dica é ver quem já faz. O interessado deve tentar ver uma apresentação ao vivo daqueles que já trabalham profissionalmente, pesquisar na internet, não só no Brasil", recomenda. "Pode parecer difícil, mas o segredo pode ser observar os outros com autocrítica."

O curador também prefere ser realista quanto às chances de sucesso de um iniciante. "Uma parte é treino, outra é inata. Como você vai treinar carisma? Alguém pode até treinar uns sorrisos no espelho, mas isso não garante que as pessoas vão simpatizar com você. A não ser que você tente hipnotizá-las", brinca.

Bonfá aposta ainda no teste com desconhecidos como um bom parâmetro para saber se um iniciante tem futuro. "O humorista precisa estar preparado para fazer rir quem ele não conhece", lembra Bonfá, que descarta pais, familiares e amigos como boas fontes para um comediante avaliar se é ou não engraçado.

Humor em alto patamar

A vontade de tornar mais acessível o mercado de humor no Brasil não foi o único dos motivos que levou Bonfá a conceber o evento em 2007 e reunir anos depois as pessoas que atualmente são responsáveis pelo Risadaria -- a equipe de curadores conta com nomes como Marcelo Tas, Wellington Nogueira, Marcelo Madureira, Caco Galhardo e Diogo Portugal.

"Uma das ideias que nós tínhamos era de valorizar a atividade da comédia, colocar o humor no mesmo patamar das outras manifestações artísticas", diz Bonfá. "Existia um sentimento entre nós de que a comédia era tratada como a série B das artes."

Para mostrar como a comédia sempre fez mais sucesso do que se imagina no Brasil, Bonfá cita vários exemplos que mostram como o humor era apreciado no país muito antes da criação de um evento específico sobre o gênero como o Risadaria.

"O Zé Simão era o colunista mais lido no principal jornal do país, a peça mais vista já era 'Trair e Coçar É Só Começar', as atrações mais assistidas da MTV e da Rede TV! eram programas de humor e o programa mais antigo na linha de shows da TV Globo era o 'Casseta & Planeta'", afirma. "O Risadaria só teve o papel de amarrar essas pontas, embalar o produto e devolver à sociedade."

  • Arquivo UOL

    Paulo Bonfá em almoço de lançamento da edição de 2011 do Risadaria

Censura

CAMPEONATO CHEGA À 3ª EDIÇÃO; LEIA REGULAMENTO

Os interessados em participar da competição deverão acessar o site oficial do evento, hospedado no UOL.

Os candidatos podem enviar até três vídeos de cinco minutos cada, mas precisam ser maiores de 18 anos e respeitarem o formato de stand-up comedy: texto autoral, sem maquiagem ou recursos como cenografia, música e iluminação. A participação é gratuita e o período de incrições vai até 15 de março.

A partir do dia 18 de março, todos os inscritos terão seus vídeos avaliados pelo público, que poderá votar nos seus vídeos favoritos. Os dez mais votados estarão na final do campeonato, a ser realizada no dia 14 de junho em São Paulo.

Na competição, quatro categorias serão avaliadas pelo júri técnico durante a final em 14 de junho: carisma, tempo de comédia, originalidade do texto e presença de palco.

O vitorioso irá se apresentar ao lado de humoristas famosos no palco do Risadaria de 2013, a ser realizado também em junho.

Com o bom momento dos humoristas no país, a discussão sobre os limites para as piadas entre os humoristas não chega a abalar a forte convicção de Bonfá em rechaçar qualquer tipo de censura.

O caso mais recente envolveu a exibição da comédia "Ted", de Seth MacFarlane, que foi criticada pelo deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP). O político chegou a pedir a alteração da classificação indicativa do longa.

Sem citar o imbróglio com o filme, Bonfá rechaça qualquer ideia de censura. "Acho que não deve existir uma forma prévia de determinar o que pode ou não ser escrito, lido ou manifestado", afirma. "Esse debate hoje está em cima dos comediantes, mas se as proibições ao nosso trabalho começarem a surgir, isso talvez possa abrir precedentes que irão afetar professores, advogados, jornalistas."

O universo do stand-up comedy, outro alvo favorito para críticas, também é defendido por Bonfá, que demonstra segurança na capacidade do próprio mercado de humor garantir a sobrevivência de comediantes de verdade. "Teve esse holofote gigantesco nos últimos anos, muito burburinho, muito aventureiro que se lançou, mas o gênero veio para ficar. Quem for bom, vai ter plateia", garante.

'Humor negro'
Ao comentar sobre a infância passada com os episódios de "Os Trapalhões" na tela da TV, Bonfá lembra que a atração que foi sucesso na TV Globo nas décadas de 1970 e 1980 continha caricaturas que envolviam negros e homossexuais."Nem por isso essas pessoas que assistiam ao show se tornaram homofóbicas ou racistas. Tinha episódio com pancadaria, mas nem por isso os espectadores saíram batendo nas pessoas na rua", afirma.

Bonfá também se lembra com orgulho de experiências realizadas no próprio Risadaria, quando  as pessoas foram levadas ao engano ao pensarem que o evento Humor Negro traria piadas muito pesadas -- na verdade, tratava-se apenas de uma reunião de humoristas negros. Houve também uma sessão somente com comediantes portadores de deficiências físicas, reunidos no ParaRisadaria.

"As pessoas compreenderam que o espírito da coisa é dar risada", afirma o idealizador sobre essas iniciativas que poderiam ser compreendidas como momentos mais "ousados" do Risadaria.

Longe de achar que palavras não têm peso, Bonfá prefere apresentar sua visão sobre a comédia apenas com o bom senso. "As pessoas não devem ser impedidas se expressar, mas precisam arcar com as consequências. Falou o que quis? Agora aguenta."

Lucas Moreira - Vencedor do Campeonato Brasileiro de Stand-Up Comedy do Risadaria em 2012, o carioca afirma que a principal vantagem de participar da competição foi poder se aproximar do mainstream humorístico.

Lucas chegou a se apresentar em Portugal como prêmio após a vitória na segunda edição da disputa de novos talentos da comédia em pé, mas reconhece que não é só o cartaz que importa no Risadaria. "Participar do evento por si só é bom, você fica ao lado de um monte de gente que você admira", afirma. "No meu caso, o evento fez as pessoas terem mais curiosidade pelo meu trabalho. Eu recomendo que todo mundo tente mesmo, eu mesmo não passei na primeira vez que me inscrevi."
Edson Junior - Vindo de Santos, Edson faturou a primeira edição do Campeonato Brasileiro de Stand-Up Comedy do Risadaria, em 2011, e conseguiu largar o trabalho de vendedor na rua por conta do sucesso que obteve depois. "Comecei a fazer shows em muitos lugares, comecei a ter local fixo para me apresentar em Santos", lembra.

Edson dá a dica para quem quiser seguir os seus passos: "O cara precisa ser bom e comprometido. Se for só um hobby, é melhor procurar outra coisa". Atualmente com cinco anos de experiência, o humorista sente que o Brasil ainda não possui uma cultura consolidada de stand-up comedy, mas testemunhou que a repercussão nos últimos anos tem feito as pessoas compreenderem melhor este tipo de humor.
Gigante Leo - Vice-campeão da primeira edição da disputa, em 2011, Leonardo Reis teve a oportunidade de ser entrevistado à época por Jô Soares e participou do "Programa do Faustão".

Contente com o fato de seu nome ter sido catapultado para o âmbito nacional, o Gigante Leo também teve sucesso em um reality show para humoristas realizado pelo canal Multishow em 2012. Leonardo faz questão de alertar a iniciantes sobre o que é o stand-up. "A pessoa deve procurar estudar o que já existe. Stand-up não é piada pronta, isso é outro tipo de humor."

Atualmente, Leonardo ainda trabalha como funcionário público, mas espera poder viver apenas de humor em breve.
Paulo Vieira - Vice-campeão em 2012, o tocantinense Paulo Vieira tem certeza de que foi o humorista que teve a vida mais alterada depois de participar do Campeonato Brasileiro de Stand-Up Comedy.

"Passei a fazer show fora de Tocantins, participei de programas na Comedy Central, o da Ana Hickmann", lembra o comediante. "Para quem está fora do eixo formado por Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, é muito difícil de aparecer. Mas o Risadaria me deu a oportunidade de poder viver somente de comédia, mesmo morando fora das principais praças."

Mesmo ciente do sucesso que faz no centro do país, Vieira se apresenta mensalmente na casa Comedians, em São Paulo.
Thiago Carmona - Uma das revelações da primeira edição do campeonato, em 2011, Thiago Carmona já teve durante quase um ano no elenco da TV Record, uma das consequências de sua partipação no evento do Risadaria.

"Acho que vale sempre participar do concurso. Esse sempre foi o meu pensamento. Mesmo que não desse certo, eu pelo menos ia curtir", brinca.

Ciente de que há profissionais sérios e aventureiros no mesmo mercado, Thiago alerta os interessados sobre a diferença entre fazer os amigos rirem e arrancar risos de plateias inteiras. "Às vezes, o cara é engracadinho com os colegas. Mas é outra coisa escrever um texto de humor, interagir no palco."