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Bem-humorado, Ziraldo chega aos 80 cheio de projetos, mas brinca: "já passei da hora"

Ziraldo participa de evento em homenagem a Monteiro Lobato, em São Paulo (2/9/12) - Lucas Lacaz/Folhapress
Ziraldo participa de evento em homenagem a Monteiro Lobato, em São Paulo (2/9/12) Imagem: Lucas Lacaz/Folhapress

Estefani Medeiros

Do UOL, em São Paulo

24/10/2012 05h00

Mesmo enquanto está no telefone, Ziraldo não perde tempo. Pede licença para resolver alguma coisa em seu ateliê, no Rio de Janeiro. Chama a secretária Ivone e reagenda evento, pergunta sobre prazo de entrega. Interrompe a ligação várias vezes. Ativo aos 80 anos, o cartunista brasileiro, pioneiro das histórias em quadrinhos nacionais, diz que nunca trabalhou tanto, mas comenta rindo que, às vezes, sente que "já passou da hora."

Batizado Ziraldo Alves Pinto, o cartunista conversou com o UOL sobre o significado do aniversário, comemorado nesta quarta-feira (24), lista dez amigos ativos após os 80, indica seus trabalhos mais importantes e conta como começou a trabalhar com quadrinhos e por que decidiu abandonar o PT. 

UOL Entretenimento: O que significa ter 80 anos?
Ziraldo:
Significa que já cumpri, já passei da hora (risos). Na verdade não mudou nada. Não tem mudança nenhuma, só estou cansando mais cedo, estou mais cansado. Mas também estou trabalhando tanto quanto ou até mais do que sempre trabalhei. A pior postura do homem é o comodismo. Tem uma frase do Cervantes, do "Dom Quixote", em que ele diz que seu repouso é em um campo de batalha. Comigo é por aí.

Você se lembra do primeiro gibi que você leu?
Sem dúvidas, foram os heróis. Batman era meu amigo na adolescência, foi o primeiro gibi que caiu na minha mão. Na hora me pareceu uma coisa que eu nunca mais ia parar de ler. Ninguém me pediu pra descrever na época, mas decidi com dez anos, quando peguei esse gibi, que era isso que eu queria fazer. Comecei a comprar gibi adoidado, comprava tudo, o jornaleiro já sabia e deixava tudo em casa. Isso apesar de a Igreja Católica ser ortodoxa na época e proibir a leitura de gibi, porque dispersava os conhecimentos da Bíblia.

E sua família deixava você ler mesmo assim?
Na verdade, meu pai foi um grande incentivador deste tipo de leitura. Até hoje não sei por que, mas ele geralmente comprava as revistas e levava para mim.

E porque você decidiu trabalhar com quadrinhos?
Sempre gostei de criar histórias e personagens. Quando vim para o Rio de Janeiro, queria justamente desenhar quadrinhos. Quase não existia produção aqui, foi quando descobri que tudo na verdade vinha dos Estados Unidos.

Ziraldo lista seus trabalhos mais importantes

“A revista Tererê é uma das mais importantes, foi a primeira HQ brasileira colorida. Primeira coisa de impacto.

A Flicts também foi importante porque foi meu primeiro livro infantil. Na época o Drummond escreveu um artigo sobre a revista dizendo que foi consagradora.

O Pasquim também, um trabalho político com meus amigos e o Menino Maluquinho, que já ganhou diversos prêmios”.

Você tem boas lembranças da sua infância?
Não tenho muitas referências. O que consigo lembrar já transmito em livros que falam sobre o sentimento infantil. Minha filha era a única menina com pais separados na escola. Quando coloquei isso nos quadrinhos, pareceu mais normal ser filho de pais separados. Um dia, um cara chegou e me disse que meus livros resgataram sua infância. Não gostei, perguntei: “Resgataram como”? E ele me disse que era uma criança problema para os pais e quando passou a ler o "Menino Maluquinho" viu que esse é o segredo da vida, viver intensamente as energias.

Você acha que seus livros ainda têm papel importante na educação?
A gente vai transformar o Brasil em um país de leitores, estamos no caminho. Agora, uma rede de bancos está usando uma frase minha para divulgar uma campanha de incentivo à leitura. Mas os caras não entendem, indicam pra ler história de fada, de lobo mal. P**a chatice. Essas pessoas não sabem escolher livros para crianças. Os pais têm que saber o que indicar para os filhos.

E isso cai no tópico da internet no papel da educação.
Hoje existe muita informação, muito acesso ao conhecimento. A ferramenta é ler. Tem que ler livro. A internet só serve a quem tem curiosidade, buscando. Se você não tem nada a procurar, não tem curiosidade de ir além, a informação pela informação é inútil. Conversa fiada.

Você era esquerdista na época do Pasquim, atualmente você ainda participa de algum partido político?
Mudaram as circunstâncias, mas não mudou a minha maneira de ver o mundo. Tudo o que está ao meu alcance, e eu posso fazer, eu continuo. Acho que a coisa não está mais colocada assim. Estar na esquerda é estar contra tudo que você não concorda.

E o PT?
O PT se deixou contaminar, então larguei e agora sou PSOL. Eles ainda não se contaminaram, vamos ver o que acontece. Eles ainda têm pureza politica, o PT virou só mais um partido. Mas já foram a coisa mais importante que aconteceu na ditadura. Criou essa figura do Lula, esse fenômeno.

Você disse em entrevistas que com a morte de amigos como Millôr e Chico Anysio você se sente sozinho. Você ainda se sente sozinho?
Eu? Imagina! Posso te listar dez amigos meus que estão na ativa após os 80: Zuenir Ventura, Sérgio Ricardo, Paulo Casé, Ferreira Goullart, Jaguar, Zé Hugo, Alberto Ginis, Antônio Abujamra, Quino e Modilha. Se quiser listo até 11. 

O Quino (cartunista argentino) completou 80 anos recentemente e decidiu fazer uma pausa na carreira. Isso aconteceria com você?
Olha, eu conheço o Quino, nos falamos sempre. Ele está de brincadeira. Ele não faria isso. O Quino, o (Guillermo) Mordillo e eu somos muito amigos. A gente ainda vai lançar um livro: “240 anos de humor latino-americano”. (risos)