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"Foi um mau passo da minha carreira", diz Luiz Carlos Miele sobre "Cocktail", programa do SBT

Luiz Carlos Miele dá entrevista ao UOL na sala de sua casa em São Conrado, na zona sul do Rio (20/8/2012) - André Durão/UOL
Luiz Carlos Miele dá entrevista ao UOL na sala de sua casa em São Conrado, na zona sul do Rio (20/8/2012) Imagem: André Durão/UOL

Carla Neves

Do UOL, no Rio

24/08/2012 07h00

Aos 74 anos, Luiz Carlos Miele tem um arrependimento na vida. Em entrevista ao portal UOL na sua casa em São Conrado, na zona sul do Rio, o showman, produtor musical, comediante, mestre de cerimônias, apresentador de TV, cantor e ator confessou que se arrepende de ter apresentado o programa “Cocktail”, exibido entre 1991 e 1992 no SBT. “Isso foi um mau passo da minha carreira. Aquilo era muito ruim. Eu fiz, mas não que eu tenha gostado”, contou.

  • Miele comandou o "Cocktail" no SBT

Dedicado ao público adulto, o programa era um jogo disputado entre dois participantes, geralmente um homem e uma mulher. No decorrer da atração, as garotas tim-tim, cada qual representando uma fruta, exibiam os seios de acordo com a natureza de cada brincadeira. Havia também as garotas-estado, que faziam um striptease quase por completo. No fim do programa, a superestrela fazia um striptease total, mas sem exibição genital.

Questionado se teria sido ele o inventor do conceito "mulher-fruta" –já que em “Cocktail” havia as mulheres pêssego, laranja, morango, limão e uva, entre outras–, Miele respondeu com humor.  “Eu não vou fazer piada sobre a mulher-fruta porque é grotesca, mas eu não aproveitei nenhuma. Digamos que eu não mordi nenhuma maçã daquelas, para não dizer o pior”, afirmou, aos risos.

André Durão/UOL
Aí falei: ‘que simpático, mas eu acho que não vou aceitar porque eu conheço bem não só a versão original, como a versão dos negros, e era o Michael Jackson que fazia o espantalho’. Eu agradeci, mas disse que seria frustrante entrar no espetáculo sem cantar nem dançar, já que o mágico só entra no final. Aí me ligaram três dias depois e falaram: ‘olha, o Charles e o Cláudio resolveram fazer para você uma canção que não existe no espetáculo original que é para ver se você aceita fazer’.

Miele, sobre fazer "O Mágico de Oz"

Em cartaz como o personagem-título do musical “O Mágico de Oz”, no Rio, Miele falou sobre como está sendo atuar, comparou a TV, o cinema e a música de sua geração com o que é feito atualmente, adiantou alguns de seus inúmeros projetos e lamentou as perdas naturais da idade. “Outro dia o Jaguar [cartunista] e eu pensamos uma coisa em mais um velório que fomos. Eu falei: ‘Jaguar, vamos abrir uma conta no bar aqui em frente ao São João Batista [cemitério na zona sul carioca] e pagar por mês. Porque a gente vem tanto aqui, que ficar fazendo essa despesa toda hora, né?’. Porque eu estou resistindo da minha geração. Mas cada dia é um”, contou.

Leia a seguir a entrevista completa com Miele:

UOL – De uns tempos para cá você tem se dedicado à atuação (atuou em “Mandrake”, da HBO; na minissérie ‘O Brado Retumbante’, da Globo; no filme ‘As aventuras de Agamenon – o repórter’ e agora está em cartaz com ‘O Mágico de Oz’). Como está sendo isso?
Luiz Carlos Miele –
É engraçado porque depois de uma certa idade, vamos dizer assim, não sei bem por que alguém resolveu me utilizar como ator. Eu sempre estive no palco como showman, fazendo espetáculos de humor, dividindo espetáculos com outras pessoas. Então em um certo momento eu comecei a fazer show com os filhos das pessoas que eu dirigi: o Simoninha, o Danilo Caymmi, os filhos do Baden [Powell]: Marcel e Felipe Baden Powell. Meu Deus do céu, agora eu estou trabalhando com os filhos das pessoas que eu produzi e dirigi! E sempre ao lado do Ronaldo Bôscoli, pelo menos até quando ele foi vivo. [Ronaldo Bôscoli morreu em 1994]. Eu estou brincando que eu ainda vou fazer um show com a filha da Maria Rita [cantora, filha de Elis Regina]. Eu ainda não pude ver, mas acredito que deve ser uma coisa bem dramática ela grávida cantando o repertório da mãe. Deve ser muito forte.

Mas como e quando exatamente você resolveu se dedicar à atuação?
Depois de um tempo, o André, que é produtor e filho do Artur da Távola, me ligou e perguntou: ‘Miele, você tem interesse de fazer um filme?’. Eu disse que não era o meu métier, mas é claro que eu gostaria. E perguntei: ‘Como é?’. Ele disse que era o "Mandrake" (2005), escrito pelo Rubem Fonseca, grande contista brasileiro, e dirigido pelo filho dele, José Henrique Fonseca. ‘O Mandrake é o Marcos Palmeira e você fará o sócio dele’, disse o André. Fizemos primeiro oito episódios. Depois fizemos mais oito. Foi produzido pela HBO internacional. Aí esse “Mandrake” foi muito bem, principalmente no exterior e nos países de língua hispânica. E para a surpresa até da HBO ele ganhou do “Roma”, que foi uma superprodução, que custou aproximadamente U$80 milhões. Enquanto o “Mandrake” custou U$8 milhões. E agora a HBO nos contratou de novo e nós vamos fazer no ano que vem mais dois longas.

Mas depois de “Mandrake” você continuou a atuar...
Depois de “Mandrake”, a Fernanda Torres [atriz], que eu não conhecia, me ligou e falou: ‘Você gostaria de fazer uma série comigo na TV, no Multishow? São as crônicas do Millôr Fernandes. Chama-se ‘Amoral da História’. São nove episódios’. E eu falei: ‘que simpático!’. No começo era para eu entrar em dois só. Cada episódio tinha um tema diferente: um era o herói grego, o outro um alcoólatra, depois um juiz de futebol. No fim ela resolveu que eu devia fazer todos. E eu fui a uma reunião com ela e disse: ‘Fernanda, primeiro muito obrigada pelo convite. Mas você é cercada por tantos bons comediantes, por que eu? Tô curioso’. E ela respondeu: ‘Porque você gravou em 1900 e nada um LP sobre as crônicas do Millôr Fernandes com minha mãe, meu pai e o Ruy Afonso. E eu cresci ouvindo essas coisas do Millôr. Mesmo antes de eu ser profissional. Então quando houve essa oportunidade de fazer as crônicas do Millôr eu lembrei da minha infanto-juventude e pensei em você’. Foi muito legal. Pena que o Multishow não tenha tanta visibilidade. Mas foi muito criativo e gostoso de fazer.

E depois?
Depois eu fiz mais dois filmes: uma participaçãozinha em "As aventuras de Agamenon, o repórter" e em “Os Penetras”, com direção do Andrucha Waddington. Em seguida fiz “O Brado Retumbante” e “Tapas e Beijos”, onde eu faço o pai do Vladimir Brichta. Não sei se foi uma brincadeira da Fernanda [Torres], mas a produção do seriado me ligou e falou assim: ‘A Fernanda mandou dizer para você que o papel é de um coroa sem vergonha, que vive paquerando as meninas. Você não precisa nem ensaiar’. ‘Então tá bom, é comigo mesmo’ (risos).

E como surgiu o convite para “O Mágico de Oz”?
A produção me ligou e disse: ‘Aqui é da produção do ‘Mágico de Oz’, do Charles Möeller e do Cláudio Botelho, e queremos convidar você para fazer’. Aí eu perguntei: ‘Que papel?’. E eles falaram: ‘O Mágico’. Aí falei: ‘que simpático, mas eu acho que não vou aceitar porque eu conheço bem não só a versão original, como a versão dos negros, e era o Michael Jackson que fazia o espantalho’. Eu agradeci, mas disse que seria frustrante entrar no espetáculo sem cantar nem dançar, já que o mágico só entra no final. Aí me ligaram três dias depois e falaram: ‘olha, o Charles e o Cláudio resolveram fazer para você uma canção que não existe no espetáculo original que é para ver se você aceita fazer’. E eles fizeram mais uma cena no primeiro ato e outras coisas para eu participar e eu estou participando.

Mas você gosta de atuar?
Gosto. É a primeira vez que eu atuo e não é o meu show. Então eu ainda estou estranhando um pouco a química do teatro. Ficar no camarim para voltar no final do segundo ato, não poder improvisar, não poder errar as deixas, isso eu custei a assimilar, mas acabei me acostumando. Estou fazendo um show também, já fizemos uma temporada no Bar do Tom, e começaremos de novo agora em outubro, que é uma grande brincadeira. Chama-se “Ménage à trois", com o Chico Caruso e a Rogéria. É bem divertido. É um vaudeville escrachado. Esse começa em outubro.

Você sempre esteve cercado por músicos talentosos. O que você acha dessa nova geração de músicos, como Gusttavo Lima e Michel Teló?
Eu acho que isso é uma coisa parecida com música, mas não é música. É um investimento cultural mais simples, digamos assim. Eu acho que isso veio com esse processo atual, pelo qual o mundo está passando, da internet, dessa banalização cultural do erudito. Eu acho que não se pode reduzir o sucesso a três palavras – ‘oi, oi, oi’ – ou a uma frase – ‘ai, se eu te pego’. Então eu não sei se isso é uma fase só. Eu não posso dizer que não gosto desse tipo de música. Eu só não me emociono.

MPB e bossa nova são músicas feitas há 50 anos. E eu me pergunto se daqui a 50 anos a gente ainda vai ouvir as músicas de hoje. Não sei se elas vão resistir.

Miele, sobre os músicos atuais

Você considera a música da sua geração melhor?
MPB e bossa nova são músicas feitas há 50 anos. E eu me pergunto se daqui a 50 anos a gente ainda vai ouvir as músicas de hoje. Não sei se elas vão resistir.

Assim como a música, a TV e o cinema mudaram bastante da sua época para cá. O que mais mudou, na sua opinião?
Fiquei fora da televisão um certo tempo – o que me custa, porque eu adoro – e quando eu fui fazer “O Brado Retumbante”, tinha uma cena na sala do meu personagem, que era o senador, aí nós demos uma passada no texto e o diretor falou assim: ‘vamos gravar’. E eu falei: ‘mas não vai montar a luz?’. ‘Não, Miele. Já tem um refletor lá fora, um rebatedor. Essa câmera aqui se eu acender uma vela ela grava’, disse o diretor. Não tinha refletor nenhum dentro do cenário e era um escritório fechado.

E o cinema?
O cinema é impressionante. Fui fazer um longa-metragem francês e foi muito engraçado porque eu fui fazer um bicheiro e ele morava numa casa cheia de objetos de arte. E nós tivemos uma cena na favela sem luz nenhuma, só com a iluminação da câmera. Foi surpresa para mim. A gente fazia cinema com muita improvisação e tesão, porque não tinha dinheiro. Hoje o cinema brasileiro tem uma produção altamente profissional.

Você vê novela?
Vejo uma vez por semana, que é quanto dura um assunto. Você liga segunda e na sexta está no mesmo assunto ainda. Mas sei que a novela tem que ser assim.

O que você acha que falta na programação das emissoras abertas?
Sinto falta do musical com roteiro, com ideia, dos musicais mais elaborados. Hoje em dia o musical é um show. E também quando eu falo que gosto mais disso não quer dizer que eu saberia fazer o de hoje.

E como você analisa o humor feito na TV atualmente?
Gosto desse tipo de humor das séries e sitcoms. Acho da maior qualidade. Hoje em dia também há um sucesso que demorou para acontecer, que é o do humor feminino. A Ingrid Guimarães, a Heloísa Perissé e a Débora Bloch são humoristas formidáveis. O humor feminino antigamente era restrito à Consuelo Leandro. Talvez porque naquele tempo todo autor de humor era homem. Então a mulher era sempre vítima das piadas. Era a boba, a esposa, a otária. Acho que aí vem o valor da Fernanda Young, que é uma mulher que escreve sem o preconceito masculino. Acho que a relação feminina das mulheres é muito boa.

Falando em mulheres, entre 1991 e 1992, você apresentou um programa no SBT, chamado “Cocktail”, em que vivia rodeado por elas. Como foi essa experiência?
Isso foi um mau passo da minha carreira. Aquilo era muito ruim. Eu vou contar por que eu fiz aquilo. É uma coisa muito fácil para o entrevistado falar mal de uma coisa que ele não faz. E é um erro no qual o entrevistado quase sempre navega. Quando o Silvio Santos me chamou para fazer aquilo, eu pensei em usar a desculpa da nudez para levar para a TV o que a “Playboy” fazia. Ou seja, a “Playboy” até hoje, se você for ler, tem a primeira seção da mulher nua, a outra seção que é jazz e popular, depois outra seção com mulher nua, depois outra com o melhor do cinema... Pensei: ‘vou levar isso para a TV’. E gravei o primeiro programa assim, discutindo com o diretor. Deixa eu colocar aqui uma frase do Millôr Fernandes? E ele levou a gravação para o Silvio Santos, que me chamou e falou assim: ‘você não entende nada de SBT. Isso aqui é um programa assim, assim, assim para atingir o público das onze horas da noite e se você quiser fazer é assim’. E eu fiz. Mas não que eu tenha gostado.

Você se arrepende?
Me arrependo um pouco porque eu podia ter ficado rico com esse programa. Porque ele ia, por exemplo, para Palmas (TO). Tinha um telão na praça. Os homens todos compravam a cerveja e se reuniam lá para ver porque tinha restrição para ver em casa com os filhos e com a mulher. Então esse programa fazia um sucesso absurdo no Brasil inteiro. E eu recebi 500 convites para pegar as meninas e viajar fazendo os shows pelo Brasil, mas eu ficava constrangido com aquilo e não fui. Eu fiz o programa, mas deixei de ganhar o dinheiro que aquilo podia me trazer. Qualquer cidade do interior, se eu chegasse na praça, ia arrebentar com o “Cocktail”.

Mas você acha que foi o inventor do conceito "mulher-fruta"?
Eu não vou fazer a piada sobre a mulher-fruta porque é grotesca, mas eu não aproveitei nenhuma. Digamos que eu não mordi nenhuma maçã daquelas, para não dizer o pior [risos].

Você sempre foi rodeado por muitos amigos, como o Ronaldo Bôscoli, a Elis Regina.  E alguns deles não estão mais aqui...
Outro dia o Jaguar [cartunista] e eu pensamos uma coisa em mais um velório que fomos. Eu falei: ‘Jaguar, vamos abrir uma conta no bar aqui em frente ao São João Batista [cemitério na zona sul carioca] e pagar por mês. Porque a gente vem tanto aqui, que ficar fazendo essa despesa toda hora, né?’. Porque eu estou resistindo da minha geração. Mas cada dia é um. Tanto que enquanto estava ensaiando o show chamado “Menage à trois” com o Chico Caruso e a Rogéria, morreram seis: Pery Ribeiro, Billy Blanco, Wando, Millôr Fernandes, Chico Anysio, Paulo Cezar Saraceni. Aí o Chico Caruso falou: ‘vamos botar Homenagem à trois’.

Mas hoje quem é o seu grande amigo?
Não posso falar. Tem um livro, best-seller, chamado “Como fazer amigos e influenciar as pessoas”. Influenciar as pessoas eu não sei se eu consigo, mas fazer amigos eu pratico. Então eu não posso citar nomes porque se eu esquecer de algum vai ficar chato.

André Durão/UOL
Quando eu cheguei, eu falei: ‘como você coloca uma estátua minha na minha casa, Anita? Vai parecer que eu estou me achando o máximo’. E ela não me deixou tirar. Então quando vem alguém aqui em casa, eu faço da estátua um palhaço. Coloco chapéu, avental, tudo para não deixar pensarem que eu me acho digno de uma estátua.

Você tem muitas histórias...
Não tem como não ter. Só se eu não prestasse atenção na vida. O Ronaldo Bôscoli, que era meu sócio querido, uma vez falou: ‘Miele, eu sou uma esquina’. E eu estou tentando aproveitar essa esquina dele. Porque ele era irmão da Lila Bôscoli, que era esposa do Vinícius de Moraes; casou com a Elis, namorou a Maysa e foi noivo da Nara (Leão). No meu show eu falo: ‘comeu muita gente’ [risos].

Você tem uma estátua sua na sua casa. Como é a história dela?
Eu era diretor da Universidade Estácio de Sá e eles mandaram fazer uma estátua e puseram na porta da Casa de Cultura. Ela servia para anunciar os espetáculos. Quando eles venderam o prédio, acabou a Casa de Cultura e eu esqueci da estátua. Minha mulher, sem falar nada comigo, pegou um caminhão, foi lá e trouxe a estátua. E aí ela botou a estátua ali, perto da piscina. Quando eu cheguei, eu falei: ‘como você coloca uma estátua minha na minha casa, Anita? Vai parecer que eu estou me achando o máximo’. E ela não me deixou tirar. Então quando vem alguém aqui em casa, eu faço da estátua um palhaço. Coloco chapéu, avental, tudo para não deixar pensarem que eu me acho digno de uma estátua. E até no fim do meu livro [Poeira de Estrelas] eu falo: ‘essa estátua é de argila. Portanto os pés são de barro’.

Você é casado há 46 anos com a Anita, mas não teve filhos. Por quê?
A gente optou por não ter filhos numa época aí. Depois passou o tempo.

Você é paulistano, mas vive no Rio há décadas. Hoje em dia, você se sente mais paulistano ou carioca?
Eu gostaria de viver todos os dias à tarde no Rio e à noite em São Paulo.

O que você faz para se divertir?
Eu saio menos hoje em dia. Saio mais para encontrar os amigos mesmo. Tive que parar com o futebol porque eu quebrei o joelho. O uísque caiu mal para o joelho [risos]. Tomei uísque e aí quebrei a perna. Gosto de receber meus amigos no bar que tenho aqui em casa.