Porchat sobre humor: "A gente sacaneia ignorância, não quem está sofrendo"
Às vésperas de lançar a segunda temporada de sua série "Homens", Fábio Porchat falou com o UOL por vídeoconferência sobre a volta do programa, que estreia nesta sexta-feira (14) no canal Comedy Central e na plataforma de streaming Amazon Prime Video. "Fiz questão de botar um olhar masculino mesmo, porque o homem precisa perceber [o machismo] nas pequenas coisas. A gente não se dá conta."
E mesmo em tempos de crise e pandemia ainda é possível fazer humor. "Eu gosto quando a gente sacaneia a ignorância sobre o assunto, e não quem está sofrendo com o assunto. Quando a gente vai fazer uma série como 'Homens', a gente está rindo desses machistas, da falta de percepção desses caras. A gente não vai fazer uma cena em que eu espanco uma mulher e a gente vai rir disso. Não é o meu tipo de humor e não é o que a gente acredita."
Porchat, que está seguindo à risca as recomendações de isolamento social por causa do coronavírus, disse que no início desprezou o perigo que a doença poderia causar. "Acho que, como a maioria das pessoas, eu desdenhei um pouco", ele diz. "De repente, a coisa foi tomando uma proporção que todo dia parece que passou uma semana, as coisas vão mudando muito gravemente", diz ele, reafirmando a angústia de ver que o mundo não voltará a ser o mesmo como em 2019.
O humorista falou ainda sobre a politização do vírus que está acontecendo no Brasil. "Não importa se você é direita, esquerda, o vírus não está nem aí", diz. "A gente tem que eleger gente que, em um momento como esse, saiba conduzir o país. E a coisa não está acontecendo, o Bolsonaro não está sabendo liderar o país."
Confira, abaixo, alguns trechos da entrevista.
"Eu desdenhei do vírus"
Eu acho que, como a maioria das pessoas, eu desdenhei um pouco. Eu falei: 'Ah, gente, é um negócio lá na China, não vai chegar. E se chegar, chega no Brasil como mais um vírus, como foi com a gripe aviária, a gripe suína. Chega, pega em algumas pessoas, mas não é assim'. Em março eu ainda estava achando esse vírus meio balela. De repente, a coisa foi tomando uma proporção que todo dia parece que passou uma semana, as coisas vão mudando muito gravemente. Hoje eu já entendi totalmente a gravidade do vírus. Estou confinado na minha casa, só saio para ir ao mercado ou farmácia, e mesmo assim com álcool-gel na mão, lavando a mão quando volto para casa, tirando a roupa e colocando para lavar, deixando tênis do lado de fora. Estou tentando seguir todo o procedimento. Não estou vendo as pessoas, não estou indo visitar ninguém.
É muito angustiante, muito aflitivo ver que o mundo não voltará a ser o mundo que a gente estava vivendo em 2019.
Rotina na quarentena
Como eu também sou escritor, esse trabalho eu consigo fazer de casa. A gente, no Porta dos Fundos, já está começando a escrever roteiros em que cada um possa gravar da sua casa. Eu já estou escrevendo o especial de Natal do Porta, já estou pensando também em um filme em que eu vou escrever para a Netflix. Além disso tudo, tenho feito as lives, todo dia às 19h eu recebo alguém, já virou um talk show. Mas estando em casa, eu sinto muita falta desses encontros com as pessoas, de poder estar junto. O 'Que História é Essa' eu sinto muita falta de ouvir aquelas histórias no meio da galera, eu sento com eles, no colo, abraço. Eu estava reassistindo o programa que eu gravei antes do coronavírus, e eu abraço e beijo todo mundo, o tempo todo, e aí você olha e pensa: 'Caramba, que loucura'. Olha como a gente encosta nos outros, como o brasileiro faz isso. Então eu sinto muita falta do contato físico mesmo, de ver minha mãe, de abraçar, de ir almoçar na casa dela.
As pessoas precisam se preocupar muito com a saúde física, porque é isso que o coronavírus atinge, mas a saúde mental é muito importante.
As pessoas estão em casa, a maioria delas em situação muito precária, sem uma possibilidade de entretenimento. E mesmo quem tenha televisão, no fim das contas, a TV passa coronavírus o tempo todo. Minha ideia com as lives é dar para as pessoas a possibilidade de se divertir um pouco, dar umas risadas. A gente tinha essa visão deturpada de uma grande parte da população, dizendo 'a gente não precisa dos artistas', e quando a gente está em casa precisa ler um livro, ver um filme, uma série, as lives, são os artistas que estão fazendo isso. Todo mundo tem a sua importância. É triste a gente ficar desmerecendo.
Vírus sem politização
Se o líder do seu país disse que pode, então é porque pode. Mas aí vem o ministro e fala que não pode, tem que ficar em casa. É muito confuso isso. É muito triste a gente querer politizar o vírus. Em nenhum lugar está se discutindo mais se pode ou não pode sair de casa. O que se discute é: quanto tempo a gente vai ficar confinado. Lógico que o país tem que pensar em tudo, na economia, porque vai quebrar, muita gente vai falir, e por isso que a economia não pode parar, mas vai ter que parar para salvar vidas. Então o que o governo pode fazer para que os trabalhadores se sintam seguros para ficar em casa?
O pensamento tem que ser: 'Trabalhadores, fiquem em casa, que eu vou garantir que vocês possam ficar em casa', porque a gente precisa ficar dois, três meses para conseguir passar por isso. E porque a ciência, os médicos, cientistas, pessoas que estudaram para falar sobre isso, estão dizendo que essa é melhor opção. É o momento em que todo mundo tem que calar a boca, eu, você, o presidente, e ouvir o ministro da Saúde. Quem entende mais sobre coronavírus não é o Jair Bolsonaro, e sim o ministro da Saúde, os cientistas que estão estudando. Não importa se você é direita, esquerda, o vírus não está nem aí.
O coronavírus vai matar gente de esquerda e gente de direita. A gente tem que eleger gente que, em um momento como esse, saiba conduzir o país. E a coisa não está acontecendo, o Bolsonaro não está sabendo liderar o país.
Eu não votei nele, eu poderia falar milhões de coisas sobre ele, mas estamos falando agora do coronavírus e de como ele está lidando com isso agora. E ele está lidando muito mal. Não sou só eu que estou achando isso, é a população, não só nas panelas batendo nas janelas, mas líderes mundiais estão achando isso. A Organização Mundial da Saúde teve que mandar recado, porque ele deturpa recados. Eu não votei nele, mas ele é o meu presidente, então ele tem que olhar por mim. Eu tenho horror ao Bolsonaro, acho ele nocivo, mas ele tem que olhar por mim, por todo mundo.
As pessoas têm que esquecer aquela coisa de 'Bolsonaro é meu presidente'. Ele não é seu presidente, ele é o presidente de 210 milhões de pessoas. Ele tem que olhar para todos.
Fiquem em casa
Coronavírus é um negócio sério, é de verdade, o mundo está mudando, o Brasil está mudando, a gente tem que entender que isso é sério. No Brasil, um país com tanta gente morando junto em espaços pequenos, não tendo oportunidades, vai dar ruim pra muita gente. A gente tem que tentar ajudar e minimizar isso. Fique em casa para você não receber, mas também para você não transmitir. Não saia de casa se você pode não sair. Faça tudo o que é recomendado para a gente conseguir passar o mais rápido por isso e com o menor número de pessoas prejudicadas.
Humor em tempos de crise
Dá para fazer piada com tudo, mas eu gosto quando a gente sacaneia a ignorância sobre o assunto, e não quem está sofrendo com o assunto. Quando a gente vai fazer uma série como 'Homens', a gente está rindo desses machistas, do machismo, da falta de percepção desses caras. A gente não vai fazer uma cena em que eu espanco uma mulher e a gente vai rir disso. Não é o meu tipo de humor e não é o que a gente acredita. Então dá para rir do coronavírus? Muito. Agora dá para rir de uma senhora idosa morrendo sem o respirador? Olha, é um tipo de humor bastante particular e único, não é o tipo de humor que eu gostaria de fazer e nem que eu gostaria de ver o Porta dos Fundos fazendo. Mas sacanear alguém falando 'o corona não me pega, não', e aí quando vê a pessoa está com o corona, talvez isso possa ser uma coisa engraçada.
O que assistir em casa?
Eu tenho assistido muito filme antigo porque eu abri o meu armário de DVD. Eu ainda tenho o aparelho e guardei meus DVDs, tenho uns 400. E tem uma coisa ótima no DVD que são os extras. Então assisti 'Rain Man', 'Atração Fatal', 'Operação França', 'Reds' que é do Warren Beatty. Estou assistindo de tudo um pouco, está sendo um ótimo exercício para me reconectar com os filmes do passado.
No teatro, na TV e na internet
O teatro é insubstituível. Ter a reação imediata das pessoas a uma piada, não tem preço. Então teatro, para mim, é o principal, o que faz a coisa andar. Mas o bom dessa profissão é que a gente não precisa escolher, eu posso fazer teatro, TV, internet, cinema, posso estar em todas as áreas e tento estar. Então eu tenho 'Que História é Essa, Porchat' e 'Papo de Segunda' na TV fechada. 'Homens' é uma série que eu faço. Tenho o meu programa de viagens do Porta dos Fundos com a Rosana Hermann no Porta Afora, tenho esquetes do Porta dos Fundos, filme que eu vou lançar no final do ano, 'O Palestrante' com a Dani Calabresa. Então essa profissão me possibilita ter de tudo um pouco.
Porta dos Fundos
Quando o Porta dos Fundos começou, o humor estava meio bunda-mole. Na TV não podia falar nome, marca, palavrão, de vários assuntos. E, na verdade, no humor tudo pode. Tem que poder rir de tudo. A comédia é a tragédia de ontem, tem que rir das coisas que deram errado.
Quando veio o Porta, em 2012, o humor estava muito careta, muito quadrado. E o Porta deu uma balançada em tudo isso. A gente tentou levar para a TV e disseram que era humor muito de nicho, que ninguém ia rir. Mas de repente a gente tem quase 7 bilhões de visualizações, a gente entende que não é de nicho. Era uma coisa reprimida, o brasileiro estava querendo rir daquilo, é que ninguém fazia. E na internet, como éramos os donos da nossa própria emissora, a gente podia fazer o que bem entendesse. Volta e meia quando a gente vai fazer um projeto, eu pergunto: 'É um projeto que só a gente poderia fazer?'. Porque se não for, eu acho que a gente não tem que fazer. Por exemplo, 'Homens' é uma série que só o Porta dos Fundos poderia fazer, quatro caras falando de machismo, sacaneando, papo de homem na real, falando de sexo. O especial de Natal do Porta… só a gente pode fazer esse tipo de especial de Natal, por mais que a Globo faça uma coisa ou outra religiosa. A nossa função, como Porta, é vanguarda, pensar na frente, tentar pensar em alguma coisa que ninguém nunca fez. É errar para tentar acertar.
Polêmico especial de Natal
A gente faz especial de Natal desde 2013. Eu que escrevo e sempre atuo também. Em 2018 a gente ganhou um Emmy por ele, inclusive. Em 2019, cinco pessoas se sentiram no direito de pegar duas bombas e explodir na nossa produtora. O que será que mudou? A gente não mudou. Nossos especiais não mudaram. O que aconteceu no Brasil, de 2018 para 2019, que fez com que as pessoas ficassem mais agressivas, intolerantes, se sentindo no direito de serem paladinos da justiça e dos bons costumes? Essas pessoas precisam rever um pouquinho.
Jesus é amor, não é ódio. Ele está preocupado com gente morrendo, não se eu fiz uma brincadeira com Jesus. Ele está rindo disso, é um grão de areia para ele. E se você confia na sua religião, e acredita no seu Deus, não precisa se preocupar com a gente. Está na Bíblia: Deus vai tomar conta e resolver os problemas.
Eu acho que a gente está vivendo esse momento sombrio no Brasil, de pessoas se achando no direito de matar as outras. No momento em que se acha normal morrer, 'vai morrer só dez mil pessoas', e isso está tudo bem… não tinha que morrer ninguém. A gente tem que se preocupar com o próximo.
Segunda temporada de 'Homens'
A segunda temporada vem com esses amigos que entenderam que são machistas, que o mundo está mudando, e como eles estão tentando se adaptar. Então a gente tem situações com bastante foco em relacionamento, você tem um casal que vai se formar e é uma garota que já transou com todos os amigos, e como ele lida com esse fato. Vamos falar sobre sexo, tabus para os homens, fio-terra, abrir relacionamentos, como é fazer swing. E está bem engraçado. Tem o Rafael Portugal fazendo a minha piroca, ele continua lá de pinto, falando comigo, conversando apavorado com o fato de eu não estar brocha.
Eu que escrevi, e tenho redatores homens também. Fiz questão de botar um olhar masculino mesmo porque o homem precisa perceber nas pequenas coisas. A gente não se dá conta, porque a gente já é machista há tanto tempo. E eu quis falar também daqueles "pequenos machismos", como o homem que fala 'eu não sou machista, eu não bato em mulher'. É lógico, é porque você não é um criminoso, você está falando do machismo em quase última instância que é agredir fisicamente.
Quando uma mulher entra na sala e você fala: 'Chegou ela para embelezar o lugar', o homem não acha que isso é machismo. Na nossa cabeça, isso é um elogio.
A gente não entende que a gente está olhando a mulher como um objeto, como se a única função dela fosse ser bonita, ser um pedaço de carne que eu me utilizarei daqui a pouco. Na nossa cabeça, a gente foi até simpático. A gente acha estranho você não gostar, falei que você é bonita. Por que você está chateada comigo? Então assista 'Homens', dia 14 de abril, estreia a segunda temporada no Comedy Central e na Amazon Prime.
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