Fada do deboche

Irônica na TV e 'lacradora' na web, Titi Müller se vê diante do maior desafio de sua vida: ser mãe

Felipe Pinheiro Do UOL, em São Paulo Marcus Steinmeyr/UOL

Titi Müller até tentou segurar o choro "no rabo", como ela mesma disse, mas não deu. O ano é 2013, e ela está ao vivo no estúdio do programa "Acesso", quando a voz trêmula transborda a emoção.

As lágrimas daquela jovem de 26 anos, nascida em Porto Alegre, se tornaram o símbolo da dolorosa despedida da MTV, que começava a encerrar as operações pelo Grupo Abril. Anunciava-se o fim de uma era para toda uma geração, que se via representada nas figuras dos famosos VJs. O período de Titi na emissora precursora de videoclipes no Brasil foi breve, quatro anos, mas o suficiente para ela conquistar seu espaço como comunicadora.

Debochada, sincerona, politizada e feminista. Com o crescimento das redes sociais, Titi, que migrou para o Multishow, se tornou ainda mais influente. Hoje, são mais 1 milhão de seguidores que a acompanham no Twitter e no Instagram. A transmissão do último Rock in Rio, no ano passado, é um exemplo de como o jeitão Titi de se manifestar viraliza.

Agora, ela chega ao maior desafio de sua vida: ser mãe. Ser mãe de um menino. Ser mãe em um mundo repleto de machismo e preconceito. Mas, com a ajuda da criação. Um pai de três filhas que ensinou o que Titi representa hoje na TV. Os questionamentos. Os debates.

Assista a íntegra da entrevista no YouTube.

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Fada também erra

Muito mais do que o ímpeto de "lacrar", Titi tem consciência do que representa e de como pode usar a sua influência, mas ela se vê muito longe de ser a encarnação do meme "fada perfeita nunca errou".

"Errei 43 bilhões de vezes e agradeço que a MTV colocou praticamente nada no YouTube. A quantidade de bosta que a gente falava! Eram besteiras das quais me envergonho demais. E não tinha essa repercussão de virar meme. Passava batido."

"Uma vez entrevistamos o [Alexandre] Frota e lembro que eu fiquei bem chocada dele falando das partes do corpo da mulher, de algo como bife. Eu não sei nem se prestei atenção ou o que estava acontecendo comigo para não ter reagido de alguma forma. Oi, colega? Como assim? Esse é um exemplo de bilhões."

'Gênero não interessa'

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Machismo na gravidez

Titi Müller vem de uma família com marcante presença feminina. Além da mãe, são três irmãs: ela, Tainá e Tuti. A apresentadora conta que cresceu em um ambiente de estímulo ao diálogo, o que se reflete em sua forma de se posicionar e mesmo na decisão de não se calar diante de situações que a sensibilizam, como assédio e machismo.

"Meu pai nos criou para sermos mulheres que debatem, que questionam e reivindicam. Lembro que ele falava: 'vocês só querem reivindicar'. Mas víamos ele sendo um cara que reivindicava e nos espelhávamos nele e na minha mãe. Sempre exercitamos muito isso em casa, na rua e nas relações de trabalho", explica.

Com a experiência da primeira gestação, Titi comenta sobre os comentários machistas que escuta, mesmo que denotem boa intenção.

"'Ah, mas você sabe que vai ter que perder peso logo, né?'. Eu já ouvi isso! Meu marido é cinco anos mais novo do que eu e falaram: 'Ah, mas ele é tão novinho. Você está um pouco mais velha'. Parece que são sutis, sabe? 'Ah porque menino dá menos trabalho'. De qual menino estamos falando?".

Educar um menino, né? Não vou medir esforços para ser no mínimo um cara massa. Vai ser um homem, branco e super privilegiado. Se ele entender o privilégio dele e tiver consciência social já é meio caminho andado

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'Foi tão difícil'

O lugar de ouvinte, mais do que o de fala, tem sido mais ocupado por Titi nos últimos tempos. Ela acredita que esse exercício tem ajudado na prática da empatia. Mas, em 2017, em uma entrevista para a Folha de S. Paulo, ela decidiu tocar em um assunto delicado: sobre ter sido vítima de um estupro e o reflexo disso em sua vida.

Essa dificuldade já fazia parte da rotina da apresentadora quando ela resolveu falar há três anos. Na ocasião, ela ainda ressaltou que passou mais de 15 anos em negação sobre tudo o que tinha acontecido.

No entanto, ela preferiu deixar o assunto delicado para tratar com profissionais que a ajudam encarar o tema. Quem sabe, um dia, ela esteja disposta a falar novamente.

Foi tão difícil a ponto de eu ter me arrependido muito de ter falado sobre isso publicamente e decidi que vou falar sobre isso só na terapia ou em ambientes muito acolhedores. Em algum momento, talvez, eu esteja pronta para falar sobre isso publicamente porque acho que ajuda muito, mas não é o momento agora

'Poder acolher é maravilhoso'

Mas, se o momento não é de falar, com certeza, Titi ressalta a importância de escutar. E isso passa por um amadurecimento de quem, aos 20 anos, só queria saber de falar, falar e falar.

Quem aproveita isso são suas amigas. Titi relembra a sensação de paz ao conseguir auxiliar pessoas próximas.

"Recentemente socorri uma amiga que passou horas chorando e falando. Foi muito bom. A gente se vê nessa situação e poder acolher é maravilhoso. As pessoas ficam com medo de se mostrarem vulneráveis para as outras, né? A gente fica caminhando em uma linha tênue do desabafo, da reclamação, da vulnerabilidade e da autopiedade. Rola uma ressaca quando a gente se expõe muito com alguém. Está sendo interessante perceber homens se mostrando cada vez mais vulneráveis também", afirma.

Todos os dias passamos por situações de machismo. E reproduzimos porque somos machistas. Somos com nós mesmas, com nossas irmãs, amigas, mães. É estrutural. Como somos cruéis com as nossas mães. Liguem agora para os pais de vocês e peçam desculpas por todos os desaforos. É foda.

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Anitta, Anitta...

Nos momentos de lazer, Titi Müller não abre mão de passar muitas horas no sofá. Ela é uma defensora da lei do menor esforço e brinca que é "a perfeita profissional da preguiça". Mas a coisa muda de figura quando está na labuta.

Atualmente ela apresenta o programa "A Eliminação", que recebe os participantes do "BBB 20" após o paredão, ao lado de Bruno de Luca e Vivian Amorim. Mas além da vivência em estúdio, Titi também vai para externas, como na atração de viagens "Anota Aí" e na transmissão de festivais de música pelo canal por assinatura. E quando está ao vivo, não importa onde, no estúdio ou na rua, é que ela costuma roubar a cena.

É do último Rock in Rio, por exemplo, que a apresentadora soltou um dos comentários que mais repercutiram recentemente. A multidão xingava o presidente Bolsonaro quando ela teve a sacada de levar o microfone ao público informando no ar que estavam todos chamando pela cantora Anitta.

"Estavam gritando aquele hino do Rock in Rio todos os dias. Eu fui reportar o que estava acontecendo. Quando anunciei que estava grávida as pessoas falaram, 'nossa, vai se chamar Anitta. Falei logo que era era menino, né? Anitto!", brinca.

Ela afirma que não chegou a ver comentários de raivosos sobre esse episódio específico. Diferentemente do que ocorreu no Lollapalooza de 2017, por exemplo, quando ela criticou o DJ israelense Borgore pelas composições de cunho machista.

"Estourou a barragem de chorume. Mas 'hate' era o que eu sofria na época da MTV com fã de Justin Bieber que ficava puto porque eu não apresentava o clipe no dia. Isso é discurso de ódio mesmo. Foi muito tenso. Cheguei a ficar com um pouco de medo por uma semana, mas passou totalmente. O saldo foi muito mais positivo", se lembra.

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'Esse choro salvou minha vida'

"Aquele foi o choro final. Eu estava chorando havia meses". As lágrimas de Titi Müller no programa "Acesso", da MTV, foram derramadas após meses de fossa. Ela já estava abalada pela não renovação do contrato da amiga MariMoon e aquele foi estalo final: a emissora estava realmente fechando as portas.

Mas qual era exatamente o significado daquelas imagens de dor e sofrimento, transmitidas ao vivo e até hoje disponíveis no YouTube?

"Esse choro salvou a minha vida, meu amor. Depois de me assistir chorando, saindo ranho do nariz, o meu chefe me ligou para fazer um primeiro approach de Multishow. 'Percebi que você está um pouco chateada, quer vir para cá, estamos te namorando há muito tempo'. Então bora casar! Foi o choro mais produtivo e virou um símbolo muito forte. Era o choro dos adolescentes, estava todo mundo aos prantos. A MTV foi muito emblemática para a nossa geração".

A apresentadora relembra que tentou ao máximo controlar a emoção, mas no intervalo já estava difícil de segurar.

O nosso diretor falou, 'se quiser pode sair, mas acho que tu tem que se despedir da sua audiência'. Foi catártico

E o que ela pensa da nova programação da MTV, que hoje faz sucesso com realities de pegação como "De Férias com o Ex Brasil"? "Não é melhor ou pior, só é diferente. A MTV era muito autoral. Eu imagino como seria o Jornal MTV. Seria bem importante no momento em que vivemos", acredita.

A despedida de Titi da MTV

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Próxima parada...

Titi Müller já carimbou bastante o passaporte pelo programa "Anota Aí", do Multishow, que estreia neste ano a sétima temporada na África do Sul. A apresentadora já passou por Itália, Portugal, Estados Unidos, França e tantos outros países de perder a conta.

  • Melhor viagem?

    Impossível escolher, mas o lugar que sempre quero voltar está na sétima temporada. Amei a África do Sul. É muito lindo, rico e o povo é maravilhoso. É um sentimento ambivalente porque a desigualdade social é escarrada na cara. Vivemos num país racista, mas lá toca num lugar diferente.

  • Para onde voltaria com filho?

    África do Sul. Foi a primeira temporada que não pude fazer tudo. Tinha pulo de bungee jump, tirolesa e, no próprio safari, o jipe batia muito. Era cansativo e eu não podia fazer por conta da gravidez ainda nas primeiras semanas. Esse é o primeiro lugar que quero voltar com o Benjamin para mostrar tudo o que eu não fiz e poder fazer junto com ele.

  • Já ficou bêbada de verdade?

    Todas as outras temporadas foram feitas inteiras debaixo de drinks. Você fica meio bêbada umas três vezes por dia. Quando o público tem a impressão de que eu estava meio altinha é porque a edição não conseguiu salvar. Agora, com fígado de 33 e mãe, não se se vai acontecer de novo. Tem que diminuir na intensidade.

  • Relembra de perrengues?

    Na primeira temporada, tudo o que poderia dar errado e certo deu. Sofri um acidente na terceira cidade, em Miami, gravando uma pauta com um jetpack. Arrebentei meu braço inteiro e fui parar no hospital. Era uma privação de sono absurda porque gravamos em 35 dias o que na segunda temporada fizemos em 45. Engatávamos três dias sem dormir com todos os jet lags do mundo. Era insano. Sabe o 'Exterminador do Futuro', que chega ao final sem um olho?

  • Culinária mais exótica?

    Comi um olho de peixe na Malásia que foi a única coisa que não consegui engolir. Eu mordi e saiu um jato azedo no céu da boca. Estabelecemos um limite ali, não iria entrar. Só cuspi fora. Também tomei sopa de cobra na China. Já comi muita coisa bizarra.

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