Um dia em Gilead

Reportagem do UOL visita o set de filmagens da terceira temporada de "The Handmaid's Tale"

Thiago Stivaletti* Colaboração para o UOL, de Toronto (Canadá) Divulgação

Para um brasileiro, o inverno pode ser bem gelado em Gilead. Faz sete graus negativos, mas a neve é esparsa e nem chega a atrapalhar os passos. O sol ilumina a paisagem branca.

Nunca ouviu falar em Gilead? É o país mais opressor do mundo, no qual a mulher é subjugada e serve apenas para procriar e ser mãe, terra de "The Handmaid's Tale - O Conto da Aia", a série mais aclamada dos últimos anos, que volta ao ar amanhã no Hulu.

O UOL foi conhecer os estúdios onde foi gravada a terceira temporada da série em Toronto, no Canadá. Aqui está o que descobrimos.

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O que vem por aí

Se até agora vimos a batalha de June/Offred (Elizabeth Moss) para sobreviver num país fundamentalista no qual sua única função é parir uma criança e entregá-la para um casal da elite, na terceira temporada ela vira a mesa e começa a liderar a batalha contra os machos opressores. A frase mais falada pelas mulheres de Gilead - "Blessed be the fruit", bendito seja o fruto - vai ser trocada por "Blessed be the fight", bendita seja a luta. Ou seja, chegou a hora de June e as outras aias darem o troco.

Algozes de June, o casal Fred (Joseph Fiennes) e Serena (Yvonne Strahovski) agora parte rumo a Washington, o centro ideológico de Gilead, lugar onde o fanatismo machista é ainda pior do que em Boston. Lá eles vão estreitar relações com o grande comandante local, Winslow (Chris Meloni, das séries "Oz" e "Law & Order: SVU"). E vão travar uma batalha internacional para reaver sua filha, a bebê Nicole - que June ajudou a despachar pro Canadá ao final da segunda temporada.

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De casa nova

Na visita aos estúdios em Toronto, a primeira expectativa é conhecer a casa dos Waterford, na qual June foi oprimida e violentada nas duas primeiras temporadas. Mas a casa pegou fogo, e agora June vai trabalhar na casa de outro poderoso, o comandante Lawrence - aquela em que Emily esfaqueou a cruel Tia Lydia e a fez rolar da escada no último episódio.

"Desta vez tínhamos que sair da casa dos Waterford pra outro ambiente. Já havíamos esgotado todos os ângulos pra filmar aquela casa", conta a produtora Kim Todd. Ela sua equipe montaram no estúdio um lar ainda mais sinistro do que o anterior, com nove ambientes, cheia de lustres pesados, móveis antigos e paredes escuras forradas com um papel florido e antiquado.

No escritório do novo comandante, uma surpresa: um grande mapa de Gilead pendurado na parede - o mesmo que hoje conhecemos como os EUA. No mapa estão indicados os bolsões de resistência ao regime, como Chicago e toda a costa Oeste, além dos fluxos de refugiados - as famílias que conseguiram escapar rumo ao Canadá. Um paralelo esperto com os EUA de Donald Trump.

O quarto onde June passa a morar segue austero: apenas uma cama, uma cadeira e uma lâmpada. Mas desta vez ela tem direito a tranca na porta - um privilégio num mundo onde as mulheres são controladas 24 horas por dia. Mas por que seu quarto é maior que o das outras aias? "Simplesmente porque filmamos mais ali, e precisamos de mais espaço pras câmeras", brinca a produtora.

O único ambiente mais claro é a cozinha, onde as aias podem ter mais intimidade e conversar longe dos patrões. A cenógrafa Elisabeth Williams inseriu muitos utensílios antigos porque Gilead voltou a ter a agricultura como base. E não há aparelhos eletrônicos como microondas porque, na ficção, acredita-se que eles podem prejudicar a fertilidade.

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"Olhem pro chão!"

Em seguida, conhecemos o suntuoso galpão de figurinos. A figurinista-chefe, Natalie Bronfman, está enlouquecida dando os retoques finais nas roupas de gala que serão usados por 50 casais na cena que será rodada à noite.

Ela nos mostra o novo modelo de capuz vermelho usado pelas aias de Washington, ainda mais sinistro que o anterior. Como uma burca, ele cobre a boca e contém abas laterais, como as tapadeiras de um cavalo, o que as obriga a olhar apenas para o chão. Uma peça que forja com crueldade a total submissão das mulheres nesse universo. Só o nariz e os olhos ficam à mostra.

A gente não podia cobrir o nariz porque ele é muito expressivo para as atrizes. Não percebemos, mas quando alguém está com raiva, por exemplo, as narinas se dilatam na hora.

Conto a ela que algumas mulheres saem fantasiadas de Offred no Carnaval do Brasil, com túnica vermelha e chapéu de abas largas. Ela fica horrorizada. Tento explicar que isso é bom e reflete a popularidade da série por lá. Mas vai explicar o Carnaval pros gringos...

Roberto Machado Noa/LightRocket via Getty Images

Baile no castelo

No meio da tarde, deixamos os estúdios rumo à Casa Loma, um grande castelo construído em 1911 numa colina próxima a Toronto. Há anos o castelo serve de locação para grandes produções, como o primeiro "X-Men" e o musical "Chicago". Desta vez, ele será o cenário de um grande baile de gala em Washington que tem Fred e Serena como convidados.

Joseph Fiennes, o temido comandante Fred Waterford, chega informal, com um casaquinho de corrida e boné de beisebol. Depois da entrevista, parece outro homem: um belo smoking fino, barba aparada e cabelo engomado, pronto pro baile.

Coitado do Fred. Ele ficou sem nada na última temporada. Vamos ter um pouco de pena dele. Ele vai ter um arco mais interessante desta vez. Vai ter que pôr a ambição de lado e ir atrás da família, reconquistar Serena e reaver o bebê. Joseph Fiennes

A australiana Yvonne Strahovski, que vive sua mulher, a manipuladora Serena, e passou duas temporadas obcecada com o bebê que June conceberia pra ela, chega ao castelo no seu vestido turquesa de baile. Ela conta que a vida imitou a arte quando ela passou a levar seu bebê recém-nascido todo dia para as gravações.

"Serena finalmente entendeu que nenhuma mulher está segura em Gilead, nem mesmo alguém da elite como ela. E começa a nova temporada solitária e desesperada, sem saber se fez a escolha certa ao entregar a bebê a June", diz a atriz.

Outra novidade da terceira temporada é que iremos conhecer em flashbacks o passado da perversa Tia Lydia (Ann Dowd), a governanta que trabalha pro regime e mantém as aias na rédea curta. (ela não morreu no final da segunda temporada). "Vamos ter uma ideia mais clara de por que ela se tornou assim. A chave de tudo, claro, está na primeira infância dela", conta a atriz. Ann brinca que os fãs da série costumam virar a cara no aeroporto quando a reconhecem.

A cara dos EUA

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O produtor executivo, Warren Littlefield, lembrou que uma série tão feminista tem que praticar na vida real aquilo que prega na ficção. Nesta nova temporada, mais da metade das equipes e dos diretores de episódios são mulheres. June ficaria orgulhosa.

Ele traça um paralelo interessante entre os eventos da série e a realidade política americana dos dias de hoje. A primeira temporada, que estreou em 2017, ano em que Trump assumiu a presidência, mostrou June resistindo à opressão, assim como os adversários do presidente tiveram que resistir a ele. O segundo ano de governo (2018), como na série, mostrou que as coisas são mais difíceis do que se esperava, e os direitos das mulheres seguiram sendo diminuídos. Resta saber se o terceiro ano de Trump, assim como a terceira temporada de "The Handmaid's Tale", será o ano da virada de mesa para as minorias.

Quando e onde ver a terceira temporada da série?

Hulu: 05 de junho (os três primeiros episódios serão disponibilizados de uma só vez - os outros virão, como sempre, ao ritmo de um por semana). O serviço não está disponível no Brasil.

Paramount+ exclusivo para assinantes NET assistirem no NOW: 15 de junho.

Paramount Channel: segundo semestre.

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