Eles querem sua atenção

Netflix, Amazon, Disney, Apple, HBO: Streamings oferecem cada vez mais oferta, e estão cada vez mais separados

Beatriz Amendola Do UOL, em São Paulo

Pense nas séries e nos filmes que você viu nos últimos meses.

Provavelmente você sofreu com o fim de Game of Thrones, foi seduzido pelas novas temporadas de Stranger Things e de La Casa de Papel, e deu uma espiadinha em Jack Ryan de Tom Clancy. Se você não tem TV por assinatura e nem recorreu à pirataria, o seu trajeto passou por três serviços de streaming: HBO Go, Netflix e Amazon Prime Video.

E, no que depender dos estúdios e dos canais da TV, você ainda vai passar por muitos outros nos próximos meses.

A Disney resolveu tomar o controle de seu vasto catálogo e lança, no dia 12 de novembro nos EUA e em 2020 na América Latina, sua plataforma própria, o Disney+. O grupo Warner também seguirá o mesmo caminho e planeja seu streaming próprio, o HBO Max, para 2020, assim como o grupo NBCUniversal (a casa de The Office). E a Apple também entrará na briga, a partir de 1º de novembro, com o Apple TV+.

Nunca apareceu tanta gente para brigar pela sua atenção. Mas você vai assinar vários serviços diferentes para ver tudo o que você quer?

Os principais serviços que já operam no Brasil

Vai pagar quanto?

Se colocar na ponta do lápis todos os streamings de vídeo que você assina — ou gostaria de assinar —, a conta começa a pesar. Um pacote com HBO Go, Netflix e Amazon Prime Video não sai por menos de R$ 60. Acrescente o Globoplay, onde há produções como The Good Doctor e The Handmaid's Tale, e o valor vai para a casa dos R$ 80. Quer tudo isso e ainda assistir a Cobra Kai, a série do YouTube que continua a história de Karatê Kid? O seu gasto será de R$ 100.

E tem mais novidade para os próximos meses. A Apple lança por aqui seu serviço Apple TV+ no dia 1º de novembro por R$ 9,90, e recrutou um time de estrelas como Jennifer Aniston, Reese Whiterspoon, Chris Evans e Brie Larson para suas séries originais.

O Disney+ vai desembarcar por aqui em 2020 e promete ter todo o catálogo do Universo Cinematográfico da Marvel e da franquia Star Wars, incluindo produções originais como as séries WandaVision e The Mandalorian. Ainda não foram divulgados preços para o mercado brasileiro, mas nos Estados Unidos o Disney+ será mais barato do que a Netflix por lá: US$ 6,99 por mês.

É muita coisa para acompanhar. Mas, a depender daquilo que você mais gosta de assistir, pode valer a pena, principalmente em comparação com TV por assinatura. Um pacote básico com o adicional da HBO, nas principais operadoras, vai de R$ 104,80 na NET, até R$ 119,80 na Vivo TV (para simplificar a conta, consideramos só os pacotes de TV, sem a internet banda larga). O diferencial da TV tradicional são os canais jornalísticos e esportivos (que também já caminham para ter sua própria plataforma, como ESPN e Fox).

Nunca tivemos tantas opções. E elas nunca estiveram tão separadas.

Cada coisa em um lugar

O mercado de streamings trabalha, cada vez mais, com exclusividade. Ter grandes títulos que só podem ser encontrados na sua plataforma é um diferencial e tanto para atrair possíveis assinantes e manter os que já estão lá. Foi por isso que, por exemplo, a Netflix desembolsou US$ 100 milhões para ter Friends em seu catálogo nos Estados Unidos ao longo de 2019. A sitcom, que acabou há 15 anos, foi a segunda mais vista pelos americanos na plataforma no ano passado.

A exclusividade já é política antiga nos conteúdos licenciados, aqueles filmes e séries de outros estúdios cujos direitos de exibição são adquiridos pelos serviços de streaming por determinado período - geralmente, cinco ou dez anos. Por isso, é muito difícil você encontrar uma mesma produção em dois serviços. Seinfeld, por exemplo, só está no Amazon Prime Video. E tem casos como o de Supernatural, que após passar anos na Netflix foi para a Amazon em 2018.

Mas nos últimos anos os grandes estúdios começaram a perceber que poderia ser um bom negócio usar seus vastos catálogos em benefício próprio e vender suas produções direto ao consumidor, em plataformas próprias, em vez de simplesmente deixar Netflix e Amazon deitarem e rolarem com eles.

O Disney+ é o melhor exemplo disso. O serviço vai estrear com uma leva de blockbusters, apostando nas cinco grandes marcas da casa: Marvel, Star Wars, Pixar, National Geographic e, claro, a própria Disney. Já HBO Max vai reunir todas as produções da WarnerMedia, desde séries da HBO como Game of Thrones, aos filmes da saga Harry Potter e produções da DC, como Mulher-Maravilha.

A volta da pirataria

Tanta oferta espalhada tem sofrido com um efeito colateral: o retorno da pirataria. Segundo uma pesquisa da consultoria Sandvine feita em 2018 e 2019, o compartilhamento ilegal de arquivos voltou a ganhar terreno, após anos em declínio comprovado. Ao longo deste ano, serviços do tipo corresponderam a 4% do tráfego de downloads na internet, e 30% do tráfego de uploads. "Consumidores que não podem pagar a assinatura de todos os diferentes serviços recorrem ao compartilhamento de arquivos para ficar em dia com os conteúdos originais", analisa a empresa.

E não necessariamente quem pode pagar vai de fato fazer isso. "Mesmo nos países mais ricos as pessoas não estão dispostas a pagar por mais que dois ou três serviços de streaming. Isso seria um retorno à TV a cabo", explica Andressa Soilo, doutora em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que analisou a relação entre a fragmentação do streaming e a pirataria e fez uma pesquisa com usuários de diversos países, entre eles Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia.

Em seu trabalho, a pesquisadora detectou que, para além dos problemas práticos trazidos pelas múltiplas assinaturas, como o valor e a dificuldade de achar um filme ou série, começa a surgir também uma percepção negativa sobre a própria indústria do entretenimento. "Está voltando essa percepção da indústria como gananciosa, então as pessoas recorrem à pirataria, que se torna uma alternativa viável e justa."

O problema da pirataria tem potencial de ser ainda mais intenso no Brasil, já que as condições financeiras da maior parte da população não necessariamente comportam a assinatura de várias plataformas. "No contexto brasileiro, vale dizer que a indústria peca ao não reconhecer as condições socioeconômicas. O brasileiro vai selecionar o que é mais importante para ele e depois vai procurar na pirataria", afirma Soilo.

O futuro do streaming

Depois de tanta divisão, o mercado pode começar a fazer o caminho oposto: o da desfragmentação, o que significa reagrupar e reagregar os conteúdos antes separados.

Algumas empresas, hoje, já começam a pensar isso com seus próprios produtos. Nos Estados Unidos, a Disney irá oferecer um pacote com Disney+, ESPN+ e Hulu por US$ 12,99 ao mês.

Novas plataformas que ofereçam uma única assinatura para vários serviços também começam a surgir, inclusive em outros segmentos. No Brasil, o UOL Esporte Clube já oferece pacote que inclui Fox Sports, Esporte Interativo Plus e ESPN por R$ 49,90. A Amazon Prime também montou seu pacote de assinatura que vai além do streaming de séries e filmes, e inclui ainda serviço de música, eBooks, acesso ao Twitch e frete grátis em entregas de produtos.

Outra possibilidade é a de, no futuro, voltar ao passado e se pagar apenas por aquilo que ele quer ver, como eram as locadoras. "Acredito que vai haver um marketplace de conteúdo", aposta Roberto Kanter, professor de MBA de marketing e gestão comercial da FGV. "Você vai comprar um pacote de conteúdos, e o produtor receber uma parte da receita e a plataforma vai ficar com o resto. Você vai comprar, por exemplo, uma temporada inteira de Outlander [série exibida aqui pelo Fox Premium] e vai pagar US$ 2,99 pela temporada".

Seria uma adaptação de um sistema antigo e que segue firme até hoje, no qual você pode comprar e alugar filmes por plataformas como a iTunes Store, Google Play, Telecine Play, YouTube ou a nacional Looke. É especialmente interessante para produtores de conteúdos menores, que não possuem um catálogo de originais tão vasto para se apoiar. "Se você é uma produtora de conteúdo e tem 30 conteúdos espetaculares, você terá a prioridade. Agora, se você só tem um programa interessante, eu vou direto para ele. Conteúdo é fundamental, mas ter um modelo de distribuição flexível também é fundamental", defende Kanter, que vê a Apple como uma competidora de peso no mercado pela experiência bem-sucedida do iTunes na música.

E como você, consumidor, pode lidar com tantos serviços de streaming enquanto o dia da assinatura única não chega? Fica a dica:

  • Vá direto ao seu objetivo. Quer muito ver uma série especial? Assine o serviço de sua preferência e, assim que acabar, cancele a assinatura -- foi o que muita gente fez com Game of Thrones. Aproveite que todas as plataformas oferecem um cancelamento rápido e fácil pela internet e se organize para tirar o máximo proveito da assinatura.
  • Alugue por obra. Se você gosta mais de filmes do que de séries e não usa muito o streaming, o aluguel por obra pode ser uma boa solução. Você consegue alugar filmes novos como Vingadores: Ultimato por R$ 11,90, mas dá para encontrar boas opções a partir de R$ 4,90 nas principais plataformas.

Leia também

Arte/UOL

Cadê minha série?

Por que os filmes e séries que você quer ver não estão na Netflix.

Ler mais
Divulgação

Por dentro da Netflix

Como funciona a gigante que mudou a forma de ver TV

Ler mais
AFP

Jon Favreau

O braço direito da Disney está por trás de The Mandalorian, aposta do Disney+

Ler mais
Topo