'Começou Chorare'

Moraes Moreira revolucionou a música brasileira, tanto nos Novos Baianos quanto em carreira solo

Do UOL, em São Paulo e no Rio de Janeiro Lucas Lima - 25.out.2012/Folhapress

Se existe uma alma que bole, um espírito vigoroso, criativo e irrequieto que guiou a coletividade hippie dos Novos Baianos —melhor banda brasileira de todos os tempos, para muitos—, ela responde por Antônio Carlos Moraes Pires, ou Moraes Moreira. O cantor, compositor e letrista baiano, dono de uma personalidade forte e legado indelével na música brasileira, morreu hoje (13) aos 72 anos no Rio.

Sanfoneiro habilidoso na juventude em Ituaçu, onde ganhava trocados para animar festas de São João, Moraes aprendeu a tocar violão enquanto fazia curso de ciências em Caculé, pouco antes de mudar-se para Salvador no intuito de estudar medicina. Lá, em vez disso, conheceu Tom Zé, o rock e os futuros colegas Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão. A música brasileira jamais seria a mesma.

Lucas Lima - 25.out.2012/Folhapress
Divulgação

A estreia oficial de Moraes com os Novos Baianos aconteceu em 1970, no álbum "É Ferro na Boneca", que apresentou uma nova estética musical brasileira, a do pós-tropicalismo. Elementos da música brasileira como o samba e a bossa nova começaram a receber tintas das contraculturas americana e inglesa, o que incluia o psicodelismo e o uso intensivo de guitarras elétricas.

Nos Novos Baianos, compondo principalmente com Luiz Galvão, Moraes Moreira revolucionou a música brasileira ao mostrar que não havia limites para misturas. Rodas de samba poderiam conviver com o rock. O frevo e a chamada MPB não eram incompatíveis. Baião e choro passariam a ser ritmos irmãos. Com isso, o baiano fez seu nome e conquistou respeito entre seus pares.

Na base do sincretismo, a banda ficou na ativa, originalmente, entre 1969 e 1975, quando lançou discos históricos como "Acabou Chorare", eleito pela revista "Rolling Stone" em 2007 o melhor álbum brasileiro de todos os tempos, "Novos Baianos F.C." e "Vamos pro Mundo", que deram acabamento sonoro ao espírito comunitário da época. Os integrantes viveram juntos em um sítio em Jacarepaguá, zona oeste do Rio.

Após deixar o grupo, Moreira ainda seguiu uma bem-sucedida carreira solo, marcada por diversas aparições em trilhas de novelas e programas de TV. Enquanto tudo isso acontecia, ele também foi pioneiro no universo dos trios elétricos, no trio de Dodô e Osmar, com o qual popularizou grandes sucessos de carnavalescos como "Pombo Correio", "Vassourinha Elétrica" e "Bloco do Prazer".

Lucas Lima - 25.out.2012/Folhapress Lucas Lima - 25.out.2012/Folhapress

Reconhecimento dentro e fora da música

Menino do sertão da Bahia, Ouviu encantado a música do mundo e fez dela seu universo expressivo. Deixa saudade e uma grande obra

Gilberto Gil

Que notícia! Que susto! Que inacreditável! Moreirinha foi? Ele foi para a Glória?! Estava ontem aqui na Terra conosco! Estava tudo bem! Estava em quarentena, na sua casa! Foi dormir e partiu? Que impacto isso nos causa!

Baby do Brasil

Muito triste saber da partida do Moraes Moreira. Eu que gravei tantas canções dele, incluindo 'Festa do Interior', que foi um grande sucesso popular e foi tocada pelo Brasil inteiro. Que ele fique em paz, que esteja em um lugar lindo e maravilhoso"

Gal Costa

Moraes Moreira era o grande timoneiro. Todos os artistas que tocam violão sabem da capacidade que ele tinha de fazer um show voz e violão e colocar todo mundo para dançar. Gosto de brincar que nós não somos Os Velhos Baianos, mas os Usados. A gente vive intensamente. O Moraes viveu intensamente a música, o Carnaval, a vida. O carinho e amizade que nós temos é eterna.

Paulinho Boca de Cantor

Moraes querido amigo, tudo na vida passa, mas nem tudo se esquece. Todas as vezes em que eu subir em um palco e fechar os olhos, vou lhe encontrar nas minhas canções. Você foi a minha inspiração, queria cantar como você, lhe imitando eu comecei a minha história

Bell Marques

Se houve uma banda que fez minha cabeça foram Os Novos Baianos. Uso o plural porque não era só uma banda mas um bando de gente talentosa que juntos, produziram a música que colou a tradição do samba com a cultura do rock

Nando Reis

Lamento muito a partida deste amigo e grande artista brasileiro. Moraes Moreira inspirou gerações com suas lindas músicas e poesia. Neste momento de grande aflição do nosso povo, perder sua voz e seu talento é desalentador. 'Acabou Chorare' agora na vitrola! Fique com Deus, amigo!

Ciro Gomes, político

Moraes Moreira, nosso grande-velho-novo baiano, nos deixou hoje. Aqui fica uma herança gigante de arte para a história. Descanse em paz, Moraes Moreira!

Walcyr Carrasco, autor de novela

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Palavra de especialista

Manuela Scarpa /Brazil News

Reverência à música brasileira de raiz

Se Moraes Moreira tivesse encerrado a carreira depois de 'Acabou Chorare', já teria garantido seu lugar na história da música brasileira. Mas ele fez muito mais: eletrificou o Carnaval com 'Pombo Correio' e 'Festa do Interior', ajudou a popularizar o frevo, e lançou cerca de 35 discos que sempre reverenciaram a música brasileira de raiz

André Barcinski, jornalista e colunista do UOL

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Manuela Scarpa /Brazil News

O artista mais criativo da história da música brasileira

Você pode gostar ou não da música que Moraes Moreira produziu durante 51 dos 72 anos que viveu. Mas não encontrará um músico mais inventivo do que ele na história sonora brasileira. Daí ser até injusto lembrá-lo no falecimento como o eterno Novos Baianos ou (apenas) autor de hits como 'Pombo Correio', 'Festa do Interior' ou 'Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira'

Luiz Pimentel é colunista de música, executivo de comunicação e autor de sete livros sobre cultura pop

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Ueslei Marcelino/Coperphoto

Revolução no Carnaval baiano

Moraes Moreira emprestou seu talento ao mítico trio elétrico de Dodô e Osmar, que também tinha participação de Armandinho, tornando-se um dos primeiros cantores neste formato de folia que começou essencialmente instrumental e que, décadas depois, tomaria as paradas de sucesso e ruas do Brasil.

Naquela época, entre os anos 1970 e 1980, grandes sucessos do frevo foram compostos por ele e entraram para a história do Carnaval baiano. Um dos mais icônicos, "Pombo Correio", foi criado em cima de "Double Morse", tema instrumental de Dodô e Osmar feito nos anos 1950. Na letra, pitadas de romantismo remetendo a antigos Carnavais. Em termos de Carnaval, ele era um tradicionalista. Nos anos 1990, com o auge da axé music, Moraes Moreira criticou a excessiva comercialização do Carnaval baiano e, por alguns anos, preferiu se apresentar na folia do Recife, retornando no ano 2000, nas comemorações dos 50 anos da invenção do trio elétrico. Na ocasião, comandou um trio democrático, sem cordas nem abadás.

Preferi não comercializar abadás. Respeito quem faz isso, mas o povo da Bahia não pode ficar sem trio, o Carnaval é uma festa para o povo, não para as elites

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Jorge Araújo - 10.dez.1997/Folhapress

Nos embalos das novelas

As canções de Moraes Moreira embalaram as trilhas sonoras de mais de 15 novelas da Globo. De "Tieta" à "Amor de Mãe" —passando por "Santa Fé", tema de abertura de "Roque Santeiro", o artista baiano marcou várias tramas ao longo de décadas.

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7 momentos inesquecíveis da carreira

Dez fatos que você (provavelmente) não sabia

  • Foi bancário e desistiu da medicina

    Moraes Moreira saiu de Ituaçu, na Bahia, e foi morar na capital, Salvador, em 1966. Lá, arrumou emprego em um banco para se manter na pensão enquanto sonhava com a faculdade de medicina.

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  • Tinha medo do mar

    Nascido e criado no interior da Bahia, Moraes Moreira só conheceu o mar aos 15 anos, quando foi pela primeira vez a Salvador. Ao ver a imensidão do oceano, diz ter levado um dos maiores sustos de sua vida.

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  • Deixou 20 músicas inéditas

    Moraes Moreira se foi, mas deixou pelo menos um disco inédito completo. Em sua última entrevista ao jornal "O Globo", o cantor e compositor revelou que tinha 20 novas composições e que pretendia apresentá-las em um show ainda neste ano.

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  • Já flertou com o hip hop

    Admirador da palavra cantada, Moraes Moreira chegou a flertar com o hip hop em "De Repente", disco de 2005 que mistura elementos de música eletrônica e rap com o repente nordestino.

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  • Morou em um carro

    Moraes Moreira chegou a morar por três meses em um carro com seus companheiros de Novos Baianos. Isso aconteceu antes de eles acharem um apartamento para alugar em Botafogo e bem antes das famosas aventuras psicodélicas do grupo no famoso sítio em Vargem Grande.

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  • Enquadro 'tardio'

    Já consagrado na carreira aos 50 anos de idade, Moraes Moreira foi parado pela polícia por fumar um cigarro de maconha dentro do carro com os amigos. A história do enquadro "tardio" foi contada ao UOL por Luiz Galvão, companheiro de Novos Baianos, na época do relançamento do livro dele "Novos Baianos - A História do Grupo que Mudou a MPB", em 2014.

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  • Levou a Bahia para o Rock in Rio

    Ivete Sangalo é considerada a rainha do Rock in Rio e muitas vezes é associada ao fato de ter quebrado uma barreira ao levar a música baiana ao festival, relacionado ao rock e à música internacional. Mas muito antes de Ivete sequer sonhar em subir ao palco principal do Rock in Rio, Moraes Moreira já havia passado por lá, em 1985 e 1991.

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  • Foi sogro de Ivete, Marisa e Maria Rita

    Que Moraes Moreira é pai do guitarrista Davi Moraes todo mundo sabe. Mas o que pouca gente lembra é que ele já foi sogro de Ivete Sangalo, outro patrimônio da Bahia. A cantora foi casada com o filho de Moraes entre 2002 e 2004. Além de Ivete, Moraes Moreira também foi sogro de outras grandes cantoras: Marisa Monte e Maria Rita, que também foram casadas com o filho dele.

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Jorge Araújo - 10.dez.1997/Folhapress

O último cordel

Depois de adiar o que seria seu último projeto de músicas inéditas por causa do coronavírus, Moraes Moreira passou seus últimos dias no Rio, onde morava, exercitando a criatividade, "tocando e escrevendo sem parar". No último dia 17 de março, ele escreveu em seu último post no Instagram um cordel sobre o período quarentena.

'Quarentena' (Moraes Moreira)

Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo

A tradicional linguagem nordestina do cordel era uma das obsessões de Moraes Moreira. Ele era membro da Academia Brasileira de Cordel desde 2016 e contava em entrevistas que devia o ritmo, a métrica e a sagacidade de suas composições à arte de gente como Leandro Gomes de Barros. Com o passar do tempo, começou a se definir mais como cantador do que como cantor, acreditando que isso o reaproximava dos artistas e poetas populares, o que ele também era.

"O cordel lhe acompanhou durante toda a carreira e, simbolicamente, serviu de norte para um de seus trabalhos mais recentes: o disco 'Ser Tão', de 2018, que deu origem ao show 'Música e Poesia"

Rodrigo Casarin, colunista de literatura do UOL

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