Chorão cinquentão

Live homenageia 50 anos do cantor, que, mensalmente, ainda é ouvido por 4,5 milhões de fãs no Spotify

Daniel Palomares e Felipe Pinheiro Do UOL, em São Paulo Bruno Miranda/Folhapress

Hoje ninguém vai estragar meu dia, porque tem programação especial do Charlie Brown Jr. a partir das 14h. Relembrando Chorão no ano em que completaria 50 anos de vida, o ator Caio Castro, fã da banda, comandará uma live beneficente reunindo diversos artistas, além dos músicos do Charlie Brown.

Durante a transmissão, os fãs vão relembrar sucessos como ''Dias de Luta, Dias de Gloria'', ''Só os Loucos Sabem'', ''Lugar ao Sol'' e ''Ela Vai voltar", interpretados por artistas de diversos gêneros, como o sertanejo Bruninho (da dupla com Davi) e o rapper Pablo Martins (do grupo 1kilo). A live dura até as 20h e será transmitida nos canais de Caio Castro e do Charlie Brown Jr. no YouTube.

O Chorão era um poeta e um cara incrível. A música faz isso: une pessoas, espalha o bem e faz a gente se conectar mesmo distantes'', afirma Bruninho.

Chorão, o "Marginal Alado", marcou uma geração de fãs e outros artistas com suas letras, ainda hoje compartilhadas incessantemente nas redes sociais. Ele morreu em março de 2013, por overdose de cocaína, e deixou um legado que, sete anos depois, segue vivo.

As homenagens pelos seus 50 anos —que seriam completos em abril deste ano— começaram com a turnê "Chorão 50 Anos - Celebração CBJR", que teve início no ano passado. Os shows de 2020, no entanto, tiveram que ser adiados pelo avanço da pandemia do novo coronavírus.

Celebrando a memória de Chorão, o UOL conversou com músicos, amigos, familiares e ex-companheiros de banda para saber como seria Chorão aos 50? Essa só os loucos sabem.

Histórias, nossas histórias, dias de luta, dias de glória

Trecho da canção "Dias de Luta, Dias de Glória"

Como seria Chorão aos 50?

  • Sonia Abrão, apresentadora

    "Ele continuaria o 'Marginal Alado', aquele que não se enquadrava em nenhum padrão. Estaria ouvindo as músicas de que gostava, não importando o gênero, compondo muito e projetando a construção de mais pistas de skate pelo Brasil afora, para motivar a garotada carente a vencer barreiras pelo esporte. Também acho que iria furar a quarentena e levar os amigos para o boteco. Não sei se faria lives, sempre foi imprevisível, mas com certeza estaria ajudando milhares de pessoas nesta pandemia, do jeito dele, de muita solidariedade."

    Imagem: Carine Wallauer/UOL
  • Marcão Britto, integrante do Charlie Brown Jr.

    "Era um artista que estava sempre em movimento, se reinventando, absorvendo coisas novas. Acho que ele acabaria criando um novo segmento, misturando algumas sonoridades diferentes, mas sempre com a sua personalidade. Ele curtia muita música, de diferentes estilos, talvez daí surgisse algo surpreendente."

    Imagem: Nelson Peixoto/Divulgação
  • Graziela Gonçalves, viúva

    "Não gosto muito de brincar com suposições, mas acho que ele estaria igual, escrevendo, contestando, principalmente neste momento muito louco da nossa política. Continuaria incentivando as pessoas a lutarem pelos seus sonhos. Seria o mesmo cara, com algumas ruguinhas a mais e talvez com mais audácia. Ele não tinha medo de nada e não se colocava limites. Achava que tudo era possível e era muito bom estar com alguém que passava essa energia."

    Imagem: Arquivo pessoal
  • Rick Bonadio, produtor musical

    "Seria o mesmo cara de quando começamos. Ele não iria mudar. Continuaria sendo rock and roll, lutando pela banda dele, fazendo hits. Brigando e fazendo as pazes com todo o mundo. Amigo, carinhoso e humilde. Aquele cara de quem era legal ser amigo. Ele faria lives, montaria um equipamento no estúdio dele em Santos. Claro que iria respeitar [o isolamento social], porque era muito inteligente. Não era desses artistas que parecem uma coisa e são outra. Hoje tem muita máscara caindo, uma hora a casa cai. Para o Chorão isso não seria um problema, porque ele mostrava claramente quem era."

    Imagem: Reprodução/YouTube
  • João Marcelo Bôscoli, produtor musical

    "Continuaria sendo uma referência. Era um artista interessante e uma pessoa muito inteligente e lúcida. Ele provavelmente faria lives, mas sempre achava um jeito de colocar algo diferente no que fazia. Quem sabe montaria uma pista de skate para a live? Ele nunca se contentou em fazer nada que já estivesse no cardápio. Era muito doce e amigo. Respeitoso, mas, ao mesmo tempo, tinha um temperamento mercurial. Acho que aos 50 ele encontraria o equilíbrio."

    Imagem: Divulgação

Eu tenho habilidade de fazer histórias tristes virarem melodia

Trecho da música "Senhor do Tempo"

Bruno Miranda/Folhapress Bruno Miranda/Folhapress

Composições que sobreviveram ao tempo

Falar de Chorão sete anos depois de sua morte é prova de como suas músicas continuam vivas, mesmo com o passar dos anos. Esse legado se reflete em números muito atuais: Charlie Brown Jr. tem cerca de 4,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify Brasil.

O tempo é indiscutível. Ele atesta que as composições do Chorão sobreviveram. Ele sobreviveu ao tempo. Era a real personificação da música que fazia", opina o produtor musical João Marcello Bôscoli.

Marcão Britto, guitarrista do Charlie Brown Jr., acredita que a essência da banda seja justamente sintetizar vivências tão diferentes. "Através das suas experiências pessoais, ele conseguiu unificar o sentimento de várias pessoas, de idades e classes sociais diferentes."

Ele afirma, ainda, que a obra do Charlie Brown é atemporal. "É algo que vai além da própria música. Quando você escuta cada faixa dos CDs, é atingindo por uma poção mágica de vida, suor, luta e amor."

Fazer da vida o que melhor possa ser, traçar um rumo novo em direção ao sol

Trecho de "Ela Vai Voltar"

Almeida Rocha/Folhapress Almeida Rocha/Folhapress

O último ídolo do rock

Chorão sabia como chegar ao público jovem, e isso o tornava único como artista de sua geração. A característica é destacada pelo empresário Rick Bonadio, que produziu e lançou a banda Charlie Brown Jr. Segundo ele, após a morte de Chorão, nunca mais houve, no cenário brasileiro do rock and roll, um ídolo parecido.

"Havia o Planet Hemp, O Rappa e o Raimundos, mas faltava um cara que falasse com a molecada em geral. Um cara que representasse a cultura do skate. Ele fazia as suas poesias e, com elas, despertava uma identificação grande com os jovens."

Antes do Chorão não tinha alguém com tanta representatividade no rock. E, depois, não teve mais ninguém. Um cara rebelde e forte, um rock star na essência da palavra. Que fazia música boa, mas tinha muita personalidade e brigava pelas coisas. Quem será o próximo? É difícil.

O cantor Di Ferrero tinha no vocalista do Charlie Brown uma inspiração. "Ele era um ídolo que me humanizou, me trouxe para o chão, trocou uma ideia sincera comigo. Falou sobre carreira, sobre grana, sobre drogas. Coisas que eu precisava ouvir. Sinto falta de encontrar com ele. Parece que ficou um buraco. Perdi um dos ídolos da minha vida."

O produtor João Marcello Bôscoli afirma que ainda não apareceu outro como Chorão. "Esse rock and roll com rap, do jeito que ele fazia, não tem presença grande na música atual. "É claro que ele deixou um legado, é uma referência. Mas não é toda hora que aparece um Chorão. O artista parte, mas a obra fica."

Simon Plestenjak/Folhapress Simon Plestenjak/Folhapress

'Estou no palco e me sinto sozinho'

Inquieto, cantando com seu jeito peculiar. Intenso. Original. Esse era Chorão. Mas quem era Alexandre Magno Abrão fora dos palcos? O apelido pelo qual ficou famoso dá pistas: um artista de forte sensibilidade, o que fica claro em suas músicas. Mas, para entendê-lo mais a fundo, é preciso conhecer a sua história.

A jornalista e apresentadora Sonia Abrão, prima do músico do Charlie Brown Jr., diz que ele não teve uma vida fácil. "Ficou entre a vida e a morte ao ser atropelado aos 4 anos de idade. Pré-adolescente, enfrentou o derrame cerebral da mãe, a separação dos pais, a mudança de cidade. Veio então a paixão pelo skate, pelo rock e pelas baladas. Tudo isso em meio à batalha por grana para ajudar a família e vencer na carreira."

A carreira começava a deslanchar e aparentemente tudo corria bem, mas um drama familiar o pegou em cheio.

Quando o sucesso chegou, veio também o diagnóstico do câncer do pai também. Sabia que era um caso perdido, mas gastou o que tinha para tentar salvá-lo. Chorão transformou toda essa bagagem em música.

O último encontro de Sonia com o cantor ocorreu meses antes de sua morte, no velório do pai da apresentadora e tio do Chorão.

"Ele confessou: 'Estou no palco, com uma multidão na minha frente cantando todas as músicas, e me sinto sozinho. Vou para o hotel, me sinto sozinho. Entro no avião e continuo me sentindo sozinho. Vivo assim o tempo todo'. A dor era profunda, palavra nenhuma serviu como consolo. Eu jamais poderia imaginar que, poucos meses depois, ao tentar aliviar essa angústia com drogas, estaria morto."

Um homem, quando está em paz, não quer guerra com ninguém

Trecho de "Só os Loucos Sabem"

João Sal/Folhapress João Sal/Folhapress

'Ele era como eu, como você'

O cara grandalhão e de coração mole compartilhava os seus sentimentos, da felicidade às preocupações, com Graziela Gonçalves, com quem foi casado por quase 20 anos. As memórias sobre o cantor viraram o livro "Sou Eu quem Vai Fazer Você Feliz - Minha História de Amor com Chorão", publicado em 2018.

Eu o humanizo, trago o ídolo para o plano dos humanos. Ele era como você, como eu e como quem está lendo esta reportagem agora. Tinha suas dores, vontades, desejos, sonhos e frustrações. Cada um de nós carrega angústias. E ele divida isso comigo muito abertamente. Era um cara que não tinha medo de se mostrar vulnerável. Talvez por isso tanta gente se identifique com o que ele escreveu.

São sete anos desde a morte de Chorão. A dor da perda se transformou em saudade. "Transformamos a memória da pessoa em uma companhia positiva, um lugar de aconchego. Tenho muita saudade, vivemos muitas coisas incríveis e difíceis. Procuro lidar com isso da melhor forma, buscando aprendizado. Eu disse tudo para ele. Não tenho absolutamente nenhum arrependimento. Não deixei de dizer eu te amo nenhum dia das nossas vidas."

A vida tinha um plano e separou a gente. Mas se quem eu amo tem amor por mim, sei que ainda estamos muito longe do fim.

Trecho da faixa "Meu Novo Mundo"

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