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Festivais de verão se multiplicam e se tornam "motor de convivência" na França

Fachada do festival Eurockéennes em Belfort, na França - AFP
Fachada do festival Eurockéennes em Belfort, na França Imagem: AFP

Daniella Franco

05/07/2019 12h51

A cada verão europeu, os festivais --sejam eles de música, teatro, fotografia, literatura-- se multiplicam na França. Apenas nesta semana, o país assiste à abertura de grandes eventos culturais, como os Encontros da Fotografia de Arles, o mítico Festival de Teatro de Avignon e um dos maiores festivais de música da Europa, os Eurockéennes de Belfort.

Já neste fim de semana Paris realiza simultaneamente os festivais Fnac Live e o Days Off, que traz para os palcos Kraftwerk, Cat Power, e o vocalista do Radiohead, Thom Yorke. A capital também acolhe nas próximas semanas o Lollapalooza Paris - versão parisiense do célebre festival americano -, além do maior evento musical da capital francesa, o Rock en Seine.

No total, são mais de 1.500 festivais por ano em toda a França. Cerca de cem deles podem ser considerados "grandes" por atraírem mais de 15 mil pessoas por edição, de acordo com o site Tous Les Festivals. Em 2018, cerca de 7,2 milhões de pessoas frequentaram esse tipo de evento. Ou seja, um a cada dez franceses participa de festivais no último ano - uma tendência que vem aumentando ao longo das décadas.

É programação para todos os gostos e para todos os tipos de público. Um fenômeno que vem se amplificando e se modernizando há cerca de 30 anos, afirma Emmanuel Négrier, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, especialista em ecossistemas de festivais.

"Tudo começou na década de 90, com festivais de música clássica, jazz, world music... e se acelerou nos anos 2000, com festivais de rock, pop, techno, electro, hip-hop, que apareceram com o aumento considerável de ouvintes graças à multiplicação das plataformas musicais. E, claro, é um esquema que junta o entusiasmo do público com o interesse das prefeituras ou regiões na realização desses eventos. Há todo um sistema público e privado, lucrativo ou não, que explica essa dinâmica", analisa.

Segundo Négrier, o fenômeno dos festivais é importante a ponto de mudar o comportamento dos franceses. "Há uma espécie de transformação da vida cultural em evento, que atinge o setor musical, teatral, literário. Além disso, festival como modalidade de diversão se tornou mais acessível a um público que encontra a satisfação de seus gostos, em um contexto convivial. Ou seja, os festivais se tornaram verdadeiros operadores de convivência", avalia.

Uma prova dessa mudança de comportamento e aumento pelo interesse em grandes eventos culturais é a diversificação do público ao longo dos anos. Antes reservados para a jovens e fãs de determinadas bandas ou estilos musicais, os festivais passaram a ser frequentados por famílias, por moradores locais ou simplesmente por pessoas curiosas sobre o peculiar universo dos espetáculos de verão.

"É surpreendente detalhar a sociologia de determinados públicos nos quais não esperaríamos ver três gerações compartilhando o mesmo evento. Nos Eurockéenes de Belfort, por exemplo, a espectadora mais velha na última edição tinha mais de 90 anos", ressalta Négrier.

O jornalista franco-brasileiro Henrique Valadares, de 27 anos, é frequentador assíduo de grandes e pequenos festivais, shows e eventos artísticos na França. Para ele, a multiplicação de espetáculos está relacionada com dois fenômenos.

"A França sempre teve uma demanda muito grande por cultura. Então há uma grande exigência e isso faz com que a proposta seja maior e de qualidade. Além disso, a cena musical da França não é das melhores, então existe essa necessidade de trazer artistas internacionais, que, de fato, passam pelos principais festivais do país, como o Hellfest, Eurockéennes e o Rock en Seine", afirma.

Segurança pós #MeToo

Além disso, Valadares também observa que com movimentos de empoderamento das mulheres, como o #MeToo, esses eventos se tornaram mais seguros para frequentar. "Há esforços para a diminuição do machismo, de atitudes sexistas e por mais tolerância. Os espectadores mudaram de atitude, o que gerou, de fato, uma maior convivência. Hoje as pessoas se sentem mais à vontade para frequentar os espetáculos", diz.

Por isso, quando Benoit Brayer, diretor do Festival Fnac Live, é indagado sobre qual é sua prioridade no evento que reúne milhares de parisienses há nove verões diante da prefeitura da capital francesa, sua resposta é: "diversidade". "Isso faz com que as pessoas venham para o festival bem-humoradas. Os artistas são bem recebidos pelo público. E, então, a festa pode começar!", comemora.

A temporada de festivais recém começou e vai até o final do verão europeu, com espetáculos culturais sendo realizados até meados de setembro em toda a França.